segunda-feira, 5 de setembro de 2016


O TELEFONE, o ZAP E OUTRAS MATÉRIAS DO AMOR



Arpex
Dia Azul
Trimmm







Em minha atual solteirice, tenho bastante tempo livre. Estou, portanto, rica, visto que o tempo é a maior riqueza que o homem civilizado pode vir a ter. Quem quiser ocupar meu tempo, terá de fazê-lo com muita sabedoria. Não alugo, não empresto e não vendo. Vale ouro para mim.

Estava eu usufruindo desta maravilha rara no paraíso chamado Arpoador. Você já foi ao Arpex, nega? Assim, tempos olímpicos, vazio, seguro, sol farto? Foi não? Então vá. Duvido que volte logo. É lugar para se perder, e se achar.
Sento-me neste tapete de Deus, a areia. Fecho os olhos  para ouvir melhor o mar. Ouço, pelo barulhinho da areia (os iniciados me entendem), que próximo a mim, alguém estaciona a sua bike.
Uns quarenta e tal. Barriga zero. Bronzeado. Altura mediana. Uma cara de bem estar, de alguém que está de bem com a vida. Belo espécime. Observei que carregava nas mãos dois pares de tênis e um celular.
Ok.
Barulho de onda vai, barulho de onda vem. Toca o celular do guapo.
" - Alô "
   ........barulho de mar....
  " - Sim"
   ........ barulho de mar
   ........ suspiros irritados
  " - Não queira discutir não. Estamos apenas nos conhecendo"
   ....... barulho de mar
 " - Trocamos zaps, nada mais"
........ barulho de mar
  " - se continuar neste tom não prosseguirei. Depois te chamo no zap "

  Sucederam aqueles sons metálicos, zumbidos prolongados que anunciam mensagens do zap. O guapo murmura reclamaçõezinhas sem muita expressão. Ouço objetos batendo entre si, imagino que está guardando o celular na mochila.  O guapo foi até a beira do mar, Costas bronzeadas, uma tatuagem que não identifiquei. Abaixou seu corpo flexível e molhou o rosto.  Toda a pele brilhando com a luz do Astro-Rei. Saiu um rapazinho da água sorrindo para ele: "- Oi, pai ". Pegaram a bike, subiram e sumiram na paisagem tão linda e convidativa a um dia de paz.

 Caríssimos, o telefone é uma invenção para comunicação. Para compartilhar com o outro o que sentimos, o que pensamos. Para combinar, para descombinar. Há anos não havia celular. Todo mundo namorava, casava e separava igualmente.   Há anos não tínhamos zap, face, skype, Namorávamos, casávamos e separávamos igualmente. Igualmente? Temos certeza?

Certeza mesmo? Outra riqueza de nossos tempos. Não temos certeza de quase nada. Tudo mudou. A gente conhece pelo face, namora pelo zap e termina pelo telefone. Um sujeito bonitão, com filho grande ( supostamente experiente ) se dá ao direito de determinar que não haverá discussão. Estão na fase inicial, ele afirmou, a do conhecimento. A fase I não admite discussões. É um dia lindo de Sol e ele está curtindo o filho, a vida, sua belezura ainda vigorosa.

Não houvesse esse telefonezinho, a moça do outro lado da linha teria se poupado esse frio diálogo. Não houvesse zap, as mensagens não teriam sido reprovadas como audivelmente foram. Tivesse ela paciência, tivesse ele carinho.... tivessem ambos sintonia.

