Rio de Janeiro,
Para meu primogênito,
Pablo,
com amor.
2011, Gigantes da Lira. Por Fernanda Lopes, gentilmente.
Eu queria te dar um palhaço, meu filho.
Só um, para tua constante companhia.
Que com ele aprendesses a sorrir mais
E achar graça nas belas coisas simples da vida
No cair e levantar, no tropeçar.
Nas lágrimas de alegria.
Com um sopro mágico fizesse leve tua existência
assim livre como as bolhas de sabão
que saem soltas, como beijos flutuantes que perfumam o ar.
Que te inspirassem suas falas inocentes,
pelo tempo que durar tua inocência,
e sinceras, sinceramente puras, por todo o tempo.
E que teu companheiro palhaço, pela tua adolescência,
embale com gargalhadas teu coração,
Para que rias quando era para chorar
e chores de tanto rir.
Que te apresente a bailarina com quem sonhas.
As bailarinas são amigas dos palhaços,
e dos domadores de feras.
Domine o leão que traz em si,
Conquiste-a com flores no chapéu.
Ela não vai resistir.
As bailarinas gostam de flores também.
gostam de banda de música, de guizos,
de volteios no carrossel.
Que o palhaço te proteja como um anjo da guarda colorido
Buzine alto e forte se pressentir o perigo
para que eu corra e te salve,
- Queria salvar-te das desilusões,
dos enganos,
dos medos,
meu menino
Não posso, tens teu caminho.
Então te dou o palhaço como um amuleto,
uma promessa, uma garantia,
leve-o junto de ti,
E quando saias mundo afora com teu circo
não temas o público que te aguarda e te espia
E quem ora te exalta, depois te critica,
Te mandam embora, mudam de idéia e pedem que repita.
porque a vida é um grande espetáculo,
hoje tem marmelada,
amanhã cavalos,
depois malabaristas,
Quando achares que acabou,
entrarão os deuses trapezistas.
Não podes perder isso
Não podes perder o riso
Nem temer o suspense,
esconder o choro, calar o grito.
Não podes perder o Grande Circo.
E eu queria muito meu filho,
Estar ao teu lado, e aplaudir de pé contigo.
segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011
domingo, 27 de fevereiro de 2011
Primeira Rapidinha do Carnaval
Rio de janeiro
Rapidinhas
Algumas situações tem ritmo acelerado e curta duração. Funcionam otimamente assim.
Atendem ao fim a que se destinam.
Portanto, lá vai a primeira rapidinha do Carnaval.
Arte para divulgaçao do Spanta Neném, em 2006.
Você bem merece um bloco.
Você bem merece sambar.
Tire seu corpo do sofá,
mágoas e preguiça, você pode deixar.
Pegue uma cerveja gelada,
Ser feliz é bom,
e não custa quase nada.
Beije um, beije dois, beije três
não beije nenhum,
Ou todos de uma vez.
Cante bem alto o samba da escola,
E sambe, brinque, desfile.
Vá aos bailes do Bola,
Do Líbano, do Demo, do Pier
Caia na folia, caia noite e dia,
E na quarta feira lembre, (ou esqueça)
A vida só é possivel porque há alegria.
O mais são coisas demasiado complicadas,
Que rasgaram sua fantasia.
Rapidinhas
Algumas situações tem ritmo acelerado e curta duração. Funcionam otimamente assim.
Atendem ao fim a que se destinam.
Portanto, lá vai a primeira rapidinha do Carnaval.
Arte para divulgaçao do Spanta Neném, em 2006.
Você bem merece um bloco.
Você bem merece sambar.
Tire seu corpo do sofá,
mágoas e preguiça, você pode deixar.
Pegue uma cerveja gelada,
Ser feliz é bom,
e não custa quase nada.
Beije um, beije dois, beije três
não beije nenhum,
Ou todos de uma vez.
Cante bem alto o samba da escola,
E sambe, brinque, desfile.
Vá aos bailes do Bola,
Do Líbano, do Demo, do Pier
Caia na folia, caia noite e dia,
E na quarta feira lembre, (ou esqueça)
A vida só é possivel porque há alegria.
O mais são coisas demasiado complicadas,
Que rasgaram sua fantasia.
sábado, 26 de fevereiro de 2011
O Ziriguidum está no Ar
Rio de Janeiro e de Carnaval
Ilustre Av. Marechal Floriano
Nêga muito maluca
Corre sangue de folia em minhas veias. Mas este ano, ah este ano, tudo está especial. A bateria come solta dentro de mim.
Bola preta, bola preta, bola preta. Quero ir de Nêga Maluca. Pego o ônibus para a Casa Turuna, camarim do samba. Vou cantando em silêncio - "eu tava jogando sinuca... uma nega maluca me apareceu..."
Distraída. A felicidade distraí, peguei o ônibus errado - fui parar no Mosteiro. Rezar nem pensar, eu quero mais é deixar cair, saí apavorada. Rio Branco afora, piso o chão ilustre da Av. Marechal Floriano. Inspirei um ar diferente. Um ar forte de Carnaval, misturado a outros ares.
O Centro do Rio tem aromas simultâneos. Beco da Sardinha, água na boca. Tabacarias com cheiro de café moído na hora. Botecos cheirando carne assada, refogados ferventes. Frangos a passarinha em bandejas. Temperos livres de royalties, nenhuma franquia, nenhuma marca patenteada a limitar nosso paladar. Cadeiras na calçada, contrariando a fiscalizaçao. Mendigos dormindo, cheiro de sujeira e cachaça. Mulheres com sacolas cheias de compras do Saara e executivos. Ambulantes com isopores, desodorantes vencidos, executivas cheirando a perfume doce e caro. A mistura é forte, a desarmonia é afinada, e tenho sorte de estar por ali, fazer parte desse cenário. Minha roupa de trabalho, pasta na mão, e óculos escondem a identidade secreta do ziriguidum.
Meu coração batuca. Só de ir para comprar a fantasia já começo a folia, não é Carnaval ainda, mas sua identidade já instalou-se no coração do carioca. Não falo dos pré carnavalescos, dos blocos, dos ensaios não. Falo da Rosa do Pequeno Príncipe, que avisou: se chegas à tarde, de manhã já sou feliz.
Certíssima como só as belezas podem ser. Confira. Natal. É só dia 24? Claro que náo, começa-se muito antes, ao primeiro Papai Noel da propaganda. E reveillon? Começa dia 31? Não, nos preparativos. Páscoa? Escolher os ovos já é uma delícia. Verão. O primeiro anúncio de fitro solar espalha um cheiro de maresia pela casa.
Casamentos, nascimentos, aniversários, viagens. O encontro marcado dos amantes.
Festejamos antes, por antecipação. O prazer é certo, e se aproxima, se mostra, te chama e se esconde entre as horas. Imagens passam na sua cabeça como um óasis, como miragem, como ilusão. Somos tentados a imaginar, a pressentir, a desejar. Seguimos os prenúncios do deleite. Queremos prazer, queremos presente, queremos beijo, queremos samba.
Feche os olhos e respire. Veja. Sinta.
O Carnaval está por dentro, está por fora, está solto pelo ar.
Ilustre Av. Marechal Floriano
Nêga muito maluca
Corre sangue de folia em minhas veias. Mas este ano, ah este ano, tudo está especial. A bateria come solta dentro de mim.
Bola preta, bola preta, bola preta. Quero ir de Nêga Maluca. Pego o ônibus para a Casa Turuna, camarim do samba. Vou cantando em silêncio - "eu tava jogando sinuca... uma nega maluca me apareceu..."
Distraída. A felicidade distraí, peguei o ônibus errado - fui parar no Mosteiro. Rezar nem pensar, eu quero mais é deixar cair, saí apavorada. Rio Branco afora, piso o chão ilustre da Av. Marechal Floriano. Inspirei um ar diferente. Um ar forte de Carnaval, misturado a outros ares.
O Centro do Rio tem aromas simultâneos. Beco da Sardinha, água na boca. Tabacarias com cheiro de café moído na hora. Botecos cheirando carne assada, refogados ferventes. Frangos a passarinha em bandejas. Temperos livres de royalties, nenhuma franquia, nenhuma marca patenteada a limitar nosso paladar. Cadeiras na calçada, contrariando a fiscalizaçao. Mendigos dormindo, cheiro de sujeira e cachaça. Mulheres com sacolas cheias de compras do Saara e executivos. Ambulantes com isopores, desodorantes vencidos, executivas cheirando a perfume doce e caro. A mistura é forte, a desarmonia é afinada, e tenho sorte de estar por ali, fazer parte desse cenário. Minha roupa de trabalho, pasta na mão, e óculos escondem a identidade secreta do ziriguidum.
Meu coração batuca. Só de ir para comprar a fantasia já começo a folia, não é Carnaval ainda, mas sua identidade já instalou-se no coração do carioca. Não falo dos pré carnavalescos, dos blocos, dos ensaios não. Falo da Rosa do Pequeno Príncipe, que avisou: se chegas à tarde, de manhã já sou feliz.
Certíssima como só as belezas podem ser. Confira. Natal. É só dia 24? Claro que náo, começa-se muito antes, ao primeiro Papai Noel da propaganda. E reveillon? Começa dia 31? Não, nos preparativos. Páscoa? Escolher os ovos já é uma delícia. Verão. O primeiro anúncio de fitro solar espalha um cheiro de maresia pela casa.
Casamentos, nascimentos, aniversários, viagens. O encontro marcado dos amantes.
Festejamos antes, por antecipação. O prazer é certo, e se aproxima, se mostra, te chama e se esconde entre as horas. Imagens passam na sua cabeça como um óasis, como miragem, como ilusão. Somos tentados a imaginar, a pressentir, a desejar. Seguimos os prenúncios do deleite. Queremos prazer, queremos presente, queremos beijo, queremos samba.
Feche os olhos e respire. Veja. Sinta.
O Carnaval está por dentro, está por fora, está solto pelo ar.
terça-feira, 22 de fevereiro de 2011
Apresentação
Rio de Janeiro,
2011 e sempre, sempre, sempre
Apertemos as mãos
Tenho seguidores ali apontados à direita. São pessoas especiais, dignas de toda a minha consideração.
Chegamos portanto ao ponto em que tenho que apresentar-me formalmente. Quando dança-se com o mesmo par, em ritmos alternados, e músicas diferentes, é hora de conhecê-lo.
Mas mails e chats e cafés mostram que há outras pessoas lendo o que escrevo, portanto também, muito grata, a todos me dirijo.
Sou Brasileira,
Estatura: grande, para Grandes Sonhos,
E pequena para os medos.
Assalariada
Pacificada,
Divido-me entre ser calma e controlada
Ou doida e alterada.
O amor? Sim, só o compreendi depois dos quarenta
Antes não era amor - era aquela coisa sofrida que a gente inventa.
E sei que se não me comportar direito posso ser expulsa da ilha de alegria,
Então me comporto mal mesmo, só para testar.
Os testes mostram que o sistema falhou
Errei errei errei e continuo alegre.
(Ensinaram que haveria castigo. Erraram também)
Vivo com a certeza de que a qualquer momento mísero tudo pode mudar
Portanto é bom caprichar.
Mas o melhor e o pior, o sim e o não,
Assim como o erro e a razão,
São só uma questão de ponto de vista.
E de adaptação.
Poderão desencadear sincera comemoração
Ou inevitável lástima e solidão,
Ou ambos.
Já que nada tem face única, e tudo, o tempo todo se resume de fato
em deixar falar a voz do coração.
É preciso dizer que a vida é urgente
Já perdemos tanto tempo no cabelereiro, no trânsito, no banco, na mágoa,
em querer adivinhar e perseguir o desejado desfecho.
Não há fim para o começo.
E o começo é hoje,
o presente é o número que vê agora no seu relógio.
E pode ser que um dia te perguntem o que fez da sua existência - já sabe o que vai dizer?
Avancei, fugi?
Festejei ou sofri?
Amei, amei, ou desisti?
E para que sigamos assim parceiros,
O ponto um é sermos verdadeiros.
E eu te peço, ou te escrevo,
não me manipule, desmancho;
não me engane, eu descubro.
Não me aprisone, fujo;
Tenho claustrofobia, mas é espiritual.
- Sou, irrevogavelmente, livre e leal.
Bettina,
Muito prazer.
Agora é sua vez,
Diga em voz clara e alta,
Quem é você?
2011 e sempre, sempre, sempre
Apertemos as mãos
Tenho seguidores ali apontados à direita. São pessoas especiais, dignas de toda a minha consideração.
Chegamos portanto ao ponto em que tenho que apresentar-me formalmente. Quando dança-se com o mesmo par, em ritmos alternados, e músicas diferentes, é hora de conhecê-lo.
Mas mails e chats e cafés mostram que há outras pessoas lendo o que escrevo, portanto também, muito grata, a todos me dirijo.
Sou Brasileira,
Estatura: grande, para Grandes Sonhos,
E pequena para os medos.
Assalariada
Pacificada,
Divido-me entre ser calma e controlada
Ou doida e alterada.
