domingo, 27 de março de 2011

Sabedoria da velha senhora

Rio de Janeiro
Daqui para frente sejamos mais sábios


Tenho muitos amigos. Partilho de suas vidas, e muitos deles estão espalhados, inteiros, ou em pedaços, aqui no meu blog.
Tenho o cuidado de não citar nomes ou detalhes muito representativos. Peço licença desta vez. Não tem como. Nào há história parecida com esta.

O amigo tem mãe. Ótima mãe. Só de vê-lo, bem arrumado, educado, estudado, responsável, vê-se que é fruto de boa orientação. Vinho de boa pipa, como dizia minha avó. Tem família, irmãs, sobrinhas, cunhadas. Não fala muito das figuras masculinas do seu sangue, e ele mesmo confessa que vive entre as amazonas.

Muito que bem. Vida seguindo, trabalhando. Crianças crescendo.
Adentra o trabalho em passos rápidos, pálido, vi que algo gravíssimo sucedera. Senta-se à minha frente e avisa, em pânico, olhos arregalados: Minha mãe está com câncer. Está arrasada, disse. Estamos todos, digo. Chora. Diz-me que fizeram exames, confirmado, que pena, meu Deus, uma pessoa tão querida com tão pouco tempo de vida com qualidade.

Fiz o que pude, não muito. Ombro amigo.

A mãe, passado o primeiro susto, resolve agir enquanto é dona de si.
Resolve dividir seus bens em vida. Em alto nível. Fez uma festa, como sempre fez, matriarca que é. Família reunida, mesa farta, músicos. A senhora não economizou. Microfone em punho, conta o diagnóstico e divide os seus pertences. Pérola para Fulana, Pratarias para Ciclana. Colchas da Ilha da Madeira para Aquela lá. Casa da rua de baixo para a filha mais velha, casa da rua de cima para a mais nova. O marido gozará de certas liberdades, até então negadas. Não é mais hora para picuinhas.

A vida vai seguindo de novo. Mais dura, mais dolorida, mas é preciso sermos práticos. As filhas tomam posse das casas, precocemente herdadas e fazem bons negócios: abrem casas de festas. As pérolas, colchas e pratarias entregues. Seu cruel tratamento começa. Meu amigo ali, firme, consolado, consolando. Apóia incansalvemente a mãe.

Eis que a senhora, sabe-se lá Deus porquê, consulta-se com outro profissional do ramo. O seu médico, como na "Mentira" de Nelson Rodrigues, é o culpado. Errou. A velha senhora tem mais saúde que um cavalo de raça. Exames, testes, ameaças de processos no Conselho de Medicina. Gritarias ao telefone, e enfim,a boa notícia traz alegria. Muita. Ela não vai morrer, pelo menos não tão cedo.

Bem, o epílogo é a reação vitoriosa.
A prova da reação imediata, da ação vinculada ao fato novo. Tem gente que reaje. Gente que não se dobra.

A realidade mudou, muda seu comportamento. Gente que age com objetividade e decisão.
Sabem o que é melhor para si e não perdem tempo. Olham o presente, vêem o futuro.
Neca de passado, o passado já foi.
A velha senhora, no alto de suas faculdades físicas e mentais, chama a família de novo e pede, com a mesma pompa e circunstância, e pede que devolvam seus pertences.
As filhas vão ter que fazê-la sócia das casas de festas. O marido continuará casado com ela, com as mesmas obrigações de sempre.

Ela voltou. Está viva e por muito tempo. Deseja ser feliz até o último minuto e quer, com urgência, seus apetrechos todos, seus domínios. Seus equipamentos. Favor entregar. São dela. É dela sua vida, e não será jamais, a vítima.

Meu amigo conta estupefato. Disse que mamãe enlouqueceu.

Qual o quê, querido. Está sã, lúcida e atuante. Certa é ela. Bato palmas para sua mãe.

Maravilha, senhora. Maraviha. Fôssemos todos assim, retos e diretos,
teríamos menos diplomacias estúpidas e mais sinceras gentilezas,
menos ilusões e mais certezas,
mais firmes as amizades e os laços familiares.
Sem favores cobrados ou devidos,
tudo muito simples e esclarecido.

E teríamos, sábia e bem resolvida senhora, menos doenças e mais amor.

Após a chuva - Solar de Botafogo

Rio de Janeiro
Março, imenso

Solar lunar de Botafogo
Proteja-se - vem chuva forte por aí


Antonio Pitanga e Camila Rodrigues

Confesso que fui meio obrigada. Não gostei do release de "Após a chuva" - um negócio de diretor de teatro que decide confinar os atores até que chegue um outro ator maior. É fato que sou claustrofóbica, e esse tema me deixa nervosa. Por outro lado, não me agradou a graduação entre atores.
No entanto, estou em terapia, e pensei: bem, trancafiados estarão eles, não eu.
Esperando talentos superiores? Vamos ver. Fui.

Gente, não é nada disso. O diretor, o excelente Roney Vilella, não decide nada. A situação se encaminha para o precipício e ele não consegue evitar. Não tem outra opção. A Cia que dirige não tem patrocínio, não tem estrelas. O último razoável sucesso deu-se há oito anos (oito é o número que representa o infinito, curioso).

Os atores tem suas contas. Aluguel, passagens, alimentos. Ou melhor, tinham. Já perderam o crédito. Já pararam de se endividar, e de tentar pagar também. Assim, sem saída, ficarão acampanhados uns dos outros no galpão onde ensaiam, com o corporativismo dos mendigos. São obcessivos, unidos e alimentados pelo comando firme do diretor. A peça poderia chamar-se Extremos - a que extremo chega o discípulo. Ao sacrifício físico, emocional, intelectual. Priva-se, priva seu companheiro, seus filhos pequenos. Deve aos vizinhos, ao açougueiro, ao contador. É despejado. É desprezado pelos poderosos a quem pede ajuda. Ninguém acredita no fracassado.

Tive pena. Tive admiração. Sou de Touro, signo do conforto. Quero uma boa cama, travesseiros cheirosos e água quente farta no chuveiro. Belas refeições. Não me fale em dormir em colchãozinho, comer sanduíche de mortadela. Estou fora. Mas eles, os atores, sua esposa, sua trupe, eles topam e topam mesmo.

A peça é isso: vamos até o fim. Juntos no mesmo barco. O barco tem um furo, largo, entra água para caramba. Vamos mentir e dizer que é melhor assim, dá mais emoção.
Eu minto. Você finje que acredita. Tanta coisa funciona assim nesse mundo, porque o humano necessita, muito, de um ideal. Necessita muito de um ideal coletivo. Necessita muito de uma mão para segurar na hora que o barco afunda. Na hora que o grande amigo nos deixa.

Os jovens acreditam. Sobreviveram melhor. Jovens atores representando eles mesmos, provalvemente em dificuldades vividas.
O ator negro sucumbe. Sem saúde, as condições duras acabam com ele. O próprio Roney, que na TV Globo era sempre o capataz, aqui domina o palco na pele do diretor. Chega a estar encurvado sob o peso da desilusão, maior a cada dia. Todos aguardamos o momento em que confessará que o barco, na verdade, já afundou.

Camila Rodrigues é a visão suave neste cortiço artístico. Linda. Está no caminho certo e seus solos teriam mais êxito com textos mais leves, mas ela encanta com sua Cecilia, iniciante na arte, na vida, apaixonada pelo decadente diretor.

