sexta-feira, 11 de junho de 2021

O retorno

 O retorno

  

  Após anos de silêncio, volto ao blog. Releio aqui e ali. Viajo.

  Foi uma época danada de boa. Muito. Eu ia ao teatro quase todo dia. Sim. Quase todo dia. Shows também. Muitos, maravilhosos. Dança, musicais.

  O Rio de Janeiro vivia um momento de efervescência cultural. Incentivos fiscais, patrocínios. A economia carioca estava bem, ou parecia estar. Casas cheias, frequência alta, muitas opções de espetáculos.

  Eu escrevia madrugadas a fio.

  Mergulhada nesse ir e vir, nesse pasmar e espalhar, nesse círculo energético de absorção e divulgação de arte e da cultura. Mergulhada na minha percepção desse mundo encantador, passava o que via na peneira do olhar, e mergulhada e rodeada de mim,  pois tudo é espelho, caríssimos, já dizia minha tia Didi, eu vivenciei cada minuto daqueles anos com muita entrega. Gratidão, Vida, porque me fizeste intensa.

   Tudo é transitoriedade, também acrescento, como já dizia minha terapeuta Monique. Sandro Shankara, amigo de saberes indianos também encantadores, me diz que só a mudança é constante. A palavra é liberação. Deixe ir, ele explica. Doce, doce. Deixa ir.

   O amor pelo teatro nunca saiu de mim, contradigo esses lindos. 

   Talvez eu tenha me fechado no meu próprio camarim, que a vida é um palco,  (Isso aí já dizia muita gente, e como é interessante essa autoria mesclada de palavras sábias... Libertário atribuir verdades a autores diferentes. Dilui esse monopólio ocidental do saber.) e para todo palco há um camarim.

   Mas, sabem. Veio 2020. Sabem. Sabemos. E o valor do tempo modificou-se. Temos medo de não haver mais o nosso tempo. A efemeridade é tangível, próxima, toca sua campainha e você não pode fingir que não está.  Há um grande medo coletivo de não haver outra oportunidade. 

E nesse 2020 em que fomos obrigados a receber a visita do medo, fazer um cafezinho e  olhar para dentro de nós mesmos, querendo ou não, gostando ou não, pulsa o medo dentro e fora de casa, dentro da máscara, dentro da incerteza de ser brasileiro no país de Bolsonaro. Dentro da economia quebrada, de governadores presos, de fome e desemprego. Olhando os números de mortos crescerem, o oxigênio diminuir,  a gente tem medo. Algo entre impotentes e incrédulos. E com medo. E a mata queimando. E os negros sendo mortos pelos racistas. E os LGBT sendo mortos pelos homofóbicos. E as mulheres sendo espancadas e tantas crianças vítímas de violência.

Medo. Solidões. Uma sensação de que as luzes se apagaram, e você já não encontra seus sapatos no seu próprio quarto. E vem o medo do escuro.

   O medo é uma grande solidão, caríssimos. Uma ameaça premente de infelicidade. Temos a impressão de que estar a dois ou a três nos protegerá de muitos males,  é um pensamento representativo de uma época, e bem assustador. Aqueles que ficam sós parece que estão fadados a ter medo e outras coisinhas mais pesadas. O corporativismo de nossos tempos, onde nos aglutinamos para nos proteger, traduz bem a ponta desse pensamento.  Um segredinho: boa companhia, pertencer a um time, a um grupo, é ótimo sim, mas não protege ninguém de si mesmo, e muitas vezes, ameaça o ego e a criança interior de cada um de nós. As reações são muitas. Cuidado. Conviver é algo perigosíssimo. Muito se revela e nem sempre estamos preparados.

Então veio 2021. O contexto começa a se iluminar pela vacinação, tardia, torta, parida a fórceps, mas uma vela se acendeu no escuro do seu quarto, caríssimo. Não a apague. Vacina já.

Voltar a escrever me cutuca. Persiste. Vai e volta. É como o nome de quem se quer, como o sabor do doce que a dieta não te permite, como o desejo de vacina, de liberdade, de trabalho justo. È um bem que me faço, nesse mundo que tanto mal quer ser fazer.

Mesmo que não leiam, mesmo que não concordem, mesmo que não gostem.

Percebi, que como meus filhos, as palavras vem de mim, mas não me pertencem.

São minha voz fora de mim, e já não quero ignorar seu sussurro. Quero presenteá-las com a liberdade que os último ano nos tomou.

De todas as solidões que tenho - e tenho várias - escrever é para mim, a melhor forma de encarar o medo.

Como disse um ex, fofo - vai, Bettina, que o inimigo se enfrenta de frente. Não sei se foi ele que disse, ou algum professor, ou algum político. Há falas iguais em bocas diferentes. Há sábios em muitas castas,

Há textos diferentes na mesma boca.

Que a minha diga palavras de esperança, principalmente para mim mesma.

Gratidão Vida, porque o pessoal aí ainda não desistiu de mim. Devo ter algo de bom para dar a esse mundo. Algo de bom para dar a mim.

Voltei.