terça-feira, 24 de março de 2015

Escrever para quê




" Tem razão quem tem paixão
   Tem razão quem fala
    pela voz do coração "  ( O Rappa)

Caríssimos, tem razão quem tem idéias. E quem tem coragem.

Hoje alcancei a sugestiva marca de 66 mil visualizações. 101 seguidores.

Ora, números modestos para nossos padrões de seis dígitos. As blogueiras da moda estão aí com 5 milhões de seguidores e o número de acessos é contabilizado como nos cassinos de Las Vegas, com aquele cronômetro girando.  Só que esta que vos fala não troca os seus 66 000 e nem em pensamento faço pouco dos deliciosos 101. Vejam se não tenho excelentes porquês  -   66 são os iguais, os pares de irmãos, os gêmeos que se identificam e se repetem. Andam juntos. 101 são os dálmatas, fofos, desejados, disputados, lindos, chiquérrimos, em preto e branco.

Eis que finalmente, neste simples retângulo sem valor monetário, somos todos irmãos e somos todos chiquérrimos.

Estou que não posso em mim, Rindo à toa. Feliz toda vida.

Mas há criaturas que indagam. Questionam. Desconfiam de minhas intenções. Ganhou fama? Não. Dinheiro? Não. O amor verdadeiro? Não. (Bem, todo amor é verdadeiro, não é mesmo? ...) Carros, viagens, prêmios? Não.  Ganhou o quê?  Para quê isto?

Suspiros. Valha-me São Tomé das Letras. Há gente que precisa de muita explicação.
E é tão simples - porque eu gosto. Porque eu adoro. Porque escrever me fez orgulhosa detentora de artigo raro, raríssimo -  S A T I S F A Ç Ã O.

Satisfação é algo, caríssimos, que o amor não garante, o dinheiro não compra e o tempo não leva.
Você dorme e acorda, está lá. Fica rico, fica pobre, adoece, se cura. Ninguém te tira. É seu.

Uma alegria consigo. São as suas idéias. As suas palavras. A sua coragem.
Tenho prazer do começo ao fim, artigo de luxo nos dias de hoje, que os moçoilos não estão com essa bola toda.
E viajo nisto, doce e lenta viagem. Teclo, faço, desfaço, recorto, copio. Até que mexa, faça rir ou chorar, faça refletir; até que instigue meu próximo, até que tome vida própria. Não escrevo movida por sobrenatural inspiração. Imagina. Eu sei exatamente o que quero dizer. ´E racional. Como o sangue que se mistura e se separa dentro do coração, a razão e a emoção se fundem e se despedem. Como amantes fortuitos e delituosos.

O sopro que me infla é a vontade de transmitir, exibicionista que sou. Sempre fui.
Certa, errada, parcial, torta, reta, não importa,  minha a palavra é como uma filha menor em quem se confia muito, e eu aqui a  emancipo, neste surreal mundo verídico-virtual.

Já não me pertence mais. Carne de minha carne, passa a ser de todos, e de si mesma. Diz do que fui, do que sou, do que serei. Representa uma geração, uma tribo, e é a voz do meu amor por todas as gerações e todas as tribos.

Aqui quem fala é meu coração. Este território é livre.  Prenda-me? eu fujo. Conceitue? eu desminto. Manipule? eu desmancho.

As páginas de minha vida não ficarão em branco, tenho um milhão de palavras e um milhão de idéias. Um milhão de sentimentos, um milhão de razões. Trago tudo para esta grande sala de estar.

A casa é sua. Entre, e fique à vontade.





   Mãos a obra - nada de páginas em branco no livro do destino











segunda-feira, 23 de março de 2015

Achilles e Eu

Calcanhar abençoado

Pisando leve
Que a vida é curta
E o tempo é breve


Ser pego pelos calcanhares, caríssimos, não é privilégio de Achilles.
O esplêndido herói da mitologia grega, soldado imbatível,  foi banhado por sua mãe, Tétis, nas águas do Rio Estige, ao nascer. Um sagrado banho de invulnerabilidade. O coração materno, antevendo seu futuro de batalhas mis, correu a providenciar-lhe uma blindagem, uma capa eterna, sonho esse comum a todas as mamãs, deusas, semi deusas, mortais e ordinárias mesmo. A poderosa segurou seu baby pelos calcanhares, mergulhou-o, e pronto!!!! Feito. Nada, nem o mais furioso dos raios do Olimpo o atingiria. Narra a lenda que o moço tinha o corpo fechado, à exceção dos.... calcanhares,  ocultados pelas mãos da genitora, que ela não largou o rebento, não, que água de rio grego tem correnteza. Segurou-o firminho pelos calcanhares.