A peça começa e termina com os atores no palco, catatônicos, abandonados pela realidade. Entrei em silêncio, tive medo de incomodar. Saio meio sem jeito de deixá-los para trás, assim, sem esperança. No ar o cheiro do café feito no palco, para mantê-los acordados, e enganar a fome.

Peço desculpas pela má vontade inicial. Rabujice.
Espero que a chuva passe logo e que todos abram a porta, e que saiam para o ar fresco. Que estréiem a tal peça, ou outra. Que interpretem magistralmente seus papéis, e que sejam mais felizes.

Roney Vilella, entre Rose Lima e Vanessa Linx, a figurinista da Cia e a esposa do diretor.

sexta-feira, 25 de março de 2011

A Outra de Woody

Rio de Janeiro, sempre, graças a Deus
Arpoador

Gena Rowlands e Mia Farrow

Woody Allen jurou, há anos, gravar um filme por ano, até morrer. E cumpre sua jura.
Em 1988 lançou A Outra. Esta obra tem as marcas do gênio - e do amor verdadeiro: 1. permanece emocionante através do tempo; 2.compreende profundamente emoções que por sua natureza não seriam compreendidas.
O diretor realiza um filme essencialmente feminino, aprofundando sentimentos que os homens, pelo menos os brasileiros, fazem de tudo para ignorar. As mulheres tem outras rotas emocionais. Querem sossego. Querem aconchego. Querem estabilidade. Enganam-se tranquilamente para preservar uma relaçao, mas os homens não. Logo logo dão um jeito de sassaricar por aí. Por isso digo; o meu feinho preferido é inigualável. Tece a rede da trama com os nossos especiais anseios.

Inventou uma heroína de meia idade. Professora de filosofia, membro da Anestia Internacional, intelectual dedicada à sua carreira. Filha zelosa. madastra atenciosa. A senhora é um primor de qualidades, colhidas a mão.
Um pouco fria, um pouco distante, um pouco calada.
Leva a vida sob controle. Hoje. Esqueceu as paixões da juventude, a pintura, o magistério, o encantador melhor amigo de seu noivo.

Apaixonou-se, casou-se e assumiu a pacata vida dos ricos, ligeiramente entediados - jantares, festas, óperas. Saem todas as noites, trabalham muito e não conhecem a intimidade, a insônia e preguiça um do outro. Estão ocupados.

O destino deu-lhe um psiquiatra por vizinho. Enquanto trabalha em seu livro, escuta as narrativas dos pacientes, conflituados por sentimentos desordenados, desconexos, perigosos. Buscam, desesperados, por respostas.

Ela esquecera as perguntas, e pensou estar satisfeita em seu mundo cheio de respostas corretas. Vem vindo pela maturidade afora, substituindo a jovem que fora pela madastra conselheira, pela filha atenciosa, pela irmã distante, a escritora. Onde ela se perdeu? Como reencontrar essa outra mulher que foi?
Ela é a outra, escondida de si. O marido tem outra também, mas isso não importa em absolutamente nada.

Sente-se forte. Quer outra vida. E terá.
Tudo começa quando termina a dor - a outra vida, a outra mulher, a outra alma.
Mais amor. Mais ternura. Mais entendimento
E pergunto, diretamente: você aí. É você mesmo ou é outra pessoa, onde, onde anda sua verdadeira alma?

Encontre. Coragem.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Carta para uma amiga triste

Rio de Janeiro, 23 de Março de 2011
Cais do Arpoador



Querida amiga,

Antes de mais nada quero te pedir desculpas, escrevi assim, sem sigilos.
A carta é aberta, porque aberto está o coração de quem lê uma carta. Se lês uma carta, queres ouvir, queres escutar, não há leitor surdo aos apelos de uma carta sincera. Não posso, em minha compulsão pela escrita, perder um leitor sequer, que dirá os de coração aberto. Quero falar, e é para todos.

Amiga, esqueças essa dor. A dor é coisa feita do Demo. Não do Demo, Democráticos, lá a dor se cura, mas do Demo mesmo, do Inimigo. Ele existe, anda a nosso lado, e precisamos ignorá-lo. É daqueles chatos que se criam e crescem e se estabelecem, portanto não dê um segundo de assunto; multiplicam o mínimo que recebem para fazerem-se de íntimos.

Não hás de querer este tipo de intimidade. E também náo vais se impressionar assim facilmente com o Coisa Ruim. O Demo é um cara bonitão. Chega quando estás só, muito só, e oferece companhia. Vem travestido de tristeza, de solidão, de mágoa. Até de saudade a criatura se disfarça. Quem está triste, está mal acompanhado.

Outra coisa: não faças pacto, não se comprometa. Ele é desleal. Aquilo de "hoje vou chorar tudo que tenho para chorar, amanhã é um novo dia". Mentira. Vais chorar e não vais mais parar, porque como uma boa dose de uísque, traz algum alívio, mas chama uma segunda, e mais a terceira. Vais chorar um mar, vais beber uma garrafa, e não vais se consolar. E o Demo ri de ti, covarde que é, a tristeza enfraquece, não há mérito nesta vitória.

Nosso coração não foi feito para abrigar a dor. Aliás, nosso coração tem não sei quantas válvulas para filtrar e deixar escoar o sangue ruim, veja bem, a natureza é sábia, esse design cardíaco é um sinal: separe o que não presta e deixe escoar.

Escoou? Não? Bem, então vou te contar uma história. O amor, conta a mitologia grega, nasce da cópula entre Afrodite,a deusa do amor, e um mendigo, que rondava o banquete dos deuses. Embriagados, concebem o amor. Herdou da mãe sua face sublime, sedutora; e de seu pai, o que há de reles e desprezível.
Por isso quando amamos, caminhamos sob tênue fio de equilíbrio, ora no deleite, ora na sarjeta. Quando teus pés pisarem a sarjeta,dê mais um passo e avance para o outro lado da calçada. E sorria, venceu, escapou dele.
Escolha o lado melhor do amor, e fique nele. Não tem lado melhor? Mude de amor. Mude de sentimento. Se te faz chorar assim, não é amor. É praga que te rogaram. Que ninguém te empurre para a sarjeta da tristeza; aliás, a tristeza, volto a dizer, é coisa do inferno. Coisa que te consome. Coisa que te domina, e quando vês estás triste 24 horas ao dia. Se estamos tristes negamos as alegrias da vida, e até nos irrita alguém feliz, há pecado maior? Há pecado maior que viver sem ânimo, sem convicção, sem sonhos, sem suspiros? Que somos nós neste mundo, pedras? Não, temos carne e alma, temos dentes, temos olhos. Tudo em nós pede vida. É um pecado mortal não viver. Expulse a tristeza de teu coração, e volte a tomar café da manhã em paz, com tuas frescuras matinais, tua mesa posta com gosto, e um cheiro bom de dia novo, novinho em folha. Nào me comeces mais um dia com essas lágrimas de saudade, sabe-se lá de quê.

Não duvides de mim. Tenho um anjo que sopra em meu ouvido, e não ouso duvidar dele... te digo, a pedido: não fiques triste. Vai contaminar o ar ao teu redor. As pessoas e os pássaros se afastarão, e só os tristes ficarão. É coisa feita mesma, até quem tem corpo fechado sente. A tristeza se espalha e contamina o ar. Espanta. De longe conhecemos uma pessoa triste; ela anda devagar. Os felizes tem passos mais céleres, mais ritmados, estão em sintonia com a música que vão cantando dentro da sua cabeça. Olha aí de novo: cantar espanta os males! Manda para longe os maus espíritos.

