quarta-feira, 16 de março de 2011

A vida dos outros, um dos meus preferidos

Rio de Janeiro
Domingo nublado
Combina com o filme

Março

A vida dos outros



"Recebi uma missão. Mais uma em minha carreira.

Não vou interrogar, nem prender. Pelo menos não por ora.

Quero levantar provas. Provas do que estão tramando contra nós.

Serei ainda mais metódico e disciplinado.

Pela primeira vez, sinto-me curioso. Não costumo ter curiosidade. Executo meu dever sem deixar que essas coisas me atrapalhem.

Sou um especialista da observação. Observo, de perto e diretamente, sob a luz forte do holofote, o comportamento dos suspeitos.

As informações que obtenho condenarão os conspiradores. Arrancarei deles o que for que estiverem tramando.

E o faço pelo Estado Alemão. Pela Nação Alemã.

Investigo, busco, escuto, relato. Concluo.

Há coisas estranhíssimas com este casal de artistas. Um escritor e sua atriz. Não é simples. São inteligentes. Ela, atriz, bela. Viciada. Conflituada. Inimiga de poderosos. Sem forças.

Observei-os em silêncio, para escutar certas verdades amargas, inaudíveis para o cidadão comum.

Doeu um pouco para reagir.

Foram o piano e as juras de amor, e o barulho dos beijos - há quanto tempo não beijo ... Foi a visão dessa mulher, e de sua estranha beleza.

Foi o talento do escritor. Seu sucesso. Sua fidelidade inocente a seus amigos, à sua causa. Sua força.

Tudo neles humilha-me. A quem sou fiel? Para quem importo? Quem me abraça no frio da noite? Para quem escrevo0? Quem me excita, quem me aplaude? Quem me agrada?

Ninguém."



Essas palavras poderiam ser de Weisler, agente secreto da RDA - República Democrática Alemã. Não são. São seus pensamentos, sei disso. Conheço-o, estive com ele algumas vezes na minha sala. É um personagem fascinante. Mau. Mau e bom. Vilão e herói. Cruel e Generoso. Humano, por imperfeito, e perfeito em seus defeitos.

Mas nem sempre foi assim.

Cuidado. Conhecer a vida dos outros pode ser perigosíssimo. A testemunha também corre riscos. O maior deles é não ser mais o mesmo.

Assista um casal em seu ninho, de pertinho. Assista o desejo deles, sua compreensão, sua luta comum. Assista os sorrisos, os olhares. Os pequenos presentes.
Vives assim? Não? Como? És um solitário? Tua solidão te parece maior, ou mais penosa?

Assista os revolucionários em ação. Conspirando. Sussurrando. Arriscando-se.
Sentes que és um covarde? Um inútil? Um fraco, acomodado?

Assista o cerco fechando-se. Vais ficar aí parado? Vai ser mais um?

Troque de papel. Passe de espectador para roteirista. Não seja o vilão, e sim o protagonista.

E finalmente, vinga-te.

Vinga-te de tudo que te foi negado. De tudo que te foi dado e tirado.
Carreira. Dinheiro. Amor. Reconhecimento.
Dos anos entregues a causas infrutíferas.
De tudo que te dói no escuro do teu quarto, no carro parado no trânsito, na boca fechada de quem não pode reclamar.

Com ousadia, conquistaste o poder da manipulação. Lambuza-te com ele.

E ainda que mais ninguém neste mundo saiba, saberás o que fizeste. Saberás até onde foste, há sangue ainda em tuas mãos. E há vitória.

A mais rara e privilegiada vitória - a vitória secreta. Para a qual não se atribui nota ou julgamento.
Aquela inegável, indivisível, inconfiscável vitória.

Mude a vida dos outros, mas salve a sua. A sua, só você pode salvar.


Nota - Este é um filme especial. Para se ver com alguma solidão.
Neblina, ambientes sóbrios, pouca ou nenhuma música.
Há mais medos que sorrisos.
No entanto, todo o tempo, percebe-se a paixão pela vida, que arde em seus personagens. Aí está: faz arder o fogo sob o frio.

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