Calcanhar de Achilles. Ponto onde a criatura morre fácil, portanto.

Não sou heroína, e não foi profetizado ao meu nascer que eu enfrentaria criaturas mitológicas ou ferozes guerreiros.  Cresci sem escudos, e enfrentei quase os mesmos monstros. Meu corpo, nem por um segundo, esteve invulnerável a nada - mais do que sinto e sofro e vibro, impossível. Uma brisa me desperta. Afora estas irrelevâncias, eu e o prezado Achilles temos muito em comum: o calcanhar. Coisa boba, parece de vidro. Quebra que é uma beleza.

Sábios os gregos, sábia a Mãe Natureza. Foi à toa não. A criatura tem que ter um ponto frágil, para se humanizar. Sempre me tive na mais alta conta. (E Achilles, então, gente?) Sinto-me capaz de qualquer batalha. Não há quem me amedronte. Que venham os machistas, os racistas, os escravagistas, os corruptos, os traficantes, os traidores, os egoístas, os psicopatas, os canalhas todos. Ai, pobre de mim. Fui-me. Estou que nem ando.

É uma dor, caríssimos, humilhante. Virei criança pequena, chorosa. Se eu piso, dói. Se não piso, dói também. As distâncias mínimas até ao banheiro, até a cozinha, até ao abatjour, até ao armário, são vencidas em silêncio e resignação. E a hora da injeção? No bumbum, queridos. O farmacêutico conhece minha derriére, e não dá-lhe a menor pitomba. Isto é um horror. Bumbum não é coisa que passe em branco, que se revele assim, sem um charme, uma música, uma intenção. " - A senhora abaixe o short. Pronto, acabou. São vinte reais". O tal apelo erótico zerou. Virou um pedaço de carne sem significado nenhum. Um espaço carnal sem função cênica.

Já tive filhos, desamores, desempregos, assaltos, decepções, decorrências. Agora tenho um calcanhar de achilles. Diagnosticado como Esporão de Calcanha ( assim mesmo, sem o "r" final), este ínfimo osso que resolveu crescer depois que eu cresci, em lugar que não é para ter osso nenhum,  incomoda mais que dor de cotovelo - fosse isso, a gente resolveria fácil, colocando um chifre em cabeça de cavalo,  ou arranjando uma sarna para se coçar. Esporão não. É coisa de galo de briga, que só sossega com uma boa rinha.

Ai, Valha-me Zeus, Deus do Olimpo, pai adúltero de Achilles. Estou indo pelos calcanhares. Roubam minha liberdade de ir e vir, limitam meus passeios, minhas danças, meus exercícios. Limitam meus sapatitos, não mais sandálias rasteiras de gladiadora, ou altíssimas plataformas marítimas; é tudo medido, calculado, palmilhado. Conto os passos que dou. Economizo meus deslocamentos.
Não corro mais pelos trilhos da aventura sem medo. Não, estou presa pelos pés. Não escalo mais as montanhas do perigo, que amo, que me fascinam. Estou atada aos horários da fisioterapia. Dar um bom chute na porta fechada? Nem pensar. Tenho que marcar hora e aguardar pacientemente.

Mas se eles acham que venceram, enganam-se.Tenho meus truques, que me valem nestas horas difíceis. Estou presa pelos pés, mas solta pelas idéias.

Nunca li tanto, nunca vi tanto filme, e há muito tempo não escrevo tanto. Poder-se-ia dizer que estou passando minha vida a limpo. Minha cabeça roda em velocidade resistente de maratonista. Perservero nesta viagem emocional. Nada me abala. Estou protegida, muito bem abrigada no trem intercontinental das letras, dos cenários, dos personagens, dos idiomas sonoros dos filmes sem dublagem. Expresso do Oriente.

Perdi os calcanhares. Ganhei asas.

Em meu pensamento, corro livre, leve e solta por campos lindos, verdes, sem fim. No segundo seguinte, parto em expedições humanitárias. Estou na África com o Médicos Sem Fronteiras; voei para Síria, e acalanto os órfãos. Faço curativos nos feridos da Ucrânia. Estou lá, no Alemão, entrincheirada, defendendo as crianças do tráfico.

Poder maior e mais inebriante do que o das idéias? Duvido.
As idéias são o fermento do mundo.
Sem idéias não há revolução.

Obrigada,  obrigada, repito agradecida,  em prece a Achilles, e aos demais deuses do Santo Esporão.




                                                                   A obra de arte de Veyrier - Achilles morrendo.
                                                                   1683

sexta-feira, 20 de março de 2015

O FINAL FELIZ

    Minha coroa é torta; e meu coração vale por mil


Afinal
O Final Feliz
O tal final feliz


Eu sempre imaginei que um conto, bem contado, teria que ter um final feliz.

Com as pessoas fazendo tudo certinho e sendo felizes assim.
Como foi explicado no tradicional colégio de freiras. Como nos ensaios da aula de teatro. Para cada emoção um traquejo, um trejeito, um efeito. Imediata ação. Imediato reconhecimento. E no ballet, então? um passo e um compasso. No adágio ou na polca, o clímax dos inseparáveis pares.
Na tela e nas páginas, no final feliz o casal fica junto.  A gente envelhece com charme. Fica um coroa enxuto, malhado, saudável, culto, descansado, com dinheiro no banco. Realizado. Faz coisas legais, juntos.  E nos filmes?  Os órfãos são adotados, a guerra acaba, os heróis sobrevivem, esfarrapados, sofridos, vitoriosos. O desempregado arruma trabalho, e a doença se cura. E se não curar tem velório, mas é uma cena linda, amplo gramado, flores, familiares elegantes. Leitura de testamento. Tudo organizado.

Para o pecado, o castigo. Para a injustiça, a vingança. Para a realeza destronada, a Coroa.

Ora pois, caríssimos, a vida não é bem assim.  Assim é irreal. Assim é Monteiro Lobato, é Agatha Christie. Assim é Janete Clair.

Estou mais para Dias Gomes e Nelson Rodrigues. A vida é inexata, é irreverente, é desorganizada. E e é linda em sua assimetria, em seu encaixar e desencaixar.  Em seu chaqualhar.

A minha coroa da felicidade, caríssimos, é meio torta, repararam? Devo esta irregularidade a meu sangue napolitano; saí aos meus e vivo a maledeta. Se preferirem, como dizem os franceses, je suis à gauche. Por isso custei a adequar-me, ao mundo, e a mim mesma.

Estou fora do molde, sempre estive, sempre estarei. Maior para cima e para os lados. Maior por dentro, que meu coração é a melhor parte de mim e vale por mil. Menor no egoísmo, menor na mágoa, menor no medo, na pressa, menor na raiva. Maior na fé. Menor na solidão. Maior na aceitação, principalmente aceitando a mim. Solta, solta, solta pelo perdão.

A cada dia me liberto mais. A cada dia me comprometo menos. Eu me desprendo. A cada dia olho no espelho e me vejo diferente de mim, do que fui, do que quis ser. Que bom que é  perdoar-me por ser diferente do que quis e do que quiseram para mim. Que bom que eu escolhi meus caminhos, tortos, esquisitos, mas eu os escolhi e os sigo. Torci o nariz para o caminho mais fácil; não  me levaria a lugar algum. Era um círculo disfarçado. Sou feliz porque não aceitei a escravidão. Por que não me vendi, não me corrompi, não me enganei. Eu me desculpei e parti.

Aprendi a desculpar as criaturas que me feriram, por amor, por dor, por medo, por quem eu fui, por quem eu sou; por temer quem eu poderia ser. Aqueles que nada me fizeram, mas eu cismei que fizeram.  A cada dia eu esqueço um erro que cometi. Esqueço os motivos, esqueço a razão. Esqueço o passado, e reescrevo um novo final, para uma história que recomeça todo dia.

Hoje, caríssimos, é um dia muito especial. Eu reencontrei-me; e assim sendo, para representar-me, como Narciso diante de seu reflexivo lago, eu reencontro um ex amor.

Confessêmos: ex-amor é lenda. A gente sabe que existe, queria que existisse, mas nunca se vê. Visto, é amor. Amor é amor, muda de ano, muda de nome, muda de endereço, muda de corpo. Amor é para sempre, como o velho livro da infância que não damos nem emprestamos. Que lemos e relemos e pensamos que esquecemos (engano!) até que um dia, em uma gaveta, está lá: reencontramos. E nos emocionamos.  Olhos cerrados, ao aspirar o cheiro, reler as linhas, apreciar as ilustrações. Abraçamos o livro ao peito, suspiramos, podemos até lê-lo novamente. Voraz ou lentamente. Vamos rir das mesmas passagens e chorar nos mesmos parágrafos. Vamos descobrir detalhes antes não vistos.

Podemos até escrever mais alguns capítulos, agora que crescemos, que mais sabemos. Agora que temos um blog.

Este é o meu final feliz.

Criatura torta que sou,  não é final, não é recomeço, não é pausa. É um momento tinindo no ar, momento de choro, de alegria, de esperança. É o livro que reabro.

Felicidade é a senha.

Tente.