segunda-feira, 30 de maio de 2011

O Santo Inquérito

Teatro Municipal do Jockey
silêncio escuridão
fogueira

Livrai-nos senhor de todas as tentações
Mariana Mac Niven, Branca Dias, e Claudio Mendes, Padre Bernardo.
Geniais, em " O Santo Inquérito ", de Dias Gomes, com Supervisão Geral de Amir Haddad



Dias Gomes. A ele, toda honra e toda a glória para sempre.

A Cia de Teatro Nâo Gostou, Reclama com Amir traz para a arena a injustiça da Santa Inquisição. Assistimos estupefatos à condenação e morte de Branca Dias, bela, jovem, inocente, livre.

Bela demais, jovem demais, inocente demais. Uma tentação para o Padre Bernardo, o gordo padre que se consome com tal tentação. O confronto entre a pureza, florescendo, e a repressão, sufocando.
Transtornado pelo perseverante desejo, o padre se utilizará de todo o aparato linguístico do catecismo para confundí-la, e conseguirá implicá-la em crimes de heresia perante os Inquisidores.
Épocas sanguinolentas da Igreja. Sádica e machista, condenava mulheres livres à fogueira. Eram bruxas. Antes fossem, teriam mudado seus destinos.
As autoridades religiosas queimavam as revoluções na fogueira. Mas não tinham como queimar o desejo dos padres, forçadamente celibatários, e inevitavelmente homens de carne e osso.

Branca Dias é meio hippie, meio criança, filha adorada do senhor de engenho, de suspeitas origens judaicas. Crime, na ótica dos tiranos católicos, que executaram dois mil cristãos novos em Portugal.
Passarinho criado solto, à beira do Rio Paraíba, sem mâe ou madrasta ou preceptora a impor-lhe regras de conduta, Branca encontrava na natureza fonte farta para os ensinamentos do bem viver. Criou suas próprias regras, de paz, de amor, e de liberdade.

E a atriz Mariana Mac Niven, alva como algodão, encarna a personagem de forma quase espiritual. Sentamo-nos na primeira fila, estávamos em três, três feiticeiras também. E cheguei a ver as veias de suas mãos, claras, mínimas, infantis. O rodar de sua saia, à moda da roça, e a luz que atravessa seus cabelos, entre o ruivo e o louro. O azul feliz de seus olhos diante do amado e o outro azul nos mesmos olhos, um azul apavorado, diante da morte que se aproxima, implacável. Olhos azuis que pedem socorro, como faróis na escuridão. Se Branca Dias existiu, e é possível que tenha existido mesmo, essa moça é sua reencarnação.

Tive pena dos injustiçados. O Sermão da Montanha disse que é deles o Reino dos Céus, sim, porque este Reino Terrestre aqui não é mesmo. No Brasil de 1750, o Reino era da Igreja, não a de Deus, a dos Homens. A Igreja dos Papistas, dos Bispos reverenciados, essa Igreja que não é a de Pedro, descalço, nem a do doce João, nem a da apaixonada Maria Madalena. Essa Igreja dos que usaram o Santo Nome de Deus, em vão, porque Deus não precisa de nome, nem de leis, nem de bispos, nem de tribunais. Para Deus basta existirmos, e vivermos com Amor.

Precisamos lembrar-nos disso.

Precisamos da obra de Dias Gomes e da arte de Amir Haddad e dos atores incorporados a nos lembrar da nossa essência, simples e fugaz, como seus cenários móveis, de tecidos azuis e vermelhos, maleáveis, adaptáveis, que representam a água do rio, o rio de sangue, o tapete vermelho, a cor do fogo. Tecidos que envolveram os atores, e nos envolvem, enxaguando, julgando, queimando, crucificando, e que são depois retirados, libertando.

Retira de nós, Senhor, o peso de nossos pecados. Muitos e indefensáveis. Retira de nossos próximos a possibilidade de condenar-nos.

Porque se existe, se é Bom, se é Deus, nos livre - também - das tentações e das idéias fixas, e das justificativas que inventamos para nossas crueldades.

Livre-nos das nossas omissões.

E que nos livre, urgentemente, dos maus homens do mundo e da Igreja que inventaram.

Dias Gomes - "De todas as artes acho o teatro a mais atuante. Foi uma das primeiras manifestações culturais no Brasil e serviu de propósitos catequéticos e políticos. Era a conquista do índio para o Deus branco e consequentemente para o senhor branco. A valorização do teatro era evidente, pois se não fosse, eles teriam escrito romances ou pintado quadros. Mas não. Anchieta escreveu e encenou peças"

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