Eu não vou me adaptar, pobre de mim. Se alguém me ligar em dia de Sol no Arpoador, que seja para me desejar bom dia. Essa é a minha wibe. Não quero me explicar pelo teclado mínimo, nem que se expliquem no infímo espaço de uma telinha. Quero ler no olhar. O horizonte de um olhar é um lugar confortável, imenso, morno. Lugar adorável. Nada de tentativas de discussão por telefone ou zap ou o que seja. Isto é para questões frias da admistração da vida profissional, caríssimos.
Em tempos de zap, desculpem-me os adeptos, eu quero é sentir a vibraçao da voz e do coração para saber se estou ou não  conhecendo alguém. Se estou ou não começando ou terminando o que quer que seja. Uma música juntos. Uma tarde juntos. Um mergulho juntos. O cheiro de sal no cabelo. A areia no pé do outro que a gente tenta limpar com jeitinho. Para ver se arrepia.
Temos faculdades on line, Temos trabalho home office. Temos atendimentos  on line.
Mas em meu tempo nesta Terra, eu  quero o amor mode live. Alive Just like me.





quinta-feira, 21 de julho de 2016

Neuro Terrorismo












Ipanema na mira
Será?


Caríssimos, ando preocupada.

Bombas, assaltos, balas perdidas, doenças, explosões. Arrastões. Loucos armados que matam centenas.
A impotência coletiva diante da covardia acaba nos fazendo medrosos demais. É grande a sensação de desproteção. Minha mente anda ocupada pelo medo.
Ando apavorada. Tão apavorada que tenho medo até de temer em vão.
(não tenho medo de amar em vão não. Amar nunca é em vão)
Mas esse estado de alerta constante é um desperdício de adrenalina, meu compadre. Entro no ônibus e temo o assalto. Não fui assaltada. Temi em vão.
Em vão?  Não. Por massificação de ideias mesmo. Temos sido treinados para desconfiar. Problemaço, pois onde termina o medo e onde começa o preconceito? Temo o negro jovem e não temo o homem branco de meia-idade. Temo o mendigo e não temo o executivo. No entanto, todos podem, em tese, estuprar, aliciar, e outras misérias. Escolho alguns para me afastar e outros para papear. Quer preconceito maior que este?
Mundo cruel o nosso.
Tiraram nosso sossego e privaram-nos de nossas predileções. Por exemplo: sempre encantou-me a cultura árabe. Sua estética rebuscada, sua riqueza de detalhes, suas mil e uma noites, seus provérbios, seus mosaicos, suas lendas. Seus nômades. Depois de tantas bombas mundo afora, acrescentemos um negativo à essa encantadora lista: seus terroristas. Não posso avistar um vendedor de esfiha que desconfio.  " - Será mesmo refugiado? Será do Bojo Karan?", penso.

A vida testa nossas reações, e me presenteou então, com  novos vizinhos. Árabes puros sangue.
Sim. Um dos apartamentos do pacato prédio onde resido foi alugado ou vendido e eles estão lá. Vestidos a caráter ( ou quase), uma família inteirinha. Pai, mãe, criança maior, criança pequena e bebezinho.

Meu pseudo sossego acabou.
Temos ampla variedade de terráqueos no prédio. Portugueses, índios, negros. Uma russa. Portadores de necessidade especial, portadores de down, nordestinos, judeus, espíritas, evangélicos, surfistas. Intectuais, policiais e por aí vai. São 56 apartamentos e custa-me lembrar de dois flats com o mesmo perfil de moradores. Uma homenagem à diversidade e à convivência pacífica entre as tribos.

Mais ou menos. Agora temos os árabes.
Fechados. Resistem a um cumprimento. Falam entre si em árabe. São diferentes dos descendentes de libaneses que conheço, muito amigaveis e hospitaleiros. A pele deste grupo é bem escura e esverdeada. O tom de voz é seco. Ríspido.  Nada da simpatia e eloquência dos turcos da Rua da Alfândega; a mulher é calada e não cruza o olhar com o meu. Usa roupa comum, e não tem os enfeites da minha fantasia. Traz a cabeça envolta numa echarpe escura.  O homem é sério, calou-se quando entrei. A criança maior é uma criança, gente, que eu queria saber o nome, ouvir seu riso, fazer alguma gracinha, mas esse infanto foge também de meu olhar. o menor apertado junto à mãe, parece ter medo da porta pantográfica, e de mim.