Vamos optar pela lucidez, que protege das ilusões, das chagas, das mágoas. Quanto mais lúcida, mais forte. Quanto mais forte, mais vencedora, e a condição, nesta vida, para ser amado, é ser guerreiro. Ninguém ama um fracassado. Tem-se por ele consideração, a léguas do amor.

Páro por aqui e sei que entendeste meu recado.
Vença sua dor, amiga, e volte a sorrir com seu rosto de moça bonita.

domingo, 20 de março de 2011

Uma carta para você

Leblon,
Onde olho vejo arte

Tudo que eu queria te dizer



Eu tinha muito, muito o que te dizer,
e não sabia como.
Tinha medo, tinha escondido de mim.
Não conseguia verbalizar o que espero, o que sinto, o que desejo.
O que me assusta e o que me consola.

Mas Martha Medeiros sabe. E fez. E Ana Beatriz Nogueira sabe como dizer. E diz.
Uma escreve. A outra diz. Eu, a terceira nesta relação, assisto.

Ela entra no palco, e estou convencida que a Tv engorda, achata e enfeia.
É mais alta, mais esguia e mais bonita ao vivo. Ana Beatriz Nogueira é uma mulher elegante. Cabelos, olhos, pele, sorriso, mãos. E jovem.

Entrou com passos firmes, e ao mesmo tempo, suaves. É isso - veremos a verdade suavemente, sucessivamente, firmemente. Pelo corpo da atriz desfilarão seis mulheres, e não resisto. Preciso descrevê-las. Lembro delas dia e noite,
lembro de seus sentimentos. Estão comigo pela minha casa, tornamo-nos amigas.

A minha primeira amiga avisa ao marido que teve um sonho de amor. Com um beijo delicioso de amor. E não era com ele. Chega desta vida. Vai deixá-lo. Chega viver sem amor, sem emoção, ela quer beijar, quer amar. Abre mão do casamento, do lar e vai comprar a briga da independência, e sabemos que não é para qualquer um.
Esta mulher encanta-me. Há um pedaço de mim, de minhas amigas, das primas. Há um pouco de todas as mulheres, não nos contentamos, nunca nos contentaremos com a ausência do romance. É preciso estar apaixonada, e lutamos por isso.

A segunda é o outro lado da moeda. A jovem amante. Abre mão do marido da outra, enjou-se dele, está devolvendo a sua dona seu brinquedinho que não mais interessa. Sofre, porque o ama, mas sabe que não será amada, não será nada, e tem coragem também para desistir. Outra que não contenta-se com uma relação sem amor. É engraçada e irônica em sua narrativa sobre o tal sujeito, as críticas magoadas tem sua dose de humor. Esta já deve ter passado coisas piores. Fico intrigada: devo conhecer algum bossal como esse e não me lembro.

A terceira é uma velha. Escreve para o marido morto há quarenta anos. Está idosa, doente, esquecida. A atriz envelhece 50 anos ali em nossa frente.
Admiro o amor pelo falecido. Poucas são os que amam os vivos, que dirá os mortos,em sua maioria esquecidos. Ela dorme todo dia sem saber se acorda, mas sabe que vai acordar para escrever mais uma carta. Meu Deus. Será que quando eu morrer alguém escreverá para mim? Dirá o quê? Que sou para os que amo? Que deixarei, além de números e palavras? Adoraria deixar assim, um amor eterno.

A quarta é uma doida de pedra. Escreve para o psicanalista, sob recomendação. Está enjoadíssima de tudo. Amarga, não quer sexo, não quer crianças, não quer saber de política. Afirma categoricamente que não existe amizade ou amor; agrada-se o próximo para ter-se um pouco de companhia. Ela não vai entrar nessa.Quer a solidão e o isolamento. Não suporta a sociedade e no fim, já não suporta o psicanalista.

A quinta impressionou-me. Ana Beatriz está de costas e vira-se. Incorporou. É uma bruxa. Encolho-me na cadeira e escuto sua risada. Mas quem assina é a vítima da bruxa. A moça crédula que foi consultá-la. Sua morte foi prevista. É para breve. Está apavorada. Pede ajuda a amiga, marido, ninguém a ouve. Só pensa na sua morte, que se aproxima e ela não sabe da onde virá.
A carta termina em desespero. Tenciono ajudar, conheço cartomantes, mães de santo, tenho uma equipe de emergência, mas sei que não me ouvirá. Está perdida no próprio temor.

A sexta, que finaliza o espetáculo, é a própria Ana.
Dirige-se ao público e à autora.
Agradece, pede, conquista.
Carinhosamente chama a peça de stand up book - livro em pé, referindo-se ao texto original.
Acho que o nome pega. Acho que tudo que fizerem juntas pegará.
Pegaram todos que foram, colocaram em um envelope e despacharam, para a terra das mulheres especiais.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Somos todos subvertidos

Março de 2011.
Leblon,
terra da arte.


DIVERSÕES DISTRAÇÕES GOZAÇÕES

Estou falando de SUBVERSÕES

Aloisio, Marcia Cabrita e Luiz Salem, em Subversões 21

E vamos nessa.Vai embora nessa linha, é o que há. Para rir sem parar.

Começou. Entraram pelos corredores vestidos de pai de santo, espalhando arruda e benzendo a platéia de famosos.
Anônima que sou, ganhei uma arrudada no ombro. Ótimo, foi de Salem, o alto astral dele dispensa a própria arruda. De turbante branco, não precisa de mais nada para fazer rir. Seguiremos rindo pelas próximas duas horas.
Inventaram uma entrega de prêmios. Anunciam uma categoria, por exemplo: " prêmio Wilson Grey". A explicação dos critérios é de chorar de rir; o ator brasileiro, que gravou 180 filmes nacionais, em língua portuguesa, para exibição nacional, em todo o território do Brasil. Depois citam os candidatos, um sempre destoará dos demais. O vencedor é Selton Mello. Luzes pela audiência. Veio, não veio? Ah, não veio porque está filmando. Em outras categorias, é marmelada, os vencedores estão sentadinhos rindo e assistindo, e sobem para receber o troféu. Escolheram bem, cada um na sua especialidade. Alexandre Borges, Julia Lemmertz devia ter ido, não foi. Categoria: inveja. Casal Feliz, bonito e rico. Sobe sozinho, mudam então a categoria de casal para galão. Dira Paes, Maite Proença, Cissa Guimarães, Luiza Brunet, Paula Toller, Isabela Capeto, Liege Monteiro. Quem mais filma, quem mais apronta, quem é mais sei lá o quê, quem é rainha de bateria para sempre, qual Isabela Capeto veste mais Isabela Capeto, quem arruma pulseirinha de festa para todo mundo. O tal troféu é uma pândega. Um bichinho de 1,99 mal colado ao fundo de um baldinho colorido de 1,99. A pessoa fica meio sem graça de receber aquilo. Poses, fotos, risos. Deboches gentis.

