Da Latino América
De mim
De você
Ricardo Darin, Abel Ayala e Miranda Bodenhofer, sob a direção de Fernando Drueba - arte e realidade
Esta é a versão oficial do filme.
Não acreditemos, caríssimos, assim tão facilmente, nas palavras impressas - é preciso ver o filme. Como diz Gilberto Gil, se a gente não ver não há. E há que ver este trio de marginais. Criminosos? Não sei. Crime é ação ou omissão que infrige a lei, e não a moral. Sabemos que moral e lei andam bem separadas aqui pela América Latina, então não os julgarei criminosos; são mais inocentes que os legalmente corretos, garanto. Não me corrompo pelos códigos de conduta do Estado.
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Corajosos sobreviventes da cruel ditadura Pinochet, livres da prisão, foram aprisionados na pobreza, na miséria e na solidão. Covarde solidão, imposta e contra a qual não conseguem lutar, a não ser que se unam em mais um ato ilegal. Daí adiante não vou. O caríssimo tem que ir por seus pés, já que não temos a mesma suerte de Angel, herói anti herói que anda a cavalo. Ni la misma suerte de Victoria, a bailarina, que desliza sobre seu corpo. Vamos a pé mesmo, mas de olhos bem abertos. Veremos um filme de arte, apresentado comercialmente como um filme romântico, porque os filmes de arte não lotam cinemas. É um filme de arte,Vitoria dançando é arte, Angel voando e cavalgando é arte.
Os corajosos namorados Vitoria e Angel, e quem quiser que os impeça
Pausa, aqui, respeitosa pausa. Darin é ator, diretor, escritor, roteirista, e o que mais o seja, o será de primeira linha. Traz às telas a revelação (dolorosa ou confortadora) de que somos humanos, envelhecemos, temos cabelo branco, olheiras, bolsas em baixo dos olhos. Criamos barriga e mau humor, e é assim mesmo, e ponto. Com o passar dos anos nossas mágoas profundas doem menos, e experimentamos algum alívio nisto; além do mais essas mesmas cicatrizes nos tornam imensa e irrevogavelmente melhores e mais interessantes. Deixamos de ser figurinhas de um álbum e passamos a ter personalidade, história, passado, presente e , que maravilha, temos futuro. Sarcástico, companheiro, humano, sofrido, atrevido, Darin como o vilão anti vilão Vergara Grey faz a ponte entre a arte e a realidade, e nos convence que tudo aquilo aconteceu de fato, e que os fugitivos estão agora fazendo amor e tomando uma boa taça de vinho...
Muitas e muitas cenas poéticas, a escolher. Emocionam. A dançarina, em sua rôta majestade, a nos tirar o fôlego; o ladrão, inocente como um bebê, acreditando que seria feliz nesta Terra ingrata; e o ladrão mor, Darin, angustiado e embriagado cantando os primeiros versos de El dia en que me quieras. A cena final, suave, silenciosa, que sugere novo início, novo começo, como deviam sugerir todas as cenas finais, na tela e na vida.
Os personagens em suas diferenças confirmam o que eu digo: os homens em suas diferenças amam e precisam de amor, e de sonhos, possíveis ou impossíveis; e de paz, e de felicidade. Lutam, matam e roubam se preciso for; atravessam fronteiras geladas com firmeza e determinação. Machões, ladrões, dançarinas, velhas professoras, viúvas, madames. Somos todos absolutamente iguais: o amor e o sonho falam mais alto em nossos corações, que todas as leis, que todas as regras de comportamento e que todos os ditadores.
Vamos dançar - todos precisamos de sonho, todos nós
" Acaricia o meu sonho,
com o leve múrmurio do teu suspirar
Como eu seria feliz nesta vida,
se os teus olhos negros me quisessem olhar...
Ah, como queria que risses para mim,
Com essa tua risada suave
Que é quase um cantar..."
( El dia en que me quieras, Carlos Gardel)
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