Corajosa que sou para diversos medos, entrei. Os andares que seguiram foram de silêncio e mal estar. Sinto que em minha legging justa e batom carregado eu os incomodo. Eles me incomodam também com tamanha sisudez. Eis aí o ponto que é necessário refletir. As mútuas diferenças ofenderam-se. Desconfianças. Eles perceberam. Ofenderam-se. Quem não se ofenderia?

Sou mesmo muito proviciana. Tenho-me em conta de moderna, cabeça aberta, up dated. Tudo mentira. Ando desconfiada que nem  uma caipora do mato. Se sinto cheiro de queimado, acho que vem da casa deles. Se ouço barulhos, acho que vem da casa deles. Tem um carro carissimo. "- Da onde vem o dinheiro? ". Penso em tráfico de armas. Ai nāo, meu prédio seria muito simples. Bem, pode ser para despistar. Cochicho com o porteiro. A vizinha israelita junta-se a mim: "- Não quiseram entrar no elevador porque eu estava", afirma, com a dor dos séculos de guerras. Minha mãe ofendida pois não retribuem seus cumprimentos. De fato, os cumprimentos de mummy são um tanto efusivos demais ate' para a nossa descontraida cultura.

Que vergonha de mim. Em nome de acusações semelhantes cometeram-se crimes  horrorosos na história da humanidade. Estudei tanto para derrapar feio assim na armadilha do preconceito. Tento convencer-me que não podemos julgar ninguém por sua origem. Em seguida me lembro do descendente de afegãos que matou 50 gays no ataque de Orlando. Tento pensar que somos todos irmãos. Sim, mas Caim traiu Abel.

Estamos nas mãos de Deus, afinal, em nossa ignorância e pecado.  Que nos proteja da guerra, do sofrimento, e de toda a sorte de preconceitos. Que com sua imensa piedade  nos ensine a perdoar  o conhecido e o desconhecido. Conspirar, julgar e condenar? Sabemos decor.


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terça-feira, 19 de julho de 2016

Calendário Escolar



Botafogo
Um frio danado
Manhã de Inverno


                   
É ou não é para comemorar Agosto?
Claro que é


Dois anjos me olham. Não falam nada.
Um anjo cria coragem: "Teacher, como falo que nasci em novembro ?"
Eu não resisto. Tenho que aplicar o que aprendi: ofereça mais do que os pupilos pedem.
Vejam bem, caríssimos. Pedir-me para dar mais do que foi pedido é pedir-me para ser eu mesma. Se há algo que eu não fiz nesta existência foi poupar-me.
Preparei plaquinhas coloridas. Uma para cada mês do ano. Letras bem cheias e caprichadas, que os símbolos das palavras devem ser generosos como os seus significados.
Os anjos pegaram as plaquinhas com suas mãos de anjo e colocaram em seus cadernos de anjo.
Para cada plaquinha, deveríamos, juntos, escolher um feriado que se comemore naquele mês.
Abrimos nosso ano com Janeiro. As promessas e os fogos de Ano Novo estamparam a folhinha, em traços simples como as promessas boas de se cumprir, e em cores vibrantes como o coração que recomeça; muito bem.
Fevereiro, Carnaval. Máscara dos charmosos disfarces, confetes da agitação, notas musicais das marchinhas. Março: retorno às aulas. Percebi que os anjos ficaram meio murchinhos. "não é bom voltar à escola? " perguntei. É, mas a gente fica com saudade da mãe. Que triste isso. Divididos entre o aprendizado e a vontade de ficar no colo de mummy. Tão pequenos. Tantas tarefas. Será necessária esta privação?
Sigamos, que temos o ano pela frente. Abril? Páscoa. Coelhos, ovos, poucos, não gostam de doce e os recebem em fartura; não é um sonho de consumo. Peça a um menino da comunidade para desenhar um ovo de páscoa. Enche a folha. Colorido, caprichado, é coisa que desejam, que não tem, que imaginam em detalhes. Que venha Maio, mês das mães, muitos corações e flores para as mummys tão delicadas e atenciosas com as quais  a vida lhes abençoou.
Junho? dia dos namorados. Festa Caipira. Bandeirinhas, milhos, fogueira. Julho? Ferias.
Agosto.... Bem, nada em agosto. Pulamos este. Setembro? Primavera, independência do Brasil. Outubro, dia da criança. Novembro? Proclamação da República, Zumbi.  Dezembro??? Covardia. Natal!!!!!
Agosto lá. Em branco. Olhando para gente. Dois anjos e uma parva. Sem saber o que poderia haver em Agosto. O anjos tristes...." deve ser  triste para o Agosto"
Eis que as teachers tem família também, embora os pequerruchos, em sua inocente egolatria, sequer imaginem; e eis que esta teacher tem uma irmã, que faz aniversário em Agosto.
Pronto!!!! Agosto é o mês do aniversário da minha irmã Marina. Ela é bailarina e mora em Madrid.
Que baixeza de minha parte... subitamente os meses do ano perderam suas cores. Irmã bailarina? que mora em Madrid? Já a viram vestida de vermelho e na ponta dos pés.
Com muita satisfação e uma letra bem bonita, escreveram:
August  " Marina´s Birthday". Desenharam balões coloridos. Bolo com o nome da aniversariante.
O calendário ficou feliz.
Os anjos ficaram felizes.
A teacher ficou muito feliz.
Num mundo machucado pelo desamor, a beleza encontra seu caminho para consolar os humanos: no sorriso do anjo,  por onde o tempo caminha mês a mês. Nas alegrias espalhadas pelo ano. Nas cores, nas letras, nos desenhos, no poderoso imaginário infantil.
Na maravilha de celebrar o aniversário de quem amamos.
Comemoremos sim. Um ano a mais de um ser amado devia ser mesmo feriado universal. Amar o próximo é coisa rara.
O amor é raro, o bom ser humano é raro, a vida é rara.
Vida que não se compara, vida que não se esgota, vida que dança.
Vida do Brasil a Madrid. Passando por muitos outros sortudos pontos do mapa mundi.
Merece mesmo o sorriso dos anjos. Merece mesmo estar no calendário.



