Rio de Janeiro
Março, imenso
Solar lunar de Botafogo
Proteja-se - vem chuva forte por aí
Antonio Pitanga e Camila Rodrigues
Confesso que fui meio obrigada. Não gostei do release de "Após a chuva" - um negócio de diretor de teatro que decide confinar os atores até que chegue um outro ator maior. É fato que sou claustrofóbica, e esse tema me deixa nervosa. Por outro lado, não me agradou a graduação entre atores.
No entanto, estou em terapia, e pensei: bem, trancafiados estarão eles, não eu.
Esperando talentos superiores? Vamos ver. Fui.
Gente, não é nada disso. O diretor, o excelente Roney Vilella, não decide nada. A situação se encaminha para o precipício e ele não consegue evitar. Não tem outra opção. A Cia que dirige não tem patrocínio, não tem estrelas. O último razoável sucesso deu-se há oito anos (oito é o número que representa o infinito, curioso).
Os atores tem suas contas. Aluguel, passagens, alimentos. Ou melhor, tinham. Já perderam o crédito. Já pararam de se endividar, e de tentar pagar também. Assim, sem saída, ficarão acampanhados uns dos outros no galpão onde ensaiam, com o corporativismo dos mendigos. São obcessivos, unidos e alimentados pelo comando firme do diretor. A peça poderia chamar-se Extremos - a que extremo chega o discípulo. Ao sacrifício físico, emocional, intelectual. Priva-se, priva seu companheiro, seus filhos pequenos. Deve aos vizinhos, ao açougueiro, ao contador. É despejado. É desprezado pelos poderosos a quem pede ajuda. Ninguém acredita no fracassado.
Tive pena. Tive admiração. Sou de Touro, signo do conforto. Quero uma boa cama, travesseiros cheirosos e água quente farta no chuveiro. Belas refeições. Não me fale em dormir em colchãozinho, comer sanduíche de mortadela. Estou fora. Mas eles, os atores, sua esposa, sua trupe, eles topam e topam mesmo.
A peça é isso: vamos até o fim. Juntos no mesmo barco. O barco tem um furo, largo, entra água para caramba. Vamos mentir e dizer que é melhor assim, dá mais emoção.
Eu minto. Você finje que acredita. Tanta coisa funciona assim nesse mundo, porque o humano necessita, muito, de um ideal. Necessita muito de um ideal coletivo. Necessita muito de uma mão para segurar na hora que o barco afunda. Na hora que o grande amigo nos deixa.
Os jovens acreditam. Sobreviveram melhor. Jovens atores representando eles mesmos, provalvemente em dificuldades vividas.
O ator negro sucumbe. Sem saúde, as condições duras acabam com ele. O próprio Roney, que na TV Globo era sempre o capataz, aqui domina o palco na pele do diretor. Chega a estar encurvado sob o peso da desilusão, maior a cada dia. Todos aguardamos o momento em que confessará que o barco, na verdade, já afundou.
Camila Rodrigues é a visão suave neste cortiço artístico. Linda. Está no caminho certo e seus solos teriam mais êxito com textos mais leves, mas ela encanta com sua Cecilia, iniciante na arte, na vida, apaixonada pelo decadente diretor.
A peça começa e termina com os atores no palco, catatônicos, abandonados pela realidade. Entrei em silêncio, tive medo de incomodar. Saio meio sem jeito de deixá-los para trás, assim, sem esperança. No ar o cheiro do café feito no palco, para mantê-los acordados, e enganar a fome.
Peço desculpas pela má vontade inicial. Rabujice.
Espero que a chuva passe logo e que todos abram a porta, e que saiam para o ar fresco. Que estréiem a tal peça, ou outra. Que interpretem magistralmente seus papéis, e que sejam mais felizes.
Roney Vilella, entre Rose Lima e Vanessa Linx, a figurinista da Cia e a esposa do diretor.
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