O amor? Sim, só o compreendi depois dos quarenta
Antes não era amor - era aquela coisa sofrida que a gente inventa.
E sei que se não me comportar direito posso ser expulsa da ilha de alegria,
Então me comporto mal mesmo, só para testar.
Os testes mostram que o sistema falhou
Errei errei errei e continuo alegre.
(Ensinaram que haveria castigo. Erraram também)
Vivo com a certeza de que a qualquer momento mísero tudo pode mudar
Portanto é bom caprichar.
Mas o melhor e o pior, o sim e o não,
Assim como o erro e a razão,
São só uma questão de ponto de vista.
E de adaptação.
Poderão desencadear sincera comemoração
Ou inevitável lástima e solidão,
Ou ambos.
Já que nada tem face única, e tudo, o tempo todo se resume de fato
em deixar falar a voz do coração.
É preciso dizer que a vida é urgente
Já perdemos tanto tempo no cabelereiro, no trânsito, no banco, na mágoa,
em querer adivinhar e perseguir o desejado desfecho.
Não há fim para o começo.
E o começo é hoje,
o presente é o número que vê agora no seu relógio.
E pode ser que um dia te perguntem o que fez da sua existência - já sabe o que vai dizer?
Avancei, fugi?
Festejei ou sofri?
Amei, amei, ou desisti?
E para que sigamos assim parceiros,
O ponto um é sermos verdadeiros.
E eu te peço, ou te escrevo,
não me manipule, desmancho;
não me engane, eu descubro.
Não me aprisone, fujo;
Tenho claustrofobia, mas é espiritual.
- Sou, irrevogavelmente, livre e leal.
Bettina,
Muito prazer.
Agora é sua vez,
Diga em voz clara e alta,
Quem é você?
Contos Reais - Cem Amantes
Rio de Janeiro
Ou outro lugar qualquer
Ela era bela, alegre e jovem.
Chique e cheirosa.
Tinha filhos mas devem ter nascido pela boca,
porque a barriga era de adolescente.
Tinha sofrido mas não se entregava,
Porque seu coração era valente.
Tinha sonhos ululantes,
Dançantes.
E ela mesma era saltitante,
Andava e o cabelo balançava.
O marido era um homem bom
Mas chato.
Muito trabalhador, mas sem talentos visíveis
E os subterrâneos, se existissem, eram invisíveis.
Mas era honesto, e correto, e cumpridor de deveres
E pontual e organizado,
E ausente, e meio impotente, e indiferente,
E calado, e reservado.
E não sabia rir nem dançar.
Conhecê-lo era entendiar-se.
Cada vez que ela saía com as amigas
Ou sozinha
Ou com a família,
Ou com ele – ele sempre estava distante
Arrumava mais um amante.
Já contava mais de cem.
Combinava encontros com olhares
Fazia-se entender com gestos mudos
Trocava telefones e sorrisos até por telepatia.
Fartava-se de prazer,
e de melancolia.
Pobre menina,
Um marido, mil amantes,
E nenhum amor....
Ou outro lugar qualquer
Ela era bela, alegre e jovem.
Chique e cheirosa.
Tinha filhos mas devem ter nascido pela boca,
porque a barriga era de adolescente.
Tinha sofrido mas não se entregava,
Porque seu coração era valente.
Tinha sonhos ululantes,
Dançantes.
E ela mesma era saltitante,
Andava e o cabelo balançava.
O marido era um homem bom
Mas chato.
Muito trabalhador, mas sem talentos visíveis
E os subterrâneos, se existissem, eram invisíveis.
Mas era honesto, e correto, e cumpridor de deveres
E pontual e organizado,
E ausente, e meio impotente, e indiferente,
E calado, e reservado.
E não sabia rir nem dançar.
Conhecê-lo era entendiar-se.
Cada vez que ela saía com as amigas
Ou sozinha
Ou com a família,
Ou com ele – ele sempre estava distante
Arrumava mais um amante.
Já contava mais de cem.
Combinava encontros com olhares
Fazia-se entender com gestos mudos
Trocava telefones e sorrisos até por telepatia.
Fartava-se de prazer,
e de melancolia.
Pobre menina,
Um marido, mil amantes,
E nenhum amor....
domingo, 20 de fevereiro de 2011
O Cha Cha Cha de Lana Lee
Tango Bolero Cha Cha Cha
ôba!
Direção da Maravilhosa Bibi Ferreira
Marcia Cabrita, Maria Clara Gueiros, Edwin Luisi, Carlos Bonow e Miguel Rômulo.
Aline Borges substitui Maria Clara Gueiros no elenco atual.
Eu vi um Almodóvar, "Tudo sobre minha mãe", onde a história é uma que bem conhecemos.
O cara é gay, mas tem um filho. Inrustido ou não, a mulher engravida e a criança nasce.
O pai rompe com o padrão hetero. Assume, se traveste, silicone, mechas. Fica muito doida, arruma homens, briga, canta, bebe. Faz shows em boites. Apronta todas. O macho, mesmo gay, por onde for leva com ele o seu machismo, sua intrepidez. Pode tudo. Quem quiser que saia da frente.
Mas no silêncio do seu quarto pensa na cria.
E quanto mais exercita seu o lado feminino...mais pensa na cria.
A fantasia de mulher o protege e o acusa. O passado grita e presente chama.
Tudo pode ser trágico, mas é cômico.
Pode ser ridículo, mas é muito engraçado.
Nunca pensei. Edwin Luisi trabalhou na Escrava Isaura. Um galã contido e sedutor. Voz impostada. Rosto de príncipe. Apertado em roupas de época, aperta-se aqui em um bom vestido de cintura marcada com gorgurão. Saltos altos. Meias finas.
Ele entrou, dançou, requebrou. Vedete, chacrete, drag queen.
Espumante, pula, se joga nos braços do amado. Adoro sua loucura, leve, colorida e giratória. Adoro sua coragem.
Lana Lee, ex-Daniel, veio ver a cria, veio para ser visto, veio para levar a família para Paris. Muita confusão, todo mundo se aceita, e há muito tempo eu não via um final tão verdadeiro e feliz. Emociona pela quantidade de alegria. Farta, jorra do palco. Inocente num mundo tão picante.
A outra vitoriosa no palco é Marcia Cabrita. Emagrecida pela doença, de peruca, ri e faz rir. Atuar é vencer.
Tenho elogios do começo ao fim. Não tiro nem acrescento; passei ótimos momentos ali. Festa pura.
Mas não termina assim não. Há um momento, findos os textos e a música, que me tocou especialmente. O agradecimento.
Tenho visto agradecimentos. Sóbrios, solenes, simpáticos. Silenciosos ou falantes.
Mas esse me fez parar. Eu estava rindo há duas horas, e parei. Os rostos mudaram. Os personagens tinham desencarnado. As mulheres estavam pálidas e cansadas, mas sorriam serenas. Carlos Bonow e Miguel Rômulo se apertam as mãos como maratonistas, como pugilistas vencedores e empatados; olhos úmidos, tarefa cumprida com gosto. Sôfregos.
E Ele, ou Ela, a Lana Lee, ex-Daniel, Edwin, ele tira a peruca, inclina-se, e passa os dedos pelo palco, e se benze, abençoando a si com a poeira do chão sagrado do palco.
Por 10 breves segundos, eu vi os homens por trás dos atores, e eles eram lindos.
Edwin Luisi e Lucelia Santos, em Escrava Isaura
ôba!
Direção da Maravilhosa Bibi Ferreira
Marcia Cabrita, Maria Clara Gueiros, Edwin Luisi, Carlos Bonow e Miguel Rômulo.
Aline Borges substitui Maria Clara Gueiros no elenco atual.
Eu vi um Almodóvar, "Tudo sobre minha mãe", onde a história é uma que bem conhecemos.
O cara é gay, mas tem um filho. Inrustido ou não, a mulher engravida e a criança nasce.
O pai rompe com o padrão hetero. Assume, se traveste, silicone, mechas. Fica muito doida, arruma homens, briga, canta, bebe. Faz shows em boites. Apronta todas. O macho, mesmo gay, por onde for leva com ele o seu machismo, sua intrepidez. Pode tudo. Quem quiser que saia da frente.
Mas no silêncio do seu quarto pensa na cria.
E quanto mais exercita seu o lado feminino...mais pensa na cria.
A fantasia de mulher o protege e o acusa. O passado grita e presente chama.
Tudo pode ser trágico, mas é cômico.
Pode ser ridículo, mas é muito engraçado.
Nunca pensei. Edwin Luisi trabalhou na Escrava Isaura. Um galã contido e sedutor. Voz impostada. Rosto de príncipe. Apertado em roupas de época, aperta-se aqui em um bom vestido de cintura marcada com gorgurão. Saltos altos. Meias finas.
Ele entrou, dançou, requebrou. Vedete, chacrete, drag queen.
Espumante, pula, se joga nos braços do amado. Adoro sua loucura, leve, colorida e giratória. Adoro sua coragem.
Lana Lee, ex-Daniel, veio ver a cria, veio para ser visto, veio para levar a família para Paris. Muita confusão, todo mundo se aceita, e há muito tempo eu não via um final tão verdadeiro e feliz. Emociona pela quantidade de alegria. Farta, jorra do palco. Inocente num mundo tão picante.
A outra vitoriosa no palco é Marcia Cabrita. Emagrecida pela doença, de peruca, ri e faz rir. Atuar é vencer.
Tenho elogios do começo ao fim. Não tiro nem acrescento; passei ótimos momentos ali. Festa pura.
Mas não termina assim não. Há um momento, findos os textos e a música, que me tocou especialmente. O agradecimento.
Tenho visto agradecimentos. Sóbrios, solenes, simpáticos. Silenciosos ou falantes.
Mas esse me fez parar. Eu estava rindo há duas horas, e parei. Os rostos mudaram. Os personagens tinham desencarnado. As mulheres estavam pálidas e cansadas, mas sorriam serenas. Carlos Bonow e Miguel Rômulo se apertam as mãos como maratonistas, como pugilistas vencedores e empatados; olhos úmidos, tarefa cumprida com gosto. Sôfregos.
E Ele, ou Ela, a Lana Lee, ex-Daniel, Edwin, ele tira a peruca, inclina-se, e passa os dedos pelo palco, e se benze, abençoando a si com a poeira do chão sagrado do palco.
Por 10 breves segundos, eu vi os homens por trás dos atores, e eles eram lindos.
Edwin Luisi e Lucelia Santos, em Escrava Isaura
Conversando com Mamãe
Rio de Janeiro,
Leblon.
Só quero que sejam felizes
Herson Capri e Beatriz Segall
A Beatriz Segall de quem me lembro era Odete Roitmann. Fria e cruel.
Herson Capri, o vi há dez anos, quando trabalhei em eleições. Desleixado, um ator da Globo em bermudas e chinelos, em uma época que ser despojado e usar Havaianas não eram moda - ele estava de chinelo mesmo. Gostei de que fosse assim, desalinhado.
Agora estáo juntos interpretando o texto do argentino Santiago Carlos Alves, e não sabem, nem de longe, o bem que estão fazendo aos que os assistem.
Vamos por partes, como na peça, tudo se revela aos poucos.
A mãe. Sou mãe. Não tenho 82 anos como a personagem, tampouco meu filho em crise quer vender minha casa e me transferir para o quarto de empregada. Mas sou como ela. Vivo com amor. Teórico ou prático, mas amor. Amamos a vida, e ela é melhor quando amada. A senhora tem um namorado que está mudando sua vida, e que é, sem dúvida, o alter ego do autor do drama - o tempo todo mencionado e nunca visto.
Em sua generosidade o abrigou, não tinha teto nem alimento, e discretamente e maritalmente vive com ele. É argentino.
OPS. Meu amor que me desculpe, não precisa ter ciúme, mas vivi, em minha juventude, com um argentino. Sei o que é isso. São críticos, irônicos, matriarcais (olha o tema!), passionais, e exagerados, e em sua super dimensão das coisas enxergamos o que passaria desapercebido. Como uma lente de aumento.
Influenciada pelo novo companheiro,já que é impossível ignorar o rolo compressor da Cumparsita, a dama começa a rasgar algumas convicções quanto ao seu passado e quanto ao presente do filho. Sufocado pelas perguntas dificílimas, ele assusta-se.
Porque não chorei no enterro de seu pai? Porque era amante da vizinha, e eu queria que ele se danasse. E você, é feliz em seu casamento? Está desempregado porquê? Endividado porquê? Gosta da profissão,tem certeza? Seus filhos são felizes? Conversa com eles? Come com eles? Você trepa gostoso? Com sua mulher ou com outra? Com nenhuma? Essa mãe começa a apontar ao seu filho algumas coisitas.
A dama - é uma dama - entra, pequena, elegante, trocando algumas vogais, e o texto vai revelando quem é ela. Por isso amo as palavras, pegam o que está dentro e jogam para o ar.
Mais corajosa que muitos, faz-lhe ver o que era preciso. O filho não sabia de nada. Estava preso em um terno caro, na conta do cartáo, na hipoteca da casa. Estava preso a sogra, que devia ser de lascar.