       Bailarina, atriz e professora
       Marina Santo
       Foto: Eva Vieira

                                                             
                                         


domingo, 5 de junho de 2016

Eu, um dinossauro



Rio de Janeiro
Planeta Terra antes das inundações
Período pré-homo sapiens



                                  Prazer em conhecer


Caríssimos, esta sou eu.

Um dinossauro.
Não, não se surpreendam. A cada dia noto mais semelhanças minhas com o esplêndido animal.
Antigo, pesado, e mal humorado.
Somos imensos, barulhentos; anti-sociais.
No fundo, apenas criaturas incompreendidas.
Pertencemos a eras longínquas. Tempos e tempos idos. Não entendemos a linguagem atual, e os atuais interlocutores tampouco entendem a nossa. Não nos adequamos aos modelos, o que complica muito em tempos de caminhos tão polarizados e parametrizados.
Então vamos conversar? Ops... o diálogo conosco é problema na certa. Quando não provoca um conflito, detona outro pior.
Se ficamos, há pânico. Se partimos, há tremor de terra.
Nosso falar é um rugido, um grunho, vem de dentro. Rasga o ar.  Assustamos as demais espécies - e outros coleguinhas de menor envergadura - por puro desconhecimento de nossos hábitos; parecemos devoradores, mas não somos. Parecemos aterrorizantes, mas somos inofensivos. Inocentes vegetarianos.
Temos sido perseguidos através da História. Inventam que queríamos exterminar o Bicho Homem. Querem nos eternizar em lendas cruéis. Calúnias. Tal contemporaneidade não existiu; essa suposta convivência não foi autorizada pelo Criador. Daí nossa resistência ao convívio. Não fomos habituados.

Sigo ruminando meus alfaces e aguardando minha tribo, que anda em outro planeta, certamente, para desfrutarmos de um momento pacífico onde a natureza e o animal vivam sempre em comunhão.

No mais, é curtir a solidão, digo, a realeza dos temidos.  Enquanto houver produções bilionárias sobre meus irmãos dinossauros, estarei em alta.