Sabe o que mais gostei? Do escracho. Descem o sarrafo na chatice, na bossalidade, na imposição, na cafonice. Riem de si, dos outros, da Globo, de Caetano, de Vanusa, da Lady Gaga. Riem dos casais gays combinadinhos, dos casaisinhos gente boa, e dos gays todos. Riem das promoters, dos diretores, de Marilia Pêra. Longos risos para os heteros, encalhadas, frustados, os bi (Salem ensina: não se usa mais isso de ser gay, o lance é ser bi). Dos bem sucedidos, dos solitários, do galâ da Globo, dos micos das famosas, dos filmes, enfim, riem da vida urbana, contemporânea, e suas variações. Esquecem esse negócio de meias palavras. Falam, cantam, rebolam, se abraçam. As bichas adoram ser bichas e Cabrita adora ser Cabrita. Muitas perucas para Márcia Cabrita – prova que também sabe rir da própria história, e que a comédia é o melhor remédio. Cura tudo.

E eu, nessas horas, mais que em outras, adoro ser espectadora. Estão promovendo um espetáculo que levanta seu astral. É crítica? É. Alguém precisa fazer. Pegue um lance chato. Você vê que estão forçando a barra. Pode criticar ou gozar. Aliás, avisam: gozam mais que em motel.
O humor nasce da crítica, vamos levar na esportiva o que incomoda. Se não tiver do que reclamar, cara, não tem do que rir.

Pense bem: você foi ao Lapa 40 Graus e achou quente, o Carlinhos de Jesus estava ensaiando uma comissão de frente, e você achou um saco. Foi ao Porcão da Barra, metros de fila, cheiro de gordura, boazudas, fortões, achou tudo um saco. Foi ao teatro no mezzanino do Sesc de Copacabana, não entendeu a peça, e achou um saco. Quer meter o malho na Sandy, mas todo mundo já faz isso, fica chato bater na mesma tecla. Opa, opa, opa. Os subvertidos vão submeter os chatos à ótica dos engraçados. E todo mundo vai rir, até os submetidos.

O momento mais hilário do mundo foi Salem e Aloysio, de camisa de renda preta, parodiando Caetano em “Guanabara”.Caetano estava ali, incorporado na dupla, gestos, trinados, mãos no cabelo, olhares, balançadas de cabeça. A Guanabara em questão era a Pizzaria Guanabara – " o gerente é cego.../ o garçom é cego.../ E o cliente não enxerga mesmo muito bem...". Não, injustiça. Cabrita de Vanusa, trôpega, desmemoriada, cabeleira para lá e para cá, canta o hino nacional em ritmo de "Fui eu". Não lembra o nome dos filhos, com quem casou, trocou, esqueceu. Fecham com chave de ouro.

São atores e é seu ofício interpretar, mas não quero crer que sejam diferentes do que vi. São fofos até falando palavrão. Caras de pau, desajeitados, despeitados. São queridos, muito, por todos, por mim - gostamos de estar perto de quem nos faz rir.
Sinal de saúde. Eis que confirmei outra coisa – rir faz bem, muito bem; digo mais, sem bom humor é impossível ser feliz.

quinta-feira, 17 de março de 2011

O Cabaré de Ute Lemper

KABARETT

Rio de Janeiro
Teatro Oi Casa Grande
Grande Leblon


UTE LEMPER
Kabarett

A diva dos grandes musicais, a alemã Ute Lemper

Senhores, eu vi e ouvi. Digo mais, caminhei; atendi ao sinuoso e sedutor convite da voz magnífica de UTE LEMPER. Nos seus pés, e em seus braços de bailarina, fui para Berlim, antes e depois da guerra.
Começou nos anos vinte, com Brecht. Cantou o impacto do nazismo em sua obra. Cantou sua dor e sua alegria. Fomos indo para França, beijamos Piaf e voltamos para Berlim.

A interpretação de UTE LEMPER está além de poder fazer o que quiser com sua voz e com a elegância de seu corpo. Graves, agudos, roucos, sax, jazz, tango. Estamos aos pés de uma profissional exímia, que aprimou os dons recebidos com rara precisão e disciplina. Seu ponto de perfeição reflete incansáveis anos de dedicação. Canta Piaf, Weill, Brecht Piazzola. Estamos diante de um talento clássico e privilegiado, de uma prova viva dos grandes musicais – Cabaré, Chicago, Cats, Anjo Azul. Prêmio Moliére de melhor atriz. Musa de Maurice Bejart e Pina Bausch.

Entendo todas as palavras de seu inglês perfeitamente audível. Todas as letras são pronunciadas com clareza. Muito confortável ouvi-la falar, e seu canto fascina os ouvintes. Não foi ‘a toa que dublou a voz da Pequena Sereia, em sua versão alemã. Dentre todas as suas habilidades, como cantora supera-se. Sua voz levará quem quiser para outros territórios, reais ou não.

A fantástica dama dos compassos é também show woman. O público sequer pisca, absorvendo o bom humor e a sensibilidade que marcam sua narrativa rica de informações. Generosamente divide seu conhecimento sobre as composições interpretadas, e visitamos os panoramas que influenciaram criações de gênios. Preciso reconhecer: não brilha sozinha. Está em ótima companhia - o pianista mágico Vana Greiger, que ela entusiasmadamente avisa que é seu eterno acompanhante - e o "bandido", Tito Castro, em seu bandoneon argentino.

Depois do balanço de Mack the Knife, o aplauso final. Para o bis, um ne me quittes pas de doer o coração.

Aguardo sua saída. Sai simples, sem maquiagem, agarrada a uma garrafa de água mineral. Serena, parece menor e mais magra que no palco. Rendo minha homenagem à diva: Lady, you are wonderful, thank you for the great nigth. Estende a mão, e agradece.
Muito chique.

Realmente, a vida é um Cabaré, e com Ute, um dos bons, e dos chiques.

Ute and me

quarta-feira, 16 de março de 2011

As mãos do meu bem

Rio de Janeiro,
Metrô.



As mãos do meu bem


Eu vinha no metrô distraída de mim e atenta aos outros.

Uma moça no banco em frente falava ao celular.
E o segurava com suas mãos, claras,
Pequenas, magras.
Com leveza, superficialidade.
Parecia que suas mãos eram fracas.
As unhas finas, as mãos pequenas.
Mãos que servem para suave carícia em uma flor.

Olhei para as minhas mãos.
São brutas, não parecem mãos femininas.
As unhas são quadradas, curtas, infantis.
As palmas são largas,
E o dorso é marcado por veias.
Mãos feias.

Lembrei-me neste exato momento das mãos de meu amor.
Como servem perfeitamente para as minhas mãos brutais!
São maiores, bem maiores que as minhas.
Mais amplas, mais macias.
Carnudas.
A pele é toda por igual, lisinha.
Arredonda, arremata, aveluda,
Com conforto, com segurança.
Uma mão gigante de criança,
E que lembra a criança feliz que ele traz em si.
Em cada uma, enfeites representativos,
E que o apresentam também.
São mãos que jamais bateriam em ninguém,
Não precisam.
Convencem pelos gestos, pela expressão.
Expandem-se ao redor dele,
Quanto fala, quando explica.
São mãos persuasivas.
São mãos que comandam.
Que montam palavras e textos,
Digitam, telefonam, teclam.
Separam idéias, organizam feitos.
São mãos que disparam ações e acertos.

E digo, e afirmo,
Uma só de suas mãos vale o ardor de um corpo inteiro.
Uma mão dessas na coxa, rapaz,
Espalha calor do ombro ao tornozelo.
Nas costas é como um cobertor
De carinho, de proteção, de zelo.
E por onde menos imagina
Essa mão enorme se ajeita,e onde pousa, enfeita.
E me tenta.