Nào sabia também a mãe que tinha, há vinte e cinco anos trocavam só superficial tudo bem ao telefone. Descobre que é infeliz, mas isso não é ruim, é bom, e o primeiro e rápido passo para a liberdade. Lembranças da infância, da chuva, não gostava da chuva quando era pequenino. Causava-lhe medo e incomôdos. A mãe presenteou-lhe com um abrigo verde e botas, abriu a porta e disse vá! O menino, com seu capuz de menino, aprendeu a amar a chuva.
O homem, com a conversa com a mãe reaprenderá a amar a vida.
E quando ela se apronta para partir, linda, de azul, em um truque emocional que tira o fôlego dos presentes, todos pensamos juntos que ele conseguirá. Ela, pela última e definitiva vez, o ensinou.
Obrigada a todos. Sinto os olhos e os óculos molhados. São lágrimas.
É que lembrei-me de minha avó, que me libertou de mim mesma há anos, mas eu tinha esquecido.
******************************************************************************
Nota: Fiz e refiz esse texto umas dez vezes. As palavras, logo as palavras, que tenho por amigas, não conseguiam traduzir a emoção do espetáculo. Quis explicar, que pretensão. Quis entender as razões do autor. As minhas razões.
Quis esquecer, calar, guardar para mim o que senti. Não consigo desistir nem calar. Preciso transbordar. Incomoda-me à noite, eu acordo e tento de novo.
Serei portanto, simples e direta e confessarei: chorei muito.
Chorei porque o amor assim, de mãe, é precioso, é imenso, é salvador.
Chorei porque temo jamais ter uma conversa dessas com a minha mãe,
ou com meus filhos, porque talvez não me ouçam, ou talvez eu não fale,
ou eu fale e ouçam mas não me levem em consideração,
e eu só queria dizer que sejam felizes,
e que me dói saber que não dependerá de mim.
Chorei por temer não cumprir minha missão e falhar.
Estou sempre muito ocupada e apressada.
Chorei porque ora me identifiquei com a mãe, em sua irreverência, e ora com filho, em sua impotência.
E porque me vejo muitas vezes impotente como mãe.
E porque me vejo muitas vezes insensata, ingrata, implicante.
E chorei porque ela se vai, mas lega os conselhos,
que poderão ampará-lo por mais tempo, num gesto assim de amor e cuidado.
E de pena, muita pena do filho, outrora o menino
que temia a chuva,
hoje o homem, que é infeliz, e que teme a vida,
e que tem que prosseguir agora solitário, na sua história difícil.
Da mesma pena de que tenho de mim porque perdi minha avó, parceira, querida, e sábia,
e tal qual a dama no palco, partiu bonita e leve, até na hora da morte, porque viveu com seus generosos sentimentos entre livros, e pãezinhos quentes, e uvas, e perfumes e penteados, e carinhos, e bilhetinhos, e janelas e brisas,
e que me deixou só, cruelmente só, sem colo, sem palavras, sem amor. A quem adorarei abraçar no paraíso, para onde iremos todos - os certos, os errados, e os que são livres.
Estou chorando de novo. Melhor parar.
Leblon.
Só quero que sejam felizes
Herson Capri e Beatriz Segall
A Beatriz Segall de quem me lembro era Odete Roitmann. Fria e cruel.
Herson Capri, o vi há dez anos, quando trabalhei em eleições. Desleixado, um ator da Globo em bermudas e chinelos, em uma época que ser despojado e usar Havaianas não eram moda - ele estava de chinelo mesmo. Gostei de que fosse assim, desalinhado.
Agora estáo juntos interpretando o texto do argentino Santiago Carlos Alves, e não sabem, nem de longe, o bem que estão fazendo aos que os assistem.
Vamos por partes, como na peça, tudo se revela aos poucos.
A mãe. Sou mãe. Não tenho 82 anos como a personagem, tampouco meu filho em crise quer vender minha casa e me transferir para o quarto de empregada. Mas sou como ela. Vivo com amor. Teórico ou prático, mas amor. Amamos a vida, e ela é melhor quando amada. A senhora tem um namorado que está mudando sua vida, e que é, sem dúvida, o alter ego do autor do drama - o tempo todo mencionado e nunca visto.
Em sua generosidade o abrigou, não tinha teto nem alimento, e discretamente e maritalmente vive com ele. É argentino.
OPS. Meu amor que me desculpe, não precisa ter ciúme, mas vivi, em minha juventude, com um argentino. Sei o que é isso. São críticos, irônicos, matriarcais (olha o tema!), passionais, e exagerados, e em sua super dimensão das coisas enxergamos o que passaria desapercebido. Como uma lente de aumento.
Influenciada pelo novo companheiro,já que é impossível ignorar o rolo compressor da Cumparsita, a dama começa a rasgar algumas convicções quanto ao seu passado e quanto ao presente do filho. Sufocado pelas perguntas dificílimas, ele assusta-se.
Porque não chorei no enterro de seu pai? Porque era amante da vizinha, e eu queria que ele se danasse. E você, é feliz em seu casamento? Está desempregado porquê? Endividado porquê? Gosta da profissão,tem certeza? Seus filhos são felizes? Conversa com eles? Come com eles? Você trepa gostoso? Com sua mulher ou com outra? Com nenhuma? Essa mãe começa a apontar ao seu filho algumas coisitas.
A dama - é uma dama - entra, pequena, elegante, trocando algumas vogais, e o texto vai revelando quem é ela. Por isso amo as palavras, pegam o que está dentro e jogam para o ar.
Mais corajosa que muitos, faz-lhe ver o que era preciso. O filho não sabia de nada. Estava preso em um terno caro, na conta do cartáo, na hipoteca da casa. Estava preso a sogra, que devia ser de lascar.
Nào sabia também a mãe que tinha, há vinte e cinco anos trocavam só superficial tudo bem ao telefone. Descobre que é infeliz, mas isso não é ruim, é bom, e o primeiro e rápido passo para a liberdade. Lembranças da infância, da chuva, não gostava da chuva quando era pequenino. Causava-lhe medo e incomôdos. A mãe presenteou-lhe com um abrigo verde e botas, abriu a porta e disse vá! O menino, com seu capuz de menino, aprendeu a amar a chuva.
O homem, com a conversa com a mãe reaprenderá a amar a vida.
E quando ela se apronta para partir, linda, de azul, em um truque emocional que tira o fôlego dos presentes, todos pensamos juntos que ele conseguirá. Ela, pela última e definitiva vez, o ensinou.
Obrigada a todos. Sinto os olhos e os óculos molhados. São lágrimas.
É que lembrei-me de minha avó, que me libertou de mim mesma há anos, mas eu tinha esquecido.
******************************************************************************
Nota: Fiz e refiz esse texto umas dez vezes. As palavras, logo as palavras, que tenho por amigas, não conseguiam traduzir a emoção do espetáculo. Quis explicar, que pretensão. Quis entender as razões do autor. As minhas razões.
Quis esquecer, calar, guardar para mim o que senti. Não consigo desistir nem calar. Preciso transbordar. Incomoda-me à noite, eu acordo e tento de novo.
Serei portanto, simples e direta e confessarei: chorei muito.
Chorei porque o amor assim, de mãe, é precioso, é imenso, é salvador.
Chorei porque temo jamais ter uma conversa dessas com a minha mãe,
ou com meus filhos, porque talvez não me ouçam, ou talvez eu não fale,
ou eu fale e ouçam mas não me levem em consideração,
e eu só queria dizer que sejam felizes,
e que me dói saber que não dependerá de mim.
Chorei por temer não cumprir minha missão e falhar.
Estou sempre muito ocupada e apressada.
Chorei porque ora me identifiquei com a mãe, em sua irreverência, e ora com filho, em sua impotência.
E porque me vejo muitas vezes impotente como mãe.
E porque me vejo muitas vezes insensata, ingrata, implicante.
E chorei porque ela se vai, mas lega os conselhos,
que poderão ampará-lo por mais tempo, num gesto assim de amor e cuidado.
E de pena, muita pena do filho, outrora o menino
que temia a chuva,
hoje o homem, que é infeliz, e que teme a vida,
e que tem que prosseguir agora solitário, na sua história difícil.
Da mesma pena de que tenho de mim porque perdi minha avó, parceira, querida, e sábia,
e tal qual a dama no palco, partiu bonita e leve, até na hora da morte, porque viveu com seus generosos sentimentos entre livros, e pãezinhos quentes, e uvas, e perfumes e penteados, e carinhos, e bilhetinhos, e janelas e brisas,
e que me deixou só, cruelmente só, sem colo, sem palavras, sem amor. A quem adorarei abraçar no paraíso, para onde iremos todos - os certos, os errados, e os que são livres.
Estou chorando de novo. Melhor parar.
quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011
Desfilar no Santa Marta
Rio de Janeiro,
Botafogo,
Comunidade do Santa Marta.
O CONVITE DA PRIMA.
Vista do Mirante do Pedrão, por Ana Lucia Schneider, gentilmente
O cartão postal acima só poderá ser admirado do alto do Santa Marta. Local de acesso público, mas nem por isso conhecido pela maioria dos cariocas.
Mas eu faço questáo de ir onde poucos vão. Gosto de seguir por onde quase ninguém quer ir. Nada me impede de avançar quando desejo, ainda que sob críticas ou vaias. Teimosia? Que seja.
Recebo, honrada, o convite para colaborar com o Costurando Ideais, exemplo de economia solidária do Santa Marta - comunidade onde a violência era a lei. Recém pacificada. São costureiras e artesãs que trabalham com material doado e recolhido no lixo de confecções caras.
Meu papel seria escolher e ensaiar moças bonitas da comunidade para o desfile da coleção, que marcaria uma nova fase das costurandas. A pedido de minha prima subi, literalmente, no salto e no morro.
Vamos subindo
A estátua de Michael Jackson nos abençoa,
Clicks de Ana Lucia Schneider, fraternalmente
Aqui vale uma pausa. Já fui, há décadas, aspirante a modelo. Modelo de passarela, o ballet esticou minhas costas de forma que nem um raio as enverga. Não lembrava mais dessa fase adolescente, mas prima é prima, sangue não vira água, e ela lembrou da menina que fui, desinibida e espevitada. Curioso - fui lembrada por algo de que tinha me esquecido.
Sob protesto dos filhos, da família, das amigas, aceitei feliz o convite. Contrariar os outros é melhor com um sorrisinho. Vai passar as férias trabalhando de graça no morro? Ensinando quem a desfilar? Vai alimentar esperanças falsas. Que pacificado que nada, vai se arriscar a uma bala perdida. Isso é maluquice. Sair da sua casa para isso?
A única voz de estímulo que recebi, foi a de meu amor, que apóia a ação positiva: vá. Faça a sua parte. Comece logo. Meu amor é meu amor e sempre tem razão.
Há o resultado fotografado, que mostra o possível de ser visto.
Elas arrasaram
Foto por BB
No entanto o resultado maior, e que poucos enxergaráo, deu-se em meu interior. A vida é muito, muito diferente do que nós, privilegiados pela sorte, imaginamos. Temos tudo neste mundo e mais um pouco. Temos água, luz, estamos a 5 minutos do solo, onde podemos entrar em ônibus e táxis facilmente. Onde podemos caminhar em linha reta.
Tenho mais livros e sapatos que uma dúzia de famílias da comunidade, juntas. Não sei porque isso. Nào sou melhor que eles, e tenho mais.
Mais conforto, mais saúde, mais possibilidades.
Sou mais respeitada, abrem portas e me perguntam se está tudo bem para mim.
Além disso, tenho mau humor, mesquinharia, e preguiça. Há dias em o melhor não está bom e tenho ataques e medos, e sou claustrofóbica. Tenho preconceitos. Tenho pesadelos e alergias.
Estou no topo da montanha reclamando do Sol e dos mosquitos.
Multiplicou-se o afeto em mim. Afeiçoei-me às meninas que ensaiei. Lindas e magras, tem a pele mais bonita que muitas socialites que conheço. E tem mais educação que muitos alunos de caros colégios com quem convivo. Mais elegância. Mais modos. Sonhos menos egoístas. Deslizaram como profissionais, no imenso tapete cor de cereja, cedido gentil e encorajadoramente para o evento.
Ao fim do desfile, uma repórter da rádio local perguntou-me qual a expectativa que tive com o voluntariado. Apenas ensaiar as meninas. Ensiná-las a não ter medo do público; a se imporem, a serem altivas e leves. Não sei se foi isso. Acho que comecei só para colaborar com uma prima querida e desobedecer ao padráo. Terminei ganhando muito muito mais - ganhei vontades maiores. Tenho vontade de que o governo seja outro, que o Brasil seja outro, que as ONGS sejam outras.
Que os nossos impostos, bem cobrados e bem pagos, cheguem ao seu legítimo destino.
Que a pobreza seja apenas pobreza e não tristeza,
Que a sociologia e os sociológos sejam mais eficazes.
Que sejamos todos, mais livres em nossos destinos e futuros.
