sábado, 7 de maio de 2011

Linha de Passe

Periferia de São Paulo
Deixe a mágoa passar



Sandra Corveloni, melhor atriz em Cannes, por essa atuação. João Baldasserini, Vinícius de Oliveira, José Geraldo e o menino Kaique Jesus Santos como Reginaldo
Foto: divulgação
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Fiquei um tempo sem saber se postava ou não. A modernidade traz o benefício da dúvida.

Duvidei. É fácil escrever sobre drama e tragédia no Líbano, mas é difícil descrever - dói mais - as dores próximas.

São Paulo. Tenho sangue paulista, e bastante. Sangue da luta do paulista.
Cidade cinza. Penso no meu Arpoador, exuberante e colorido, penso em Salvador, com sua pobreza alegre, florida, gente bela e bronzeada pelas ruas. Penso em Buzios, pescadores, reis daquela natureza absurda.

São Paulo é cinza. Não há beleza natural a reconfortar os olhos e acalmar o coração. Buenos Aires, por exemplo, é cinza também, e lá nasceram o tango, e Che, e sua revolução. O cinza não traz reações pacíficas.

Escolhi a foto acima porque é um dos poucos momentos de alegria do filme.
Estão alegres também quando torcem pelo Corinthians. O futebol, alegria do povo.
Arma de consolo e manipulaçao. Comércio da habilidade dos meninos pobres, ou você já viu algum menino rico que seja craque? Papai do céu abençoa a pobreza com dons inimitáveis.

O filme é um espetáculo triste, de uma mulher só, envelhecendo, grávida, contando moedas e mágoas. Filhos grandes, sós, contando moedas e mágoas. Um quer ser jogador de futebol. Muito muito mais difícil - tem que ter chuteira, disciplina, boa alimentação, dinheiro para propinas. Tem que resistir a droga. O outro quer ser religioso para aguentar o tranco. Para prosseguir caminhando de pé na miséria; fez voto de santidade, e é tão complicado ser santo.

O terceiro é uma graça. Um mini Seu Jorge. Um menino amigo, o negro filho da branca, que busca o pai desconhecido. Perserverante na busca. Tem mais caráter e força que os mais velhos, e se muito náo me engano, será o amparo de sua mãe.

O dia a dia da família é o dia a dia da casa velha, quebrada. Pia entupida, móveis rotos. Pouca comida, comida seca. Roupas antigas. Cabelos sujos. Sem diversão, sem carinho. Gritos, palavróes, acusações.

A gente humilde de Chico Buarque náo está aqui. Não são casas simples com cadeiras na varanda, e em cima um lar. Não. Sào casamatas. São esconderijos. São abrigos, cavernas, silos. Cativeiros. As pessoas e as mágoas se amontoam, se embolam, atrasam a vida.

Nesta hora penso no governo de São Paulo. No Maluf, no Alckmin.
Penso no Lula, na Dilma, nos militares.
Nos motoboys mortos no trânsito.
Penso nos programas de emprego. De capacitação.
De educação integral para menores.
Penso no transporte público, que consome o tempo precioso de estudar.
Nas universidades públicas onde a elite está matriculada, e chega em carros zero.
Nos impostos que nunca chegam onde tem que chegar.

Penso nos evangélicos desesperados com suas Bíblias, pagando dízimos, esmolando o amor de Deus.
E desculpo os rapazes que roubam uma bolsa para levar a namorada ao motel e para presentearem a mãe com a bolsa. Para curtirem a gata, para agradarem a mãe.
Tive uma bolsa roubada em Copacabana. Tomara que tenha agradado alguém.

Penso em nós, cidadãos bem posicionados na pirâmide social. Identificados pelo fisco e pelo sistema de seguridade social e privada. Formados, pós graduados. Inertes, de braços cruzados diante das periferias, de seus homens tristes e das mulheres sós. Passamos longe das cervejas na birosca e de suas panelas sujas. Desconhecemos a vida dura trilhada na linha do trem, que entrega o trabalhador escravo ao patrão.

O brasileiro está na linha do penâlti. A glória ou a vergonha do jogador. Está diante da linha da cocaína no prato de prata na mansão dos Jardins.

Passe.

Vamos ver só a linha do horizonte.
Vamos passar a bola para quem faça um gol de placa.
Votar melhor, viver melhor, jogar melhor.
Criar melhor os filhos.

Que o Brasil comemore os gols do povo, e com bons motivos.

Um comentário:

  1. amo esse filme, adoro sobretudo a origem se tornando coadjuvante ao desenrolar do filme...é mais que um filme sobre a pobreza e as dsigualdades sociais.

    é um filme sobre a pluralidade do Brasil e sobre a individualidade essencial do ser.

    um ninho de mafagafos com diferentes mafagafinhos, cada um trilhando seu caminho de forma diferente e única.

    é a história de uma mãe, com MUITOS motivos para chorar e BONS motivos para sorrir.

    vale a pena...

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