Como pode a mesma humanidade
Ter mãos imprestáveis e mãos assim.
Como posso eu resistir,
A tuas mãos, pedaços livres da tua vontade,
Passeando na minha carne, no meu pensamento,
Passeando por mim

A vida dos outros, um dos meus preferidos

Rio de Janeiro
Domingo nublado
Combina com o filme

Março

A vida dos outros



"Recebi uma missão. Mais uma em minha carreira.

Não vou interrogar, nem prender. Pelo menos não por ora.

Quero levantar provas. Provas do que estão tramando contra nós.

Serei ainda mais metódico e disciplinado.

Pela primeira vez, sinto-me curioso. Não costumo ter curiosidade. Executo meu dever sem deixar que essas coisas me atrapalhem.

Sou um especialista da observação. Observo, de perto e diretamente, sob a luz forte do holofote, o comportamento dos suspeitos.

As informações que obtenho condenarão os conspiradores. Arrancarei deles o que for que estiverem tramando.

E o faço pelo Estado Alemão. Pela Nação Alemã.

Investigo, busco, escuto, relato. Concluo.

Há coisas estranhíssimas com este casal de artistas. Um escritor e sua atriz. Não é simples. São inteligentes. Ela, atriz, bela. Viciada. Conflituada. Inimiga de poderosos. Sem forças.

Observei-os em silêncio, para escutar certas verdades amargas, inaudíveis para o cidadão comum.

Doeu um pouco para reagir.

Foram o piano e as juras de amor, e o barulho dos beijos - há quanto tempo não beijo ... Foi a visão dessa mulher, e de sua estranha beleza.

Foi o talento do escritor. Seu sucesso. Sua fidelidade inocente a seus amigos, à sua causa. Sua força.

Tudo neles humilha-me. A quem sou fiel? Para quem importo? Quem me abraça no frio da noite? Para quem escrevo0? Quem me excita, quem me aplaude? Quem me agrada?

Ninguém."



Essas palavras poderiam ser de Weisler, agente secreto da RDA - República Democrática Alemã. Não são. São seus pensamentos, sei disso. Conheço-o, estive com ele algumas vezes na minha sala. É um personagem fascinante. Mau. Mau e bom. Vilão e herói. Cruel e Generoso. Humano, por imperfeito, e perfeito em seus defeitos.

Mas nem sempre foi assim.

Cuidado. Conhecer a vida dos outros pode ser perigosíssimo. A testemunha também corre riscos. O maior deles é não ser mais o mesmo.

Assista um casal em seu ninho, de pertinho. Assista o desejo deles, sua compreensão, sua luta comum. Assista os sorrisos, os olhares. Os pequenos presentes.
Vives assim? Não? Como? És um solitário? Tua solidão te parece maior, ou mais penosa?

Assista os revolucionários em ação. Conspirando. Sussurrando. Arriscando-se.
Sentes que és um covarde? Um inútil? Um fraco, acomodado?

Assista o cerco fechando-se. Vais ficar aí parado? Vai ser mais um?

Troque de papel. Passe de espectador para roteirista. Não seja o vilão, e sim o protagonista.

E finalmente, vinga-te.

Vinga-te de tudo que te foi negado. De tudo que te foi dado e tirado.
Carreira. Dinheiro. Amor. Reconhecimento.
Dos anos entregues a causas infrutíferas.
De tudo que te dói no escuro do teu quarto, no carro parado no trânsito, na boca fechada de quem não pode reclamar.

Com ousadia, conquistaste o poder da manipulação. Lambuza-te com ele.

E ainda que mais ninguém neste mundo saiba, saberás o que fizeste. Saberás até onde foste, há sangue ainda em tuas mãos. E há vitória.

A mais rara e privilegiada vitória - a vitória secreta. Para a qual não se atribui nota ou julgamento.
Aquela inegável, indivisível, inconfiscável vitória.

Mude a vida dos outros, mas salve a sua. A sua, só você pode salvar.


Nota - Este é um filme especial. Para se ver com alguma solidão.
Neblina, ambientes sóbrios, pouca ou nenhuma música.
Há mais medos que sorrisos.
No entanto, todo o tempo, percebe-se a paixão pela vida, que arde em seus personagens. Aí está: faz arder o fogo sob o frio.

domingo, 13 de março de 2011

Antes que o mundo acabe

Rio de Janeiro,
Março de 2011

Terreno minado do Arpoador



Moro a um quarteirão de duas praias, e a dois quarteirões de uma terceira; uma tsunami me acerta em cheio, e de primeira.
Estou próxima de uma favela dominada há anos sucessivos por marginais. Ferozes, organizados, sedentos por mais armas e mais poder.
No Rio de Janeiro há enchentes e epidemias; e ausências de políticas preventivas, opressivas, ou simplesmente racionais.

Encontro-me sob ameaça de alagamentos, assaltos, e balas perdidas.
Assisto diariamente a misérias e mesquinharias.

Por isso não falarei do Japão, ou do Haiti, ou de Teresópolis.
Não falarei das forças furiosas da Natureza,
ou da maldade do Homem.

Não falarei dos terrivelmente injustiçados pela sorte,
pelas ondas, pelas chuvas, pelos vulcões,
ou pelo abandono de seus progenitores cruéis.

Pretos, brancos, japoneses,
serranos,
judeus, africanos, meninos indianos.

Eu quero é falar com Deus,
Que é Pai para os que se entendem como bons,
E o tem como divina referência,
E é carrasco, para os que conhecem os maus pais,
na forma desprezível desta ascendência.

Eu gostaria de vê-lo antes que o mundo acabe
e perguntar-lhe porquê
tantas tragédias coletivas e individuais,
tantas histórias interrompidas,
tanta criancinha sofrida,
tanta alma dolorida.
Tanta gente desaparecida,
sumida pelo chão, e tanta,
tanta terra rachando,
tanta água inundando,
E como se mais não faltasse
ainda temos que nos preparar:
usinas gigantescas ejaculam precocemente seu estéril orgasmo nuclear.

E gostaria de ter logo esse encontro,
Cara a cara urgentemente com Ele,
Botar a mão em seu ombro e encará-lo, olho no olho.
Frente a frente.

E breve, para ontem.
Depois não.
Senhor, depois já foi.

E Ele vai saber que não me engana,
eu sei de seus planos.
Cansou-se do Homem,
Quer destruí-lo,
passou para o lado do inimigo.

Mas eu continuo no mesmo time - o dos amigos.
E é um tíme fortíssimo.
E tal qual no filme de Freeman e Nickolson,
Daremos cabo dos itens da lista.
Realizaremos as melhores coisas da vida.
Aqui, agora e não depois.
Depois, de fato, já foi.

E Ele terá que engolir
que quanto mais obstáculos impuser,
mais faremos para prosseguir.

Somos teimosos, loucos, criativos.
Agarramo-nos cegos, uns aos outros,
Nosso plano é infalível: viveremos, portanto, para resistir.

E livres, felizes, e em paz, até o último segundo.
Até que a Terra e a guerra passem,
Até que se acabe o mundo.


Nota: O filme em questáo é "Antes de morrer", com os insuperáveis Morgan Freeman e Jack Nickolson.

sexta-feira, 11 de março de 2011

Sebastiana, a tal Fulana do Requebrado

Sebastiana, a tal Fulana do Requebrado

Para quem não sabe: Sebastiana é o nome fantasia da Associaçao Independente dos Blocos da Zona Sul, Centro e Santa Tereza.