E que essas meninas se imponham, vida afora, e guardem para mim, o imenso carinho que terei, sempre, para elas.
Pedra grafitada, ao lado da quadra, no Santa Marta
Foto por BB
Botafogo,
Comunidade do Santa Marta.
O CONVITE DA PRIMA.
Vista do Mirante do Pedrão, por Ana Lucia Schneider, gentilmente
O cartão postal acima só poderá ser admirado do alto do Santa Marta. Local de acesso público, mas nem por isso conhecido pela maioria dos cariocas.
Mas eu faço questáo de ir onde poucos vão. Gosto de seguir por onde quase ninguém quer ir. Nada me impede de avançar quando desejo, ainda que sob críticas ou vaias. Teimosia? Que seja.
Recebo, honrada, o convite para colaborar com o Costurando Ideais, exemplo de economia solidária do Santa Marta - comunidade onde a violência era a lei. Recém pacificada. São costureiras e artesãs que trabalham com material doado e recolhido no lixo de confecções caras.
Meu papel seria escolher e ensaiar moças bonitas da comunidade para o desfile da coleção, que marcaria uma nova fase das costurandas. A pedido de minha prima subi, literalmente, no salto e no morro.
Vamos subindo
A estátua de Michael Jackson nos abençoa,
Clicks de Ana Lucia Schneider, fraternalmente
Aqui vale uma pausa. Já fui, há décadas, aspirante a modelo. Modelo de passarela, o ballet esticou minhas costas de forma que nem um raio as enverga. Não lembrava mais dessa fase adolescente, mas prima é prima, sangue não vira água, e ela lembrou da menina que fui, desinibida e espevitada. Curioso - fui lembrada por algo de que tinha me esquecido.
Sob protesto dos filhos, da família, das amigas, aceitei feliz o convite. Contrariar os outros é melhor com um sorrisinho. Vai passar as férias trabalhando de graça no morro? Ensinando quem a desfilar? Vai alimentar esperanças falsas. Que pacificado que nada, vai se arriscar a uma bala perdida. Isso é maluquice. Sair da sua casa para isso?
A única voz de estímulo que recebi, foi a de meu amor, que apóia a ação positiva: vá. Faça a sua parte. Comece logo. Meu amor é meu amor e sempre tem razão.
Há o resultado fotografado, que mostra o possível de ser visto.
Elas arrasaram
Foto por BB
No entanto o resultado maior, e que poucos enxergaráo, deu-se em meu interior. A vida é muito, muito diferente do que nós, privilegiados pela sorte, imaginamos. Temos tudo neste mundo e mais um pouco. Temos água, luz, estamos a 5 minutos do solo, onde podemos entrar em ônibus e táxis facilmente. Onde podemos caminhar em linha reta.
Tenho mais livros e sapatos que uma dúzia de famílias da comunidade, juntas. Não sei porque isso. Nào sou melhor que eles, e tenho mais.
Mais conforto, mais saúde, mais possibilidades.
Sou mais respeitada, abrem portas e me perguntam se está tudo bem para mim.
Além disso, tenho mau humor, mesquinharia, e preguiça. Há dias em o melhor não está bom e tenho ataques e medos, e sou claustrofóbica. Tenho preconceitos. Tenho pesadelos e alergias.
Estou no topo da montanha reclamando do Sol e dos mosquitos.
Multiplicou-se o afeto em mim. Afeiçoei-me às meninas que ensaiei. Lindas e magras, tem a pele mais bonita que muitas socialites que conheço. E tem mais educação que muitos alunos de caros colégios com quem convivo. Mais elegância. Mais modos. Sonhos menos egoístas. Deslizaram como profissionais, no imenso tapete cor de cereja, cedido gentil e encorajadoramente para o evento.
Ao fim do desfile, uma repórter da rádio local perguntou-me qual a expectativa que tive com o voluntariado. Apenas ensaiar as meninas. Ensiná-las a não ter medo do público; a se imporem, a serem altivas e leves. Não sei se foi isso. Acho que comecei só para colaborar com uma prima querida e desobedecer ao padráo. Terminei ganhando muito muito mais - ganhei vontades maiores. Tenho vontade de que o governo seja outro, que o Brasil seja outro, que as ONGS sejam outras.
Que os nossos impostos, bem cobrados e bem pagos, cheguem ao seu legítimo destino.
Que a pobreza seja apenas pobreza e não tristeza,
Que a sociologia e os sociológos sejam mais eficazes.
Que sejamos todos, mais livres em nossos destinos e futuros.
E que essas meninas se imponham, vida afora, e guardem para mim, o imenso carinho que terei, sempre, para elas.
Pedra grafitada, ao lado da quadra, no Santa Marta
Foto por BB
SHAKESPARQUE - Ser , e ser mesmo, eis a questão.
PARQUE LAGE - DESLUMBRANTE
Rio de Janeiro
SHAKESPEARE NO PARQUE
O Rio que amo náo é só de Praia e Sol Maracanã Futebol. É de Parque Lage.
Já foi, Nêga? Então vá. Mas vá logo, porque tem Shakespeare também, e já está na reta final, ou melhor, já está saindo da piscina da Escola de Artes Visuais.
A idéia é fantástica - você chega duas horas antes do espetáculo e pega totalmente de graça sua entrada. Ganha um sorriso das recepcionistas e dos seguranças. Todos estáo influenciados pela imponência charmosa do local - é um palácio de pedra,cimento, natureza e cultura. Emana bom comportamento, outra postura não combina.
Passeie um pouco mas não muito - os lugares não são marcados. Entre. Olhe. Admire, e admire-se por estar ali, ao redor da piscina, a noite caindo. Gostaria que todas as pessoas pudessem desfrutar deste momento - paz e amor para admirar a beleza que cerca.
O que segue é uma aula - teremos seis atores cercando a piscina com tambores, pandeiros, cordas. Jovens e vigorosos, explicarão cada uma das cenas que seguirá: sáo seis fragmentos das melhores peças. Ricardo III, Megera Domada, Romeu e Julieta, Sonho de uma noite de Veráo, Hamlet e A tempestade desfilaráo sob os olhos atentos e encantaráo. Parece um quadro medieval, que vai sendo trocado com um page down na sua tela, mas a tela é gigante e o quadro é em terceira dimensão.
A sucessão das cenas, dos figurinos e dos atores é um festival para os sentidos. Anseia-se pela palavra seguinte, pelo gesto seguinte. Cada cena melhor e mais compreendida, reconhecemos os talentos ali presentes. Intrigamo-nos com outros, de quem não esperaríamos tal atuação. Alexandre Balillari, Jandir Ferrari e Samara Filippo surpreenderam. Merecemos que prossigam no melhor do nosso teatro. Nada a dever à estrelas de maior grandeza.
A banda, Banda do Bardo, é assim que se chama, é excelente. Diluiu sonetos de William Shakespeare em ritmo pop, também adequados ao capítulo assistido. Lembra Legiáo Urbana, Ira!, Lobão em sua melhor forma. A obra vai se descortinando, se fazendo ver e ouvir e entender. O público vai gostando, gostando... Fluiu. A comunicação é perfeita.
Confesso meu parco conhecimento de Shakespeare e minha hesitação em comparecer. Eu não conhecia sua faceta irônica. Imaginava tudo muito rebuscado, muito métrico, muito sofrido e exageradamente apaixonado. Que exigiria concentração extrema. Qual o quê. Entende-se. Ri-se. Assusta-se. Revolta-se. Suspira-se. Diverte-se.
Eu, que sempre preferi os autores nacionais, e os latinos - registro o desejo de ver essa realização para Machado de Assis, seria estupendo!- sucumbi e experimentei. É preciso experimentar.
Facilitaram o meu sentir, que bom, hoje em dia parece que há uma certa graça em dificultar as coisas. Saboreei de bom grado uma bela fatia da grande obra da literatura inglesa, e garanto, Shake, já temos intimidade para isso, Shake é uma delícia.
Rio de Janeiro
SHAKESPEARE NO PARQUE
O Rio que amo náo é só de Praia e Sol Maracanã Futebol. É de Parque Lage.
Já foi, Nêga? Então vá. Mas vá logo, porque tem Shakespeare também, e já está na reta final, ou melhor, já está saindo da piscina da Escola de Artes Visuais.
A idéia é fantástica - você chega duas horas antes do espetáculo e pega totalmente de graça sua entrada. Ganha um sorriso das recepcionistas e dos seguranças. Todos estáo influenciados pela imponência charmosa do local - é um palácio de pedra,cimento, natureza e cultura. Emana bom comportamento, outra postura não combina.
Passeie um pouco mas não muito - os lugares não são marcados. Entre. Olhe. Admire, e admire-se por estar ali, ao redor da piscina, a noite caindo. Gostaria que todas as pessoas pudessem desfrutar deste momento - paz e amor para admirar a beleza que cerca.
O que segue é uma aula - teremos seis atores cercando a piscina com tambores, pandeiros, cordas. Jovens e vigorosos, explicarão cada uma das cenas que seguirá: sáo seis fragmentos das melhores peças. Ricardo III, Megera Domada, Romeu e Julieta, Sonho de uma noite de Veráo, Hamlet e A tempestade desfilaráo sob os olhos atentos e encantaráo. Parece um quadro medieval, que vai sendo trocado com um page down na sua tela, mas a tela é gigante e o quadro é em terceira dimensão.
A sucessão das cenas, dos figurinos e dos atores é um festival para os sentidos. Anseia-se pela palavra seguinte, pelo gesto seguinte. Cada cena melhor e mais compreendida, reconhecemos os talentos ali presentes. Intrigamo-nos com outros, de quem não esperaríamos tal atuação. Alexandre Balillari, Jandir Ferrari e Samara Filippo surpreenderam. Merecemos que prossigam no melhor do nosso teatro. Nada a dever à estrelas de maior grandeza.
A banda, Banda do Bardo, é assim que se chama, é excelente. Diluiu sonetos de William Shakespeare em ritmo pop, também adequados ao capítulo assistido. Lembra Legiáo Urbana, Ira!, Lobão em sua melhor forma. A obra vai se descortinando, se fazendo ver e ouvir e entender. O público vai gostando, gostando... Fluiu. A comunicação é perfeita.
Confesso meu parco conhecimento de Shakespeare e minha hesitação em comparecer. Eu não conhecia sua faceta irônica. Imaginava tudo muito rebuscado, muito métrico, muito sofrido e exageradamente apaixonado. Que exigiria concentração extrema. Qual o quê. Entende-se. Ri-se. Assusta-se. Revolta-se. Suspira-se. Diverte-se.
Eu, que sempre preferi os autores nacionais, e os latinos - registro o desejo de ver essa realização para Machado de Assis, seria estupendo!- sucumbi e experimentei. É preciso experimentar.
Facilitaram o meu sentir, que bom, hoje em dia parece que há uma certa graça em dificultar as coisas. Saboreei de bom grado uma bela fatia da grande obra da literatura inglesa, e garanto, Shake, já temos intimidade para isso, Shake é uma delícia.
domingo, 13 de fevereiro de 2011
God Save the King - salve o Rei e seu discurso
Botafogo
Rio de Janeiro
O Discurso do Rei
"A gagueira tem origem física - seu problema central consiste em uma dificuldade do cérebro para sinalizar o término de um som ou uma sílaba e passar automaticamente para o próximo"
Um bom discurso vale ouro, ou melhor, vale um reino. A palavra certa na hora certa e tudo se transforma - uma história qualquer transforma-se em uma grande verdade. Afinal, a verdade é só uma história bem contada.
A humanidade precisa ser convencida. Não bastam atos para nosso entendimento; estamos sempre buscando explicações. Como explicar uma guerra? Como conduzir uma nação à guerra? A Inglaterra marchava para o confronto. O Rei George V às vésperas da morte: quem governaria o reino? Nenhum dos príncipes estava habilitado para tanto - o mais velho, herdeiro legítimo do trono era um doidivanas; o mais jovem, era gago. Não tinha, ao pé da letra, voz de comando.
"O Discurso do Rei", com dez indicações ao Oscar, nos apresenta esta situação. O príncipe mais jovem, Albert, terá que assumir o trono e evitar que seu irmão mais velho arrase com a monarquia inglesa em dois tempos. Eu preferiria o excêntrico. Muito mais interessante. Extravagante, livre. Desobediente. Meu voto não conta, e convenhamos, o príncipe gago, ainda que gago, era mais sensato. Este sim, era um cumpridor de deveres, mesmo roído pela insegurança. Só que as palavras de ordem não saem. As palavras de amor se calam. Os lábios finos, a fronte molhada. Uma luta de foice para duas frases seguidas. A atuação de Colin Firth é perfeita em sua contrariedade, em sua ansiedade, na contradição da sua nobre arrogância face a inconclusão da gagueira. Merece a estatueta. Não vejo outro ator nesse Rei.
O candidato ao trono é salvo pela esposa, Elizabeth (Helena Bonham Carter), discreta e eficaz como devem ser as esposas e como eu, e outras brasileiras que conheço, jamais seriam. Estamos longe de ser discretas e resolvemos mais no ímpeto que na eficácia. Para sorte de Bertie, a futura rainha encontra um especialista (Geoffrey Rush) credenciado pela sua experiência como ator, e náo como fonoaudiólogo. Dotado de sensibilidade e persistência, adentra o emocional de Bertie, assim ironicamente apelidado. Eis que descobrimos que as criancinhas reais também sofrem. Entre um trago e outro, conta que foi alvo de humilhações e deboches. Sofreu crueldades das babás e o desprezo dos pais; suas majestades estavam ocupadíssimas reinando. O professor tem sucesso na sua estratégia, e acompanhamos a leitura sem interrupções do discurso que conclama o país à guerra contra a Alemanha.
O filme é uma catarse do dramaturgo David Saindler, autor do texto, que foi gago e decidiu escrever após curar-se de câncer na garganta. O filme é impecável. Cenários, externas, figurinos. Informações históricas. Merece as dez indicações. Tudo está, para usar o inglês, no seu utmost.
Mas não sou gaga e posso falar muito bem. Falta um saculejo. Falta emoção. Nenhuma baixaria monárquica revelada. Dores perfeitamente anestesiadas. Muito verde, muito chá, muitas luvas, muito protocolo. Sem porres homéricos e stripteases em bares vagabundos. Sem paixões ou ódios, sem consolos ou compulsões.
Você não vai chorar, não vai rir, não vai se intrigar. Não sairá cantando.
Poderá achar bonito, gostar, que bom que Bertie aprendeu a falar e passa-se para outro assunto em pauta.
Nós humanos não nos contentamos com esse mero gostar, queremos mais, e urgentemente.
Rio de Janeiro
O Discurso do Rei
"A gagueira tem origem física - seu problema central consiste em uma dificuldade do cérebro para sinalizar o término de um som ou uma sílaba e passar automaticamente para o próximo"
Um bom discurso vale ouro, ou melhor, vale um reino. A palavra certa na hora certa e tudo se transforma - uma história qualquer transforma-se em uma grande verdade. Afinal, a verdade é só uma história bem contada.
A humanidade precisa ser convencida. Não bastam atos para nosso entendimento; estamos sempre buscando explicações. Como explicar uma guerra? Como conduzir uma nação à guerra? A Inglaterra marchava para o confronto. O Rei George V às vésperas da morte: quem governaria o reino? Nenhum dos príncipes estava habilitado para tanto - o mais velho, herdeiro legítimo do trono era um doidivanas; o mais jovem, era gago. Não tinha, ao pé da letra, voz de comando.
"O Discurso do Rei", com dez indicações ao Oscar, nos apresenta esta situação. O príncipe mais jovem, Albert, terá que assumir o trono e evitar que seu irmão mais velho arrase com a monarquia inglesa em dois tempos. Eu preferiria o excêntrico. Muito mais interessante. Extravagante, livre. Desobediente. Meu voto não conta, e convenhamos, o príncipe gago, ainda que gago, era mais sensato. Este sim, era um cumpridor de deveres, mesmo roído pela insegurança. Só que as palavras de ordem não saem. As palavras de amor se calam. Os lábios finos, a fronte molhada. Uma luta de foice para duas frases seguidas. A atuação de Colin Firth é perfeita em sua contrariedade, em sua ansiedade, na contradição da sua nobre arrogância face a inconclusão da gagueira. Merece a estatueta. Não vejo outro ator nesse Rei.
O candidato ao trono é salvo pela esposa, Elizabeth (Helena Bonham Carter), discreta e eficaz como devem ser as esposas e como eu, e outras brasileiras que conheço, jamais seriam. Estamos longe de ser discretas e resolvemos mais no ímpeto que na eficácia. Para sorte de Bertie, a futura rainha encontra um especialista (Geoffrey Rush) credenciado pela sua experiência como ator, e náo como fonoaudiólogo. Dotado de sensibilidade e persistência, adentra o emocional de Bertie, assim ironicamente apelidado. Eis que descobrimos que as criancinhas reais também sofrem. Entre um trago e outro, conta que foi alvo de humilhações e deboches. Sofreu crueldades das babás e o desprezo dos pais; suas majestades estavam ocupadíssimas reinando. O professor tem sucesso na sua estratégia, e acompanhamos a leitura sem interrupções do discurso que conclama o país à guerra contra a Alemanha.
O filme é uma catarse do dramaturgo David Saindler, autor do texto, que foi gago e decidiu escrever após curar-se de câncer na garganta. O filme é impecável. Cenários, externas, figurinos. Informações históricas. Merece as dez indicações. Tudo está, para usar o inglês, no seu utmost.
Mas não sou gaga e posso falar muito bem. Falta um saculejo. Falta emoção. Nenhuma baixaria monárquica revelada. Dores perfeitamente anestesiadas. Muito verde, muito chá, muitas luvas, muito protocolo. Sem porres homéricos e stripteases em bares vagabundos. Sem paixões ou ódios, sem consolos ou compulsões.
Você não vai chorar, não vai rir, não vai se intrigar. Não sairá cantando.
Poderá achar bonito, gostar, que bom que Bertie aprendeu a falar e passa-se para outro assunto em pauta.
Nós humanos não nos contentamos com esse mero gostar, queremos mais, e urgentemente.
sábado, 12 de fevereiro de 2011
Contos de Casais - o conto indiscreto
Arpoador
Sinto-me uma espiã
Eu tinha escrito palavras perigosas.
Revelava um segredo terrível. De amplas e dolorosas consequências,em todas as direções. Sem imunidades, causaria solidões irreconciliáveis. Era descritivo demais, bastava juntar duas palavras e encontraríamos os criminosos.
Estranhei a sensação. Desconforto. Preocupação. Como disse Marx, a filosofia tem que servir para revolucionar. Assim desejo minhas falas: mudanças para o bem, outras não me interessam.
Fui orientada pelo meu mentor a ocultá-lo. Sensata que sou, ocultei. Descartei-o, porque a mente saudável descarta o que faz mal. As pessoas saudáveis descartam o que não deve ser mantido. Chegou a minha vez. Deletei o texto.
Porém, preciso substituí-lo. Não posso deixar um vazio na prateleira. Um textinho é um pedaço de vida, e não dá para abrir mão de vida. É preciso escrever outro, é preciso preencher vida com vida, amor com amor. Sem vazios. Trazer outras palavras para a prateleira.
Tentei escrever sobre o amor que sinto; talvez não interesse a ninguém.
Pensei nos amores que já vivi, mas temo complicar os ex-companheiros. Suponho que as versões por eles apresentadas seriam conflitantes com as minhas. Provavelmente. Não quero isso, prezo nossa convivência cordial.
Pensei nos amores das minhas amigas; tenho medo de cometer repetições, somos todas muito exageradas e verborrágicas. Nossas histórias são quase que de domínio público, portanto, histórias já conhecidas. Gostaria do desconhecido e não do previsível.
Pensei nos amores da família, dos primos e irmãos. Nào quero nenhum. E só de primos são quinze, veja bem quantos amores a contar. Pensei nos amores dos filmes, bem ou mal sucedidos. Não. Nos amores dos livros, em Capitu, a quem idolatro. Nada. Tudo me parece sem graça.
A única inspiração que me vem é a do conto proibido.
Há momentos em que nada satisfaz. Só uma situação, só uma pessoa, só um beijo, e parece que quanto mais proibido, mais desejado é.
Compreendo portanto, os amantes. Compreendo os compulsivos. Compreendo os vencedores, que dormem e acordam pensando na vitória, até que a alcançam. Compreendo os que tramam, os que amam em silêncio, e que acalentam uma idéia no escuro do seu quarto. A luz do dia exige esconderijo.
Compreendo os espiões, que optam pelo anonimato. As realidades ocultas são altamente sedutoras.
Não há como substituir o conto indiscreto. É único. Como único também, é o amor que o assopra em meu ouvido.
Sinto-me uma espiã
Eu tinha escrito palavras perigosas.
Revelava um segredo terrível. De amplas e dolorosas consequências,em todas as direções. Sem imunidades, causaria solidões irreconciliáveis. Era descritivo demais, bastava juntar duas palavras e encontraríamos os criminosos.
Estranhei a sensação. Desconforto. Preocupação. Como disse Marx, a filosofia tem que servir para revolucionar. Assim desejo minhas falas: mudanças para o bem, outras não me interessam.
Fui orientada pelo meu mentor a ocultá-lo. Sensata que sou, ocultei. Descartei-o, porque a mente saudável descarta o que faz mal. As pessoas saudáveis descartam o que não deve ser mantido. Chegou a minha vez. Deletei o texto.
Porém, preciso substituí-lo. Não posso deixar um vazio na prateleira. Um textinho é um pedaço de vida, e não dá para abrir mão de vida. É preciso escrever outro, é preciso preencher vida com vida, amor com amor. Sem vazios. Trazer outras palavras para a prateleira.
Tentei escrever sobre o amor que sinto; talvez não interesse a ninguém.
Pensei nos amores que já vivi, mas temo complicar os ex-companheiros. Suponho que as versões por eles apresentadas seriam conflitantes com as minhas. Provavelmente. Não quero isso, prezo nossa convivência cordial.
Pensei nos amores das minhas amigas; tenho medo de cometer repetições, somos todas muito exageradas e verborrágicas. Nossas histórias são quase que de domínio público, portanto, histórias já conhecidas. Gostaria do desconhecido e não do previsível.
Pensei nos amores da família, dos primos e irmãos. Nào quero nenhum. E só de primos são quinze, veja bem quantos amores a contar. Pensei nos amores dos filmes, bem ou mal sucedidos. Não. Nos amores dos livros, em Capitu, a quem idolatro. Nada. Tudo me parece sem graça.
A única inspiração que me vem é a do conto proibido.
Há momentos em que nada satisfaz. Só uma situação, só uma pessoa, só um beijo, e parece que quanto mais proibido, mais desejado é.
Compreendo portanto, os amantes. Compreendo os compulsivos. Compreendo os vencedores, que dormem e acordam pensando na vitória, até que a alcançam. Compreendo os que tramam, os que amam em silêncio, e que acalentam uma idéia no escuro do seu quarto. A luz do dia exige esconderijo.
Compreendo os espiões, que optam pelo anonimato. As realidades ocultas são altamente sedutoras.
Não há como substituir o conto indiscreto. É único. Como único também, é o amor que o assopra em meu ouvido.
sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011
Contos de Casais - a Pimenta
Contos de Casais
O terceiro, com pimenta
Pimenta malagueta
Eram um casal muito quente, como só são os que não podem ser.
Porque a liberdade e a intimidade acabam por tirar o prazer do proibido?
Deviam aumentar as possibilidades, mas as diminuem.
O ser humano gosta do perigo, e o perigo escolhe alguns humanos.
Estavam casados, separadamente. Cada um com seu cônjuge. Eram felizes, não tinham nada sério de que se queixar... A não ser... não se queixar. Faltava uma boa briga de vez em quando, uma voz alta, um empurrão. Uma suspeita. Só para o sangue correr e provocar reação.
Civilizados, nada de voz alta ou empurrão. Porque não a suspeita?
Bem, a suspeita pode ser divertida. Deus faz e o Diabo junta. Juntou os dois. Bastava um roçar leve de mão no joelho, e ela enlouquecia. Um cheiro nos cabelos, era uma loucura.
Não era mais suspeita, era certeza.
Bastava um não do marido, e ela queria se vingar. Todos os motivos ou nenhum motivo para querer aquele homem. Inventavam daqui, dali, se encontravam. Pronto. Mais uma semana de sossego.
Até que um dia, um belo dia, a versão da invenção ficou esquisita. Perdidos na realização carnal, perderam a hora.
A chave rodou na porta. Foi-se.
O quadro nu. O flagra.
O flagra, momento definido no espaço físico. Congelado no ar. Quando retoma-se o movimento, estrondo. Revoluçáo. Antes do flagra, depois do flagra.
O depois nunca mais foi como o antes.
O antes acabou-se aos olhos das testemunhas, o antes foi-se, não se recupera mais.
É o piscar de olhos dos anjos; a gota d'água que transborda, o vinho que mancha para nunca mais sair...
Libertação. Os libertários estão livres.
O flagra foi um parto, com dor e sangue, da onde surge o grito, o choro, e a nova vida.
A vida seguiu, e os cônjuges cada um seu rumo, cada um sua história mais morna, em ritmo mais lento. Seguiram em segurança.
Entre o casal sobrevivente há brigas. Há voz alta, há empurrões. Reações. Só não há suspeitas.
Seguem quentes,e com pimenta.
Pode ser que arda nos olhos, mas para eles, é refresco.
O terceiro, com pimenta
Pimenta malagueta
Eram um casal muito quente, como só são os que não podem ser.
Porque a liberdade e a intimidade acabam por tirar o prazer do proibido?
Deviam aumentar as possibilidades, mas as diminuem.
O ser humano gosta do perigo, e o perigo escolhe alguns humanos.
Estavam casados, separadamente. Cada um com seu cônjuge. Eram felizes, não tinham nada sério de que se queixar... A não ser... não se queixar. Faltava uma boa briga de vez em quando, uma voz alta, um empurrão. Uma suspeita. Só para o sangue correr e provocar reação.
Civilizados, nada de voz alta ou empurrão. Porque não a suspeita?
Bem, a suspeita pode ser divertida. Deus faz e o Diabo junta. Juntou os dois. Bastava um roçar leve de mão no joelho, e ela enlouquecia. Um cheiro nos cabelos, era uma loucura.
Não era mais suspeita, era certeza.
Bastava um não do marido, e ela queria se vingar. Todos os motivos ou nenhum motivo para querer aquele homem. Inventavam daqui, dali, se encontravam. Pronto. Mais uma semana de sossego.
Até que um dia, um belo dia, a versão da invenção ficou esquisita. Perdidos na realização carnal, perderam a hora.
A chave rodou na porta. Foi-se.
O quadro nu. O flagra.
O flagra, momento definido no espaço físico. Congelado no ar. Quando retoma-se o movimento, estrondo. Revoluçáo. Antes do flagra, depois do flagra.
O depois nunca mais foi como o antes.
O antes acabou-se aos olhos das testemunhas, o antes foi-se, não se recupera mais.
É o piscar de olhos dos anjos; a gota d'água que transborda, o vinho que mancha para nunca mais sair...
Libertação. Os libertários estão livres.
O flagra foi um parto, com dor e sangue, da onde surge o grito, o choro, e a nova vida.
A vida seguiu, e os cônjuges cada um seu rumo, cada um sua história mais morna, em ritmo mais lento. Seguiram em segurança.
Entre o casal sobrevivente há brigas. Há voz alta, há empurrões. Reações. Só não há suspeitas.
Seguem quentes,e com pimenta.
Pode ser que arda nos olhos, mas para eles, é refresco.
quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011
Contos de Casais - a Dúvida
Contos de Casais
O segundo da série
A dúvida
Ela era tão bonita, tão alegre e independente.
Ele menos. Nem sempre alegre, e quase que um filho de tão dependente.
Mas o casal era bem vindo. Era um casal bacana. As pessoas gostavam deles. Eram diferentes entre si, mas iguais na simpatia.
Ela começa a trabalhar demais, ele de menos.
Ela começa a ficar bonita demais, ele de menos.
Todos gostam dela demais. Dele, de menos. Ele vem com ela, acompanhando.
O convívio social é bom. Mas na intimidade havia silêncios entre eles. Tardes meio entediantes. Preguiças fora de hora.
Um certo deslocar solitário de pensamentos.
Uma certa falta do que dizer a sós.
Não havia nada a fazer naquela tarde de domingo. Fizeram amor, e ele foi para o chuveiro.
O telefone dele toca, é uma mensagem.
Ela não é disso. A água corre no chuveiro, ele não ouviu. Ela chama, ele não ouve.
Está meio acostumado a não ouvi-la.
Ela pega o telefone, no mínimo visor aperta os olhos – CLÁUDIO.
Bem, pode ser coisa do trabalho.
Ou não.
Ou sim.
Ou não.
Abriu a mensagem: TE AMO TE AMO TE AMO
Palavras que dançam aos olhos de quem lê, se é o amado,
e que apunhalam os de quem lê, se é o traído.
A dúvida. Ele é gay? Ou CLAUDIO é o codinome de outra? Ana, Bruna, Carla. Quem? Qualquer outra. Salvou no celular um nome de homem para encobrir o nome de mulher... teria ele essa mentalidade criminosa? Ou é gay então? Há ainda outra opção: está me traindo,e é gay.
Ele desliga o chuveiro e ao entrar no quarto não mais a encontra. Encontra outra pessoa. A traída substituiu a que o amava, são pessoas diferentes, e ambas não o suportam mais. Não estão mais ali.
O segundo da série
A dúvida
Ela era tão bonita, tão alegre e independente.
Ele menos. Nem sempre alegre, e quase que um filho de tão dependente.
Mas o casal era bem vindo. Era um casal bacana. As pessoas gostavam deles. Eram diferentes entre si, mas iguais na simpatia.
Ela começa a trabalhar demais, ele de menos.
Ela começa a ficar bonita demais, ele de menos.
Todos gostam dela demais. Dele, de menos. Ele vem com ela, acompanhando.
O convívio social é bom. Mas na intimidade havia silêncios entre eles. Tardes meio entediantes. Preguiças fora de hora.
Um certo deslocar solitário de pensamentos.
Uma certa falta do que dizer a sós.
Não havia nada a fazer naquela tarde de domingo. Fizeram amor, e ele foi para o chuveiro.
O telefone dele toca, é uma mensagem.
Ela não é disso. A água corre no chuveiro, ele não ouviu. Ela chama, ele não ouve.
Está meio acostumado a não ouvi-la.
Ela pega o telefone, no mínimo visor aperta os olhos – CLÁUDIO.
Bem, pode ser coisa do trabalho.
Ou não.
Ou sim.
Ou não.
Abriu a mensagem: TE AMO TE AMO TE AMO
Palavras que dançam aos olhos de quem lê, se é o amado,
e que apunhalam os de quem lê, se é o traído.
A dúvida. Ele é gay? Ou CLAUDIO é o codinome de outra? Ana, Bruna, Carla. Quem? Qualquer outra. Salvou no celular um nome de homem para encobrir o nome de mulher... teria ele essa mentalidade criminosa? Ou é gay então? Há ainda outra opção: está me traindo,e é gay.
Ele desliga o chuveiro e ao entrar no quarto não mais a encontra. Encontra outra pessoa. A traída substituiu a que o amava, são pessoas diferentes, e ambas não o suportam mais. Não estão mais ali.
Contos de Casais - Um beijo a mais
O primeiro dos Contos de Casais
Um beijo a mais
O beijo - Auguste Rodin
Havia um homem. Forte, alto, bonito. Corajoso. Um homem comprometido, o que não significa impossível.
Havia uma mulher. Queria um homem como aquele. Uma mulher livre, o que não significa disponível.
Não se conheceram pela internet não. Cada um com sua solidão, foram dar um passeio, e os caminhos se cruzaram, assim, como se atravessa na esquina e depara-se com uma árvore florida, linda, e se põe a pensar que o mundo seria melhor se tivesse mais árvores assim floridas, ou mais flores mesmo, as ruas com flores são as mais bonitas.
Um olhou, o outro sorriu. Que sorriso bonito tinham um para o outro. Combinaram um passeio a mais. Foram. Havia tanto assunto, tanto a ouvir e tanto a dizer. Combinaram outro passeio, e foram também.
Ouviram música. Gostaram. Uma música a mais, e o beijo.
Para quê isso? Para que se beijaram? Da onde tiraram um beijo como aquele?
Um beijo de amor, que escapoliu deles como um peixe que escapole do anzol – ávido por vida nova, solta-se para o mar.
Ambos queriam o mar. Se um não pode, o outro devia não querer. E quem manda no querer? Quem pode não querer?
Mas o que não pode, quis. E o que pode, quis muito. O mar ficou cheio de peixes.
Tentaram que fosse só mais um passeio, só mais um beijo, só mais uma noite.
Mas como não há passeio igual, não há beijo igual, não há noite igual, repetiram, repetiram, repetiram.
Ficaram assim, passeando e beijando por aí. O mar ganhou mais vida e a vida ganhou mais mar.
Ele fez-se possível. Ela tornou-se disponível, e só para ele.
Mas não há bem que sempre dure, nem mal que nunca se acabe. Um beijo proibido assim deve permanecer proibido. O que ninguém pode saber, não pode existir.
Há uma notícia boa e uma ruim: a boa é que foi bom e acabou, e a ruim, é essa também.
Um beijo a mais
O beijo - Auguste Rodin
Havia um homem. Forte, alto, bonito. Corajoso. Um homem comprometido, o que não significa impossível.
Havia uma mulher. Queria um homem como aquele. Uma mulher livre, o que não significa disponível.
Não se conheceram pela internet não. Cada um com sua solidão, foram dar um passeio, e os caminhos se cruzaram, assim, como se atravessa na esquina e depara-se com uma árvore florida, linda, e se põe a pensar que o mundo seria melhor se tivesse mais árvores assim floridas, ou mais flores mesmo, as ruas com flores são as mais bonitas.
Um olhou, o outro sorriu. Que sorriso bonito tinham um para o outro. Combinaram um passeio a mais. Foram. Havia tanto assunto, tanto a ouvir e tanto a dizer. Combinaram outro passeio, e foram também.
Ouviram música. Gostaram. Uma música a mais, e o beijo.
Para quê isso? Para que se beijaram? Da onde tiraram um beijo como aquele?
Um beijo de amor, que escapoliu deles como um peixe que escapole do anzol – ávido por vida nova, solta-se para o mar.
Ambos queriam o mar. Se um não pode, o outro devia não querer. E quem manda no querer? Quem pode não querer?
Mas o que não pode, quis. E o que pode, quis muito. O mar ficou cheio de peixes.
Tentaram que fosse só mais um passeio, só mais um beijo, só mais uma noite.
Mas como não há passeio igual, não há beijo igual, não há noite igual, repetiram, repetiram, repetiram.
Ficaram assim, passeando e beijando por aí. O mar ganhou mais vida e a vida ganhou mais mar.
Ele fez-se possível. Ela tornou-se disponível, e só para ele.
Mas não há bem que sempre dure, nem mal que nunca se acabe. Um beijo proibido assim deve permanecer proibido. O que ninguém pode saber, não pode existir.
Há uma notícia boa e uma ruim: a boa é que foi bom e acabou, e a ruim, é essa também.
domingo, 6 de fevereiro de 2011
Cisne Negro Lindo e Louco
Roxy - O charmoso cinema de Copacabana
Rio de Janeiro
Cisne Negro, do diretor Darren Aronofsky
Natalie Portman
No ballet de Tchaikovsksy, " O Lago dos Cisnes", o Príncipe Sigfried encanta-se por uma donzela, Odette, vítima de terrível feitiçaria que a transformara em cisne branco. Somente se escolhida pelo Príncípe, com a condição de amá-la exclusivamente, estaria salva. O Príncipe não conseguiu. Deslumbrado pela beleza do cisne negro, concluiu que só sua amada teria tal encanto, e optou, equivocadamente, pela feiticeira, Odille. A heroína injustiçada cumpre seu destino, e o princípe desespera-se. Impotentes no amor, manipulados pelos maus deuses, estáo separados tragicamente por todo o sempre.
Nas montagens mais renomadas, Odille e Odette são interpretadas pela mesma bailarina.
Recebi uma mensagem: " - Já viu o Cisne Negro?" Senti que era urgente. Vindo de quem veio, amiga de cabeça privilegiada, de poucas e corretas palavras, mira certeira, pedi um par de asas emprestadas e voei para o cinema. Vi que as asas não tinham a mesma cor: uma branca, outra negra. Ao chegar no cinema, as asas me incomodaram. Guardei sob a poltrona, o filme vai começar.
Há uma bailarina. É Nina, personagem de Natalia Portman. Delicada e dedicada demais, mas inexpressiva. Há sua mãe, obcecada, pedófila silenciosa, repressora. Há o desafio de atuar como Rainha Cisne, papel duplo e principal do Lago dos Cisnes. Protegida pela redoma da dominação materna, faltam-lhe a vivência e a ousadia necessárias para agarrar a chance única de sua angustiada carreira. Interpretar o Cisne Branco, crédulo e sonhador, não era problema. Esse era ela, era ela da vida inteira, a Nina, a doce garotinha da mamãe bruxa. O desafio é o Cisne Negro - ardiloso, sedutor, irresistível - o lado negro e brilhante do ser, que conduz a glória ou ao abismo.
Não enxerga de onde tirar o Black Swan. Está enterrado nas suas vísceras, essas coisas nojentas que temos na barriga e que mantém nosso corpo vivo. Tire as vísceras de um ser e ele morre imediatamente. Arrancar as vísceras dos inimigos: aniquilá-los. Estão ali representadas a integridade física e moral dos vencidos. A atriz dentro da bailarina precisará justamente do impulso dos sentimentos imorais, da falta de caráter, do atrevimento que os sedutores possuem. Precisa seduzir. Precisa de luxúria, de cobiça, de vaidade. Precisa de sexo. Não tem. Outras, muitas outras, bailarinas ou não, tem, e de sobra. Quem de nós já não desejou o proibido? Muito e fortemente. Não usou de artifícios para obter o que queria? Não sentiu uma vontade de doer, de alucinar, de se rasgar? Não fosse assim, não haveria o fogo em seu olhar.
Na busca dessas referências não vividas, sem as quais seu personagem negro não convenceria ninguém, Nina enlouquece. A lucidez torna-se insuportável e dilacerante. Ansiosa e perseguida por imagens projetadas (ou não) por sua mente confusa, descobre que odeia a mãe; descobre o prazer sexual, nunca antes desfrutado, fundamental, nas mãos e na boca de outra mulher, a irreverente e talentosa Mila Kunis, que por ironia, a ameaça no estrelato. Acossada pelo desejo, é drogada e seduzida. As cenas são enebriantes; não se sabe se é sonho,se é realidade, mas é prazer, sem dúvida. Que bom. Foi provavelmente a melhor coisa que lhe aconteceu.
É preciso aqui um parênteses - o galã do filme, ainda que bastante viril, dispensa a oportunidade, desinteressado pela aparente frigidez do cisne branco. O diretor do ballet não queria mocinhas suaves para a sobremesa; somente o indomável e exuberante cisne negro saciaria seu desejo. Descartou a antiga bailarina pela idade, e a jovem pela pouca inclinação para a coisa. Como os demais homens terrenos, dispensa facilmente o que não lhe serve.
Apavoro-me com tanto sofrimento. Ela sangra. A fixação pelo êxito culmina com sua alma quebrada em pedaços. Dores, dores de arrepiar, torturas, pesadelos. Bulímica, esquizofrênica, reprimida, ela paga o sucesso com sua sanidade. Imagens de terror assustam, imagens de beleza encantam.
Somos assim, aterrorizados, atormentados e belos. Temos fantasmas e adversários que nos arrancam gritos. Criados à imagem e semelhança das nossas frustrações, precisamos rasgar a carne e deixar que o sangue que herdamos escorra. Não é bonito de se ver e nem gostoso de sentir.
Tudo bem, cicatrizará, e criaremos nova pele, talvez asas.
Assisto extasiada a encarnação da ave. Os olhos rubros, as asas negras, as pernas como lanças velozes cortando o ar. Entendo porque o Príncipe Sigfried equivocou-se - todos preferimos o atropelo da paixão ao banho maria da condescendência.
Aplaudo, sou a única do cinema a aplaudir. A platéia está incomodada, mas eu não me incomodo, e rendo-me, inteira. Desejo que encontre, na eternidade, seu triunfo.
Pego as asas que escondi sob a poltrona. Parecem-me maiores, e ambas estão negras, como o carvão. Eu as quero exatamente assim.
Rio de Janeiro
Cisne Negro, do diretor Darren Aronofsky
Natalie Portman
No ballet de Tchaikovsksy, " O Lago dos Cisnes", o Príncipe Sigfried encanta-se por uma donzela, Odette, vítima de terrível feitiçaria que a transformara em cisne branco. Somente se escolhida pelo Príncípe, com a condição de amá-la exclusivamente, estaria salva. O Príncipe não conseguiu. Deslumbrado pela beleza do cisne negro, concluiu que só sua amada teria tal encanto, e optou, equivocadamente, pela feiticeira, Odille. A heroína injustiçada cumpre seu destino, e o princípe desespera-se. Impotentes no amor, manipulados pelos maus deuses, estáo separados tragicamente por todo o sempre.
Nas montagens mais renomadas, Odille e Odette são interpretadas pela mesma bailarina.
Recebi uma mensagem: " - Já viu o Cisne Negro?" Senti que era urgente. Vindo de quem veio, amiga de cabeça privilegiada, de poucas e corretas palavras, mira certeira, pedi um par de asas emprestadas e voei para o cinema. Vi que as asas não tinham a mesma cor: uma branca, outra negra. Ao chegar no cinema, as asas me incomodaram. Guardei sob a poltrona, o filme vai começar.
Há uma bailarina. É Nina, personagem de Natalia Portman. Delicada e dedicada demais, mas inexpressiva. Há sua mãe, obcecada, pedófila silenciosa, repressora. Há o desafio de atuar como Rainha Cisne, papel duplo e principal do Lago dos Cisnes. Protegida pela redoma da dominação materna, faltam-lhe a vivência e a ousadia necessárias para agarrar a chance única de sua angustiada carreira. Interpretar o Cisne Branco, crédulo e sonhador, não era problema. Esse era ela, era ela da vida inteira, a Nina, a doce garotinha da mamãe bruxa. O desafio é o Cisne Negro - ardiloso, sedutor, irresistível - o lado negro e brilhante do ser, que conduz a glória ou ao abismo.
Não enxerga de onde tirar o Black Swan. Está enterrado nas suas vísceras, essas coisas nojentas que temos na barriga e que mantém nosso corpo vivo. Tire as vísceras de um ser e ele morre imediatamente. Arrancar as vísceras dos inimigos: aniquilá-los. Estão ali representadas a integridade física e moral dos vencidos. A atriz dentro da bailarina precisará justamente do impulso dos sentimentos imorais, da falta de caráter, do atrevimento que os sedutores possuem. Precisa seduzir. Precisa de luxúria, de cobiça, de vaidade. Precisa de sexo. Não tem. Outras, muitas outras, bailarinas ou não, tem, e de sobra. Quem de nós já não desejou o proibido? Muito e fortemente. Não usou de artifícios para obter o que queria? Não sentiu uma vontade de doer, de alucinar, de se rasgar? Não fosse assim, não haveria o fogo em seu olhar.
Na busca dessas referências não vividas, sem as quais seu personagem negro não convenceria ninguém, Nina enlouquece. A lucidez torna-se insuportável e dilacerante. Ansiosa e perseguida por imagens projetadas (ou não) por sua mente confusa, descobre que odeia a mãe; descobre o prazer sexual, nunca antes desfrutado, fundamental, nas mãos e na boca de outra mulher, a irreverente e talentosa Mila Kunis, que por ironia, a ameaça no estrelato. Acossada pelo desejo, é drogada e seduzida. As cenas são enebriantes; não se sabe se é sonho,se é realidade, mas é prazer, sem dúvida. Que bom. Foi provavelmente a melhor coisa que lhe aconteceu.
É preciso aqui um parênteses - o galã do filme, ainda que bastante viril, dispensa a oportunidade, desinteressado pela aparente frigidez do cisne branco. O diretor do ballet não queria mocinhas suaves para a sobremesa; somente o indomável e exuberante cisne negro saciaria seu desejo. Descartou a antiga bailarina pela idade, e a jovem pela pouca inclinação para a coisa. Como os demais homens terrenos, dispensa facilmente o que não lhe serve.
Apavoro-me com tanto sofrimento. Ela sangra. A fixação pelo êxito culmina com sua alma quebrada em pedaços. Dores, dores de arrepiar, torturas, pesadelos. Bulímica, esquizofrênica, reprimida, ela paga o sucesso com sua sanidade. Imagens de terror assustam, imagens de beleza encantam.
Somos assim, aterrorizados, atormentados e belos. Temos fantasmas e adversários que nos arrancam gritos. Criados à imagem e semelhança das nossas frustrações, precisamos rasgar a carne e deixar que o sangue que herdamos escorra. Não é bonito de se ver e nem gostoso de sentir.
Tudo bem, cicatrizará, e criaremos nova pele, talvez asas.
Assisto extasiada a encarnação da ave. Os olhos rubros, as asas negras, as pernas como lanças velozes cortando o ar. Entendo porque o Príncipe Sigfried equivocou-se - todos preferimos o atropelo da paixão ao banho maria da condescendência.
Aplaudo, sou a única do cinema a aplaudir. A platéia está incomodada, mas eu não me incomodo, e rendo-me, inteira. Desejo que encontre, na eternidade, seu triunfo.
Pego as asas que escondi sob a poltrona. Parecem-me maiores, e ambas estão negras, como o carvão. Eu as quero exatamente assim.
sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011
Malabares ao Ar
Encontro de Malabares e Artes Circenses
Praça São Salvador, Laranjeiras
Rio Lindo de Janeiro
Luiz XiXiX, Acrobata Brasileiro
Tudo que tem cor e movimento, é, possivelmente, belo.
Pássaros, borboletas, flores ao vento, corpos dançando. Mas o que dizer sobre os movimentos impossíveis?
Insustentáveis em peso e surpreendentes em velocidade? Estamos falando de beija-flores?
Também. Estou falando de malabares. Tente acompanhar com os olhos, náo dá. Tente contar os objetos flutuando - confundem-se. São três, parecem nove. São cinco, parecem vinte.
Tente reter no olhar; não consegue. São fugazes, ainda que repetitivos. Escapolem da visáo.
A humanidade, desde os egípcios, tem seus malabaristas. Várias etnias orientais e européias dominaram a arte de Malabares. Há registros comprovados datados de 2000 a. C. sobre egípcios. Depois os gregos, que ensinavam às suas meninas, para que se distraíssem. Os italianos fizeram do circo empreendimento, e não existe circo sem malabaristas, e o povo quer circo, logo, o povo quer malabaristas. O ser humano sempre buscou diversão - reis de França tinham acrobatas à sua disposição; árabes tinhas odaliscas, que também equilibravam espadas e provocavam serpentes; russos e seus saltos aéreos, os chineses e seus pratinhos rodando, rodando; ciganas e seus pandeiros, violinos e suas roupas coloridas; e os americanos dançarinos de rua, mudaram nosso jeito de dançar. Todos alegram a vida.
Os circenses prendem nossa atenção. Lançam objetos, os agarram. Deixam que escorreguem pelo corpo, rodopiam em volteios enquanto equilibram pratos. Cospem fogo. Equilibram-se uns sobre os outros, sobre fios ínfimos, sobre o ar.
Manipulam e brincam também com o espectador: somos jogados do suspense ao alívio, prendemos a respiraçao e soltamos o riso. Ora tensos, tememos o perigo que cerca o artista; vibramos de alegria quando o risco passa e o artista agradece vitorioso. Explodimos no aplauso.
Diversão, e amor. Já que amor náo é fácil de achar, vamos aos artistas.
A Terra Adorada tem artista à beça. Músicos, sambistas, cantores. Vamos dar a vez aos acrobatas. O uso que fazem de seu corpo é fantástico. Hipnotizam com sua precisáo. Já tem lugar garantido em raves, as maratonas festivas, as festas dos modernos. Que tenham sua vez em nossos palcos mais populares. O circo promove a diversão saudável que exige habilidade e dedicação. Os saltimbancos, os ciganos contemporâneos, estudaram na Escola de Circo para aprimorar-se. Estão cada vez melhores, merecem ser vistos, e vistos ao vivo.
Que rufem os tambores. Respeitável público, os malabaristas estáo chegando.
Toda segunda, às 18 horas, na Praça São Salvador. De graça.
Depois de um dia de trabalho, o circo. Pegue um metrô, desça no Largo do Machado ou no Flamengo, e zarpe para a Praça São Salvador.
Compareça ao Encontro de Malabares e Artes Circenses.
Só para começar bem a semana, vamos aprender com eles. Lançam bastões, podemos lançar nossos sorrisos ao ar livre. Rápido, sem pensar, um para cima, o outro para baixo, o terceiro gira, o quarto escorrega, o quinto retorna ao primeiro lugar.
Gire o sonho também. Mexa nele e dê um impulso. Jogue para cima, e veja onde vai. Tente pegar, é difícil, exige treino. O sonho, como o sorriso, o pensamento e a emoção, costumam ter vontades e rumos próprios. Não sabemos onde vão dar.
Não perca o circo. Ele passa logo, e como a vida, parte para encantar em outro lugar.
Praça São Salvador, Laranjeiras
Rio Lindo de Janeiro
Luiz XiXiX, Acrobata Brasileiro
Tudo que tem cor e movimento, é, possivelmente, belo.
Pássaros, borboletas, flores ao vento, corpos dançando. Mas o que dizer sobre os movimentos impossíveis?
Insustentáveis em peso e surpreendentes em velocidade? Estamos falando de beija-flores?
Também. Estou falando de malabares. Tente acompanhar com os olhos, náo dá. Tente contar os objetos flutuando - confundem-se. São três, parecem nove. São cinco, parecem vinte.
Tente reter no olhar; não consegue. São fugazes, ainda que repetitivos. Escapolem da visáo.
A humanidade, desde os egípcios, tem seus malabaristas. Várias etnias orientais e européias dominaram a arte de Malabares. Há registros comprovados datados de 2000 a. C. sobre egípcios. Depois os gregos, que ensinavam às suas meninas, para que se distraíssem. Os italianos fizeram do circo empreendimento, e não existe circo sem malabaristas, e o povo quer circo, logo, o povo quer malabaristas. O ser humano sempre buscou diversão - reis de França tinham acrobatas à sua disposição; árabes tinhas odaliscas, que também equilibravam espadas e provocavam serpentes; russos e seus saltos aéreos, os chineses e seus pratinhos rodando, rodando; ciganas e seus pandeiros, violinos e suas roupas coloridas; e os americanos dançarinos de rua, mudaram nosso jeito de dançar. Todos alegram a vida.
Os circenses prendem nossa atenção. Lançam objetos, os agarram. Deixam que escorreguem pelo corpo, rodopiam em volteios enquanto equilibram pratos. Cospem fogo. Equilibram-se uns sobre os outros, sobre fios ínfimos, sobre o ar.
Manipulam e brincam também com o espectador: somos jogados do suspense ao alívio, prendemos a respiraçao e soltamos o riso. Ora tensos, tememos o perigo que cerca o artista; vibramos de alegria quando o risco passa e o artista agradece vitorioso. Explodimos no aplauso.
Diversão, e amor. Já que amor náo é fácil de achar, vamos aos artistas.
A Terra Adorada tem artista à beça. Músicos, sambistas, cantores. Vamos dar a vez aos acrobatas. O uso que fazem de seu corpo é fantástico. Hipnotizam com sua precisáo. Já tem lugar garantido em raves, as maratonas festivas, as festas dos modernos. Que tenham sua vez em nossos palcos mais populares. O circo promove a diversão saudável que exige habilidade e dedicação. Os saltimbancos, os ciganos contemporâneos, estudaram na Escola de Circo para aprimorar-se. Estão cada vez melhores, merecem ser vistos, e vistos ao vivo.
Que rufem os tambores. Respeitável público, os malabaristas estáo chegando.
Toda segunda, às 18 horas, na Praça São Salvador. De graça.
Depois de um dia de trabalho, o circo. Pegue um metrô, desça no Largo do Machado ou no Flamengo, e zarpe para a Praça São Salvador.
Compareça ao Encontro de Malabares e Artes Circenses.
Só para começar bem a semana, vamos aprender com eles. Lançam bastões, podemos lançar nossos sorrisos ao ar livre. Rápido, sem pensar, um para cima, o outro para baixo, o terceiro gira, o quarto escorrega, o quinto retorna ao primeiro lugar.
Gire o sonho também. Mexa nele e dê um impulso. Jogue para cima, e veja onde vai. Tente pegar, é difícil, exige treino. O sonho, como o sorriso, o pensamento e a emoção, costumam ter vontades e rumos próprios. Não sabemos onde vão dar.
Não perca o circo. Ele passa logo, e como a vida, parte para encantar em outro lugar.
quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011
Os anjos
Tijuca
Rio de Janeiro
Começou o ano letivo e tenho dois filhos em idade escolar. Pablo, de treze anos, é meu leão, altivo, leal, e feroz, um nobre selvagem, e continuará sua redenção no Colégio Princesa Isabel Redentora. Feliz em seu habitat, e por reencontrar e redescobrir seus amigos.
Pedro, de seis anos, tem bochechas gordas, olhos de anjo e coração valente. Criatura sapeca que estudava no jardim de infância até ano passado. O ano de 2011 será o ano de sua alfabetização, e o jardim findou-se. Hora da horta, da plantação de letras. Sei que fará travessura com as letras e as colherá viçosas. Até as letras se alegram com sua chegada.
Fui convocada para a primeira reunião do colégio novo. Lá fui eu. Marcou reuniáo, vou. Se é de colégio, de trabalho, de famosos, de desconhecidos, de samba, de golpe de Estado, de roubo de carros, de ensaio de jazz, não interessa. Vou a reuniáo. Quero reunir-me.
O colégio é uma fundação grandiosa. Sào 110 mil crianças atendidas em todo território nacional. Resultados fantásticos para a educação do Brasil. O Banco que custeia e mantém a obra oferece tudo aos alunos - uniforme, material, merenda, assistência odontológica, que bom! Passamos a vida a pagar juros e taxas bancárias, e os banqueiros sáo os donos do (nosso) dinheiro, portanto, na verdade, essa ofertas já estão pagas.
Entro em um auditório imenso e assusto-me; preciso parar com isso de assustar-me. Sentadas na primeira fila a diretora, coordenadoras, professoras, e assistentes usam o mesmo tom de tinta no cabelo, e o mesmo formato de óculos. A mesma faixa etária. O mesmo corpo, nem gordo, nem magro, o tipo de corpo que não faz exercícios, nem toma sol, nem dança. Os mesmos gestos, o mesmo jaleco branco, o mesmo relógio de pulseira de couro escuro. Não sáo feias, nem bonitas, não tem características definitivas. Anunciam o andamento da reuniáo, e com o mesmo tom alto e pausado de voz explicam como devemos fazer para que 2011 seja um ano produtivo e de sucesso para todos.
Desejo essa receita como quem deseja ganhar na Mega Sena.
Quem tem essa receita, meu Deus? Elas tem.
Basta seguir o que dizem e tudo ficará sob controle. 105 crianças da alfabetização precisam ser controladas. Precisam ser equiparadas umas às outras, para que as determinações das regras anulem as diferenças sociais. Anulem também as preferências. O mesmo tênis para todas, ok. A camisa para dentro do short. ok. Para fora da calça? Não. Cabelos presos com um laço branco, ok. Nào pode rosa nem vermelho? Nào. Branco. Letra de forma maiúscula para as etiquetas, a serem coladas no lado direito do caderno.Ok. Uniforme pequeno, ou grande deve ser trocado por outro unicamente amanhã. A criança então ficará apertada ou engolida o ano inteiro se a pobre mãe falhar. Controlam as mães também. Recados diários na agenda, a serem protocolados diariamente também. Sempre anotar o número da chamada ao lado do nome da criança. Nada de nome sem número. Nada de materiais com símbolos de times. Tudo formatado. Vontade de ir ao banheiro? Formatada. É só no intervalo. Orientar que para lavar a mão não pode fazer muita espuma. São 105, se 105 fizerem espuma a pia entope. Não podem levar lanche, tem que comer o da cantina. Nem um bombonzinho na mochila, caso não gostem da merenda? Nas dependências do colégio náo. Nada que náo passe pelo controle da nutricionista.
Quanto mais repetem isso, mais penso: mais gente, menos carinho, e mais controle. Será que se amarmos mais pessoas as amaremos menos? Para amarmos maior quantidade de gente, teremos que ser mais frios e controlados com todos eles. É isso? Não sei.
A mestra de educação física diz tudo deve que ser marcado com nome e número. Marcar para não perder. Tatuarei meu nome no punho de meu amor, e o número 20, dia em que nos conhecemos. Assim não o perderei. Esta última mestra tem um apito, e deve apitar a qualquer momento.
Ontem a terapeuta garantiu-me que devo tentar aproximar-me de meus flhos com a aceitação carinhosa das nossas opiniões distintas. Que devo ceder para aproximar-me. Aqui pedagogas nada cedem. Eu seria péssima pedagoga, e sob este prisma, nem sei como sou mãe.
Vejo 40 crianças em forma, mãos nos ombros do colega. Estavam serenas. Ao olhar para elas, não sei suas histórias. Não sei quem está feliz ou segurando o choro.
Não sei quem é amigo de quem. Não sei quem é o levado ou o comportado. Não sei quem gostou da merenda ou quem fez o desenho mais colorido. Foram igualados para serem controlados. Estão controlados, elas conseguiram.
A liberdade assusta os poderosos, pois confere poder aos sonhadores.
E que a disciplina imposta assim não depene as asas de meu filho. Ele voa, e quem voa, náo sabe não voar. Que este anjo, que anda descalço e descabelado pela minha casa, continue livre em seus pensamentos e doce em seus gestos. Peço por ele, e peço egoistamente por mim. Sua alegria me sustenta todos os dias.
Observo uma árvore próxima, logo ali ao lado dos guardas armados que tomam conta do colégio. Fiquem tranquilos senhores, sou da reunião do primeiro ano e náo sei onde é a saída.
A árvore reina, imensa, rachou a terra há séculos. Suas raízes estáo expostas, se olharmos bem, são veias, saltam por fora do tronco, desgranhadas, grosseiras, fartas. Deveriam estar embaixo da terra, não estão.
As mestras precisam saber disso. Algumas coisas estão fora da regra, e estão maravilhosas assim.
Rio de Janeiro
Começou o ano letivo e tenho dois filhos em idade escolar. Pablo, de treze anos, é meu leão, altivo, leal, e feroz, um nobre selvagem, e continuará sua redenção no Colégio Princesa Isabel Redentora. Feliz em seu habitat, e por reencontrar e redescobrir seus amigos.
Pedro, de seis anos, tem bochechas gordas, olhos de anjo e coração valente. Criatura sapeca que estudava no jardim de infância até ano passado. O ano de 2011 será o ano de sua alfabetização, e o jardim findou-se. Hora da horta, da plantação de letras. Sei que fará travessura com as letras e as colherá viçosas. Até as letras se alegram com sua chegada.
Fui convocada para a primeira reunião do colégio novo. Lá fui eu. Marcou reuniáo, vou. Se é de colégio, de trabalho, de famosos, de desconhecidos, de samba, de golpe de Estado, de roubo de carros, de ensaio de jazz, não interessa. Vou a reuniáo. Quero reunir-me.
O colégio é uma fundação grandiosa. Sào 110 mil crianças atendidas em todo território nacional. Resultados fantásticos para a educação do Brasil. O Banco que custeia e mantém a obra oferece tudo aos alunos - uniforme, material, merenda, assistência odontológica, que bom! Passamos a vida a pagar juros e taxas bancárias, e os banqueiros sáo os donos do (nosso) dinheiro, portanto, na verdade, essa ofertas já estão pagas.
Entro em um auditório imenso e assusto-me; preciso parar com isso de assustar-me. Sentadas na primeira fila a diretora, coordenadoras, professoras, e assistentes usam o mesmo tom de tinta no cabelo, e o mesmo formato de óculos. A mesma faixa etária. O mesmo corpo, nem gordo, nem magro, o tipo de corpo que não faz exercícios, nem toma sol, nem dança. Os mesmos gestos, o mesmo jaleco branco, o mesmo relógio de pulseira de couro escuro. Não sáo feias, nem bonitas, não tem características definitivas. Anunciam o andamento da reuniáo, e com o mesmo tom alto e pausado de voz explicam como devemos fazer para que 2011 seja um ano produtivo e de sucesso para todos.
Desejo essa receita como quem deseja ganhar na Mega Sena.
Quem tem essa receita, meu Deus? Elas tem.
Basta seguir o que dizem e tudo ficará sob controle. 105 crianças da alfabetização precisam ser controladas. Precisam ser equiparadas umas às outras, para que as determinações das regras anulem as diferenças sociais. Anulem também as preferências. O mesmo tênis para todas, ok. A camisa para dentro do short. ok. Para fora da calça? Não. Cabelos presos com um laço branco, ok. Nào pode rosa nem vermelho? Nào. Branco. Letra de forma maiúscula para as etiquetas, a serem coladas no lado direito do caderno.Ok. Uniforme pequeno, ou grande deve ser trocado por outro unicamente amanhã. A criança então ficará apertada ou engolida o ano inteiro se a pobre mãe falhar. Controlam as mães também. Recados diários na agenda, a serem protocolados diariamente também. Sempre anotar o número da chamada ao lado do nome da criança. Nada de nome sem número. Nada de materiais com símbolos de times. Tudo formatado. Vontade de ir ao banheiro? Formatada. É só no intervalo. Orientar que para lavar a mão não pode fazer muita espuma. São 105, se 105 fizerem espuma a pia entope. Não podem levar lanche, tem que comer o da cantina. Nem um bombonzinho na mochila, caso não gostem da merenda? Nas dependências do colégio náo. Nada que náo passe pelo controle da nutricionista.
Quanto mais repetem isso, mais penso: mais gente, menos carinho, e mais controle. Será que se amarmos mais pessoas as amaremos menos? Para amarmos maior quantidade de gente, teremos que ser mais frios e controlados com todos eles. É isso? Não sei.
A mestra de educação física diz tudo deve que ser marcado com nome e número. Marcar para não perder. Tatuarei meu nome no punho de meu amor, e o número 20, dia em que nos conhecemos. Assim não o perderei. Esta última mestra tem um apito, e deve apitar a qualquer momento.
Ontem a terapeuta garantiu-me que devo tentar aproximar-me de meus flhos com a aceitação carinhosa das nossas opiniões distintas. Que devo ceder para aproximar-me. Aqui pedagogas nada cedem. Eu seria péssima pedagoga, e sob este prisma, nem sei como sou mãe.
Vejo 40 crianças em forma, mãos nos ombros do colega. Estavam serenas. Ao olhar para elas, não sei suas histórias. Não sei quem está feliz ou segurando o choro.
Não sei quem é amigo de quem. Não sei quem é o levado ou o comportado. Não sei quem gostou da merenda ou quem fez o desenho mais colorido. Foram igualados para serem controlados. Estão controlados, elas conseguiram.
A liberdade assusta os poderosos, pois confere poder aos sonhadores.
E que a disciplina imposta assim não depene as asas de meu filho. Ele voa, e quem voa, náo sabe não voar. Que este anjo, que anda descalço e descabelado pela minha casa, continue livre em seus pensamentos e doce em seus gestos. Peço por ele, e peço egoistamente por mim. Sua alegria me sustenta todos os dias.
Observo uma árvore próxima, logo ali ao lado dos guardas armados que tomam conta do colégio. Fiquem tranquilos senhores, sou da reunião do primeiro ano e náo sei onde é a saída.
A árvore reina, imensa, rachou a terra há séculos. Suas raízes estáo expostas, se olharmos bem, são veias, saltam por fora do tronco, desgranhadas, grosseiras, fartas. Deveriam estar embaixo da terra, não estão.
As mestras precisam saber disso. Algumas coisas estão fora da regra, e estão maravilhosas assim.
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