Tem Sebastiana aí nesse salão! A presença do meu amado Cordão, à direita, no palco no Monte Líbano

Tenho décadas (não muitas, claro) de Carnaval.
Nem sempre foram de Carnaval brincado. Carnaval trabalhado, Carnaval viajado, Carnaval na maternidade. Este ano dei-me o luxo de um Carnaval sonhado - presentear-se tem sabor especial.

Começo aceitando o convite para o Baile da Sebastiana, no Clube do Monte Líbano. Quadra nobre da Zona Sul, entre Leblon e Lagoa. Marco das das famílias tradicionais, abastadas, bem sucedidas.
Lembrei-me de meu tempo de estudante, dinheiro contado e sonhos incontáveis. Vivemos em um país de sonhos possíveis, que bom.
Fui eu ao Baile do Sebastiana no Monte Líbano. Coração em dia de Carnaval.

Noite linda, jovens na porta esperando seus pares, suas turmas. O pessoal da portaria pede o convite, entrego assim meio sem querer soltar-me dele. Revistam-me, certificam-se que não tenho armas, na verdade, a arma sou eu, e estou em ponto de bala.

As coisas não são por acaso não gente. Piso no baile e O Céu na Terra está a encher o salão com O Baile dos Mascarados, ( quem é você? adivinhe se gosta de mim, hoje dois mascarados procuram os seus namorados perguntando assim) Ora, sou fã do Chico. Sou fã do Céu da Terra. Além disso, enviei horas atrás a letra desta música para um amigo, produtor, que precisava de uma trilha sonora, suave, com referência ao Carnaval. Dentre todas, escolhi essa - marchinha lenta, samba canção, sei lá, já entro na malemolência da melodia.

Tudo que começa bem, dizem, segue bem, e foi o caso. Repertório de alto nível. E a decoraçao? Imagine as ruas do Rio cobrindo as paredes, o palco, as colunas. Fotos do Rio, de ruas boemias, homenageadas pela qualidade ímpar da execução da arte. A sensação era de estar em uma cidade cenográfica, no Rio, perfeitamente localizado e identificado.
Paredes, tijolos para gente se encostar e beijar de madrugada.
Sacadas, esquinas, postes, cadeiras de bar. Lousas com preços de petiscos abrem o apetite. Luzes coloridas para dar o tom da folia. Para o palco, uma perspectiva belíssima do Arco dos Teles convidava a entrar e pedir um chopp. Encantei-me. Fui tragada para esses becos cariocas, maravilhosos, e quero passear por todos eles.

A beleza dos sobrados e sacadas da decoração, e a bateria da Sebastiana

E vem o Cordão do Bola Preta palco adentro. Melhor que o Cordão, só o Cordão de novo. Tocaram por 3 horas sem parar. Fôlego de atleta e músicos de primeira.


Tomo uma cerveja. Entra a Bateria do Sebastiana, e suas mulatas que não são deste planeta. Depois do Carnaval preciso voltar a malhar.

Vejamos: samba de primeira, ambiente de primeira, cerveja gelada. A vida, queridos, náo é brincadeira.

E para entender melhor a importância deste evento para o Carnaval Carioca, é preciso explicar outros Carnavais que não tiveram a mesma sorte. Nos idos de 1980 e 90, Tvs e revistas iniciaram uma divulgação massificada do erotismo explícito que imperava nos camarotes de alguns dos bailes da Zona Sul, com mulheres inclusive pagas para isso. Ganharam rios de dinheiro. Mas foi uma estratégia prejudicial a dignidade do Carnaval, digamos assim. Muitos, muitíssimos homens que frequentavam os excelentes bailes da Zona Norte trocaram de rota e seguiram atrás da prometida farra, diminuindo a popularidade dos tradicionais salões da Tijuca, Grajaú, Méier e Vila Isabel, por exemplo. Pagavam mais para encontrar o que nem sempre estava disponível. O Carnaval tinha mudado de cara, e tinha sido para a pior. A arrecadação de valores mudou de mãos. O Carnaval saudável e inocente empobreceu, teve suas verbas reduzidas.

O Baile da Sebastiana, no Monte Líbano, foi o belo oposto. Vitória dessas que só o tempo e as viradas da economia permitem. Carnaval Bonito, fantasias, máscaras, pessoas de todas as idades e gerações. Famílias. Namorados, Solteiros, Disfarçados...Brincaram, paqueraram, sambaram com vontade. Curtiram o melhor da Folia. Nada de erotismo, apenas... charme. Você pode dizer para quem quiser que esteve lá. Ficará bem na fita. Sua reputaçao continuará familiar.

Que ótimo que me presenteei com esse Carnaval.
Beijei a mão da Sebastiana, e confirmo: ela é a tal Fulana, a cadeiruda do requebrado.

O painel,lindo, e esta que vos fala, a sebastianar...

quinta-feira, 10 de março de 2011

Eis que Liverpool samba gostoso

Rio de Janeiro

Bota Bota Fogo nisso

Terceiro dia do Carnaval - o quarto dia é de total sigilo

It is a hard days night
Vamos requebrar

Sargento Pimenta


Segunda-feira, 7 de Março, Sargento Pimenta

Que idéia ousada. Rock, rock and roll, em inglês, com arranjo de marchinha, de maracatu, de samba enredo. Sinto-me isenta e imparcial. Nunca curti os Beatles. Achava as vozes baixas, finas, distantes.
As músicas meio iguais.
Sempre preferi uma batida mais forte, digamos assim.
Porém, ah porém, as coisa mudam.
Caetano Veloso, lembro-me, em entrevista antiga disse que adorava os Beatles, não só porque mudaram a cara e as roupas do mundo, mas porque fizeram lindas canções. Pois bem: os Beatles fizeram lindas canções e o Sargento Pimenta fez dançar.

Cantar rock em ritmo de samba, ou se preferir, samba em inglês, na segunda de Carnaval? OH YES. Eu vi, e digo porque vi. Botafogo parou para cair no rock. Eu também.
Ia inocentemente em outra direção, e juntei-me às quatro mil pessoas, que naquelas ruas pequeninas - Capitão Salomão, Visconde Silva, Visconde de Caravelas - equivalíamos ao dobro, ao triplo. Eu e meu amor valíamos por toda a bateria.
Contagiante. Tomaram a segunda adentro, Botafogo adentro, a cabeça e o corpo adentro. Caetano tem razão. Os Beatles mudam a cabeça da gente.

Sargento, Help me. Eu era mais jovem que hoje, e nunca precisei de ninguém, mas esses dias passaram, e hoje preciso da sua ajuda, gosto muito que esteja perto de mim. Meu amor, I wanna hold you hand, quero te dar a mão e espero que você entenda. And I Wanna feel all right... Já que todos vivemos no submarino amarelo... As letras em inglês, fáceis de repetir, sem medo de errar, fáceis de entender, e cá para nós, o sotaque dá um ziriguidum especial ao requebrado.

E só dançar, marchar, maracutear. Siga a multidão, deixe o rock sambar. Divertidíssimo, engraçado, caricato. A camisa da banda inspirada na capa original, soldadinhos coloridos da Rainha Louca....

Estamos no Rio, terra da liberdade, tal qual Londres, onde tudo, ou quase tudo é possível. Principalmente, é possível ser feliz. Por outra - o principal no Rio, ou em Londres, é ser muito feliz.

A Banda Sargento Pimenta formou-se há dez anos, em Guarulhos, para tocar Beatles, em ritmos brasileiros. Arrebentam. No site oficial da banda, oferecem sets especiais conforme o perfil da casa que os contratar, portanto são, digamos, bons mercenários da música.
Ambiente romântico? Dançante? Quer ir de Submarino Amarelo? Tudo bem, it's all right, será feito. Maravilha atender a vontade do freguês.

Atenderam e superaram. O povo enlouqueceu. O Sargentão sabe unir os dois mundos - rock e samba - e ainda ofereceu o som que o povo quer. O povo quer Carnaval? Dentro de um universo de 400 blocos, ofereceram Carnaval londrino. Venceram a burocracia municipal para emplacar a idéia. São 400 blocos de rua, vamos combinar, é um Muro de Berlim a ser transposto. Melhor dizendo, um Rio Tâmisa. Coragem, hein meninos?

A coragem foi mais uma vez, bem sucedida. Como é bom abusar, abusaram também na mistura do profissional: 10 músicos da formação do grupo e 70 amadores na bateria.
A mistura funciona e eu não resisti, e nem meu amor.
Ao primeiro acorde, botamos para quebrar, ou melhor, para requebrar.

Quero saber onde se apresentarão. Quero ir. Fiquei fã.
Pepper, I wanna hold your hand.


Beatles, capa original, 1967.

Quem me dera o Bola todo dia

Bola Preta - o Quartel General do Carnaval
Rio de Janeiro, vamos pela Av.Rio Branco
Vamos para a Rua da Relação
Bola
Bola no coração


O cordáo dá um banho no centro da cidade, banho de gente e de animação.
Sábado, 5 de Março de 2011.



Quero ver o povo colorido. Mas pode ser em preto e branco mesmo.
O Rio liberto, musical. Não posso perder um segundo. Prossigo no Bola. Deixa o Bola rolar, com sua família do Carnaval.



Quem não chora não mama,Segura meu bem, a chupeta
Lugar quente é na cama, Ou entáo, no Bola Preta
Vem para o Bola meu bem, Vem para o Bola meu bem
Com alegria infernal, com alegria infernal.
Todos são de coração,todos são de coraçao
Foliões do Carnaval, Sensacional


Estive no Bola por três vezes neste Carnaval. Por três vezes fui privilegiada pela emoção da folia, pois aqui todos são foliões de coração, e o coração fala mais alto que os trombones e os bumbos. É fato: me esbaldei, um Carnaval que começa e termina no Bola não pode ser diferente. É quente.

O Bola extrapola, e eu extrapolei também. Banhei-me em sua alegria, único bem indispensável à vida. Escorria pelas paredes, pelas portas largas, pelo salão.
Fartei-me.
As paredes de tijolo e cimento aparente estão cobertas com bandeiras, bonitas, bem desenhadas, coloridas. Escondem o acabamento tosco e homenageiam grandes composições: Mulata Bossa Nova, Balancê, Iê Iê Iê, e por aí vai. Vamos fazer assim também: esconder nossas (poucas) dores com (muitas) músicas estampadas em faixas imensas e coloridas.
A grande homenageada aqui é a música, é a banda, é o talento dos compositores brasileiros. Tiro o chapéu, de panamá, lógico.

Na macarronada, a presença marcante de senhoras. Senhoras septuagenárias, e outras ainda mais avançadas na linha do tempo. Estão enfeitadíssimas. Explicam-me que só vem uma vez por ano, e não falham há décadas. Juram voltar ano que vem. Sambaremos juntas de novo, quero cumprir esta jura, não juro mentiras.

E que entrem as drags, queens da Alegria, de toalhinha, brincam de ser mulher. São mais femininas que eu em sua graça. Arrasaram no salão.
Em seguida, Rainha, divina, é ovacionada pela banda, e pelos foliões. Sentimo-nos todos muito honrados pela sua beleza.

As drags, em toalhinhas


A amiga enfeitadíssima,e a chiquérrima Rainha

E mais baile, baile no Bola para fechar com chave de ouro meu Carnaval de amor.
Quem me dera, quem me dera o Bola todo dia. Carnaval com amor e fantasia todo dia.
Quem me dera essa fibra, renovável em sua perseverança, em sua categoria. Superam-se, e supero-me por estar aqui. Permito-me.
Sen-sa-cio-nal .

Um pouco da história, que explica a fidelidade e a garra dos bola pretenses: fundado em 1918, no Rio Antigo, no Rio de Sempre Lindo. Falamos, portanto, de 93 anos de luta pela causa. Atravessou sérias crises financeiras, e está em fase de revitalização. Ocupa uma sede alugada, na Rua da Relação. Passou por outros endereços durante sua história, mas sem dúvida a sede da Rua 13 de Maio marcou as noites da Cinelândia. Foi leiloada em 2007, para quitar a dívida de oitocentos mil reais de IPTU. Ironia ou não, no mesmo ano, o Bola Preta ganhou o título de Patrimônio Cultural Carioca.

Pela primeira vez conseguiu patrocínio de uma Boa cerveja. O Presidente, sr. Pedro Ernesto Marinho, tem feito de tudo para manter vivo o Bola Preta, e transformar a agremiaçao em um negócio sustentável, sem perder a identidade inconfundível do cordão. Desafio que está sendo atingido. Apresentam-se em bailes e festas particulares. São contratados, mas o cardápio musical não se negocia: só marchinhas, sambas enredo, e sambas tradicionais. Não tocam axé nem funk. É a dignidade do Carnaval. O Bola está dando seu jeito - quem não chora, não mama - e com sucesso fez mais um Carnaval maravilhoso.

E viva. Viva suas fardas impecáveis, seus metais reluzentes chamando para a fanfarra. Viva a banda que toca alto, a compostura de seus músicos. Viva seu hino, sinônimo de baile, de festa. Composto em 1930 por Nelson Fonseca e Vicente Paiva, e imortalizado em 1959 por Carmem Costa. O hino convoca a comparecer, e com alegria infernal. Adoro.

Sei que no Paraíso deve imperar uma alegria infernal. Viva o cordão e vivamos eu e meu amor, que o cordão nos amarre e nos leve cantando.

Com orgulho, muito perto deles, das estrelas do Bola Preta

quarta-feira, 9 de março de 2011

Tem Boi no Rio - é o Boitatá

Rio de Janeiro,
Praça XV
Cordão do Boitatá
Dia Dois do Melhor Carnaval do Mundo



São quatro dias de fantasia, o primeiro é do Bola Preta, e o segundo do Boitatá.

O coração ficou no Bola, e o corpo foi a farra do boi. Eu preciso defender meu boi, meu Boitatá.

Dou um Boi para ir e uma boiada para ficar - trata-se de um evento de respeito: o Cordão do Boitatá saiu pela primeira vez em 1997. São 14 anos de sucesso. Sua marca é o grupo musical, que lhe dá o nome. Oito músicos revezam-se em instrumentos e vocais, multiplicando a sonoridade do repertório tradicional. Levantam até os anestesiados.

Conforme avanço em direção a Praca XV, percebo o centro do Rio travestido em fantasia. No Boitatá a fantasia é tradição desde sua primeira apresentação. Tem que ir convicto na composição do visual. E eles vão, todos. Vestiram-se sem muita vergonha, sem muito critério. Esqueceram o desconforto do figurino do dia-a-dia, encarnam seus outros personagens. Libertaram-se em graça.

Você se fantasia, meu amor, e que coisa linda, é como quiser.

Dentro da grande comunidade carnavalesca do Boitatá - somos milhares - pendura-se uma melancia ou uma peruca colorida na cabeça, o que dá no mesmo. O cara que vai de baiana não se torna gay por isso. É só por um dia. Vai. Vai com tudo, vai de Moranguinho, que o povo gosta.

Vejam o barbudo de Moranguinho

Grupos combinados, casais fofos. Foliões sozinhos, um de cada vez, dando seu recado.
Você já viu fantasia de Facebook? Pois é, eu vi e me curtiram.

Crianças, famílias. Todo mundo fantasiado. Os homens barbados de fada, de Minie, de bailarina. Moças lindas de onça, de marinheira, de spice girls, de videntes, de joaninha, de vendedoras de beijo, de borboletas, de abelhas, de rainhas. Cisnes Negros, premiados e esvoaçantes. O visual diz tudo.

Também tem gente que se explica com crachás. Avisam quem são, quem gostariam de ser. Debocham da política, dos crimes recentes, da economia, do futebol, do amor, das traições. Adotam bordões - o grave ferido avisa que Veronica Costa vem aí. O casal gordinho anuncia em tabuleta que depois vai malhar. Um índio ostenta barriga de grávida e acusa meu amor de ter invadido sua oca. Entro na brincadeira, digo que pensão só depois do DNA. Produções caprichadas ou improvisadas, a comunicação funciona, estou na Praça Imperial da Alegria. Batizo-me de Wilma, escrevo no peito. Só meu bem sabe o porquê.

A vida fica leve aqui. Aquelas pessoas que passariam umas pelas outras na Rio Branco de cara fechada, olho no relógio, ordens no celular, jamais se falariam. Não temos tempo e nem fica bem. Veja só: estão aqui trocando piadas. Falam-se. E fica bem. Falei com eles, falaram comigo. Gracejos, provocações. Nenhuma briga. Nenhuma discussão. A vida e o Carnaval são melhores com bom humor.

É claro que me dirijo principalmente aos travestidos, tornamo-nos amigos, rimos, elogiam minha negra maluquice. Encanto-me com um par, elegante. Um deles usa uma echarpe belíssima. Apresenta-se como Giselle, e diz ao seu cavaleiro: "- Eu falei Eduardo, a echarpe era tudo!" O Eduardo é Dusek, astro, astro da nossa música, estamos no mesmo bloco! Rendo-me. Boto a mão no seu peito e peço que sempre cante para gente. Ganho de presente um sorrriso, lindo,e galanteios. Permite-me uma foto que ousadamente exponho aqui. Guardarei pare sempre o som de sua voz sem microfone falando diretamente para mim.

Honra - ladeada por Dusek e Giselle
Tenho a etiqueta por prova: o garoto do Facebook me curtiu


É um bloco iluminado. À luz do dia. Estamos fantasiados, mas vemos nossa cara, e é a cara do carioca - criativo, brincalhão, atrevido. Se está pendurado em contas a pagar ou fugindo da noiva, não importa. Se é carioca ou estrangeiro, ou paulista, ou mineiro, aqui somos todos do Rio. Que maravilha isso assim. Falar,ouvir, sorrir, retrucar. Admirar, brincar. Sorrir de novo.

É imperdível. Se não foi este ano, ano que vem, vá.

A gente se fala e se reconhece no Boitatá.


sábado, 5 de março de 2011

A fila do Senhor Banco

Rio de Janeiro
Copacabana, Posto 3.
Agência da Bradesco.
Sexta Feira que antecede o Carnaval



Senhor, por favor, faça que essa fila ande. Estou bem aqui. Meus sapatos são, finalmente, confortáveis e trouxe o livro da Elisa Lucinda, que fala o tempo em todo em liberdade, alegria, auto estima.
Leio desesperada o livro buscando amparo. O que fazer quanto à filas? Nenhuma indicação específica, sigo a genérica, que é manter a cabeça erguida. O tempo é curto, preciso pagar contas vencidas, que só na boca do caixa. Boca de leão, só pode ser. Ergo mais a cabeça.
É preciso. Percebi a coisa esquisita quando a máquina que imprime a senha de atendimento e o horário de sua retirada não funcionou. O visor da máquina garante que em véspera de feriado náo ficarás mais de 30 minutos na fila. Mandamento legal. Estou sem provas, sem senha. Uma moça de colete jura que trocará o papel, náo troca. Mais uma a jurar em vão sob o Céu.
Sabe o que parece? Uma fila de pobres coitados. São 37 pessoas na minha frente. Humilhando-se como nos momentos solenes da missa católica. Imploramos: Por favor, por favor, receba meu dinheirinho. Aceite meus reais. Esta oferta é singela e é tudo que posso entregar. Ficarei grata se salvar-me.... O que é isso????
Os Bancos ganham muito com nossos pagamentos. Não falo de aplicações, depósitos à vista, não, falo do recebimento de contas, convênios, títulos, muitos nomes técnicos para a mesma operação financeira - recebo, autentico, repasso. Há lucro alto nesses três verbos de ação. Se há um pedinte, é o Banco, e pede pagamentos. Precisa mais de dinheiro que eu.
O pior acontece - um rapaz, em frente ao caixa, abre uma mochila recheada de contas. Papéis coloridos, cheques, dinheiro. Sua oferta era rica e farta. Assisto calada. Ergo os olhos do livro, desperta que fui por uma voz de trovão atrás de mim: - ô palhaço!!!! ( e eu amo os palhaços, discordo que a palavra seja usada como agressão) acha que vai pagar as contas para os seus amigos, é? Meu Deus, de novo, acuda. Vai começar um quebra pau aqui dentro. Vejo os seguranças observando. O tal abusado revida, em palavras feias, feíssimas.
Aí não. Aí não vai dar não. A pessoa está cansada gente. A pessoa quer pagar suas contas. A pessoa quer ficar na fila 30 minutos que é o que a lei pretende garantir. A pessoa não quer ferir seus ouvidos e tomar um soco perdido. A pessoa não quer ser boba náo. Somos todos filhos de Deus.
Tomo uma atitude supostamente civilizada, acho que é o que se espera de mim, preparada que sou a resolver assuntos de clientes - vou à gerência. Todos ocupados. Digo: vai ter um quebra pau na fila, estou avisando, e vou ligar para a Ouvidoria. Empunho ameaçadora meu celular. Calmamente, volto ao meu lugar na fila. Outros homens gritam. Os caixas impassíveis, como são bem treinados!
Vem uma moça. Mocinha. Não tem 25 anos. Fala baixo, é bonita. Os homens se acalmam, diminuem o tom de voz. A beleza feminina é uma ótima arma contra a raiva, náo? Mas não para mim, querida. Sou imune. Quero a solução. Estou há uma hora e cinco minutos na fila, o cara continua a pagar todas as contas do mundo e eu continuo a esperar na beira do caminho.
A mocinha fica meio apavorada comigo. Olho nos seus olhos e aviso que sou supervisora de atendimento há 15 anos, sei todos os direitos e deveres do cliente, e estou de fato, ligando para a policia.
Reclamamos da polícia. Corrupta, violenta, ineficaz. Porém mencioná-la é milagroso. Evita-se uma atitude mais radical, não queremos a polícia não. O bom senso, e acredito, a vontade de partir logo para o Carnaval, fizeram com que alguém - ninguém viu bem quem - desse um tapinha no ombro do abusado e o levasse para uma confortável mesinha com água e café.
A fila, queridos, a fila andou.
É o que se espera. Andam. Andem. As pessoas tem seus caminhos a percorrer, o Banco tem cálculos e conferências a fazer, as mocinhas devem ter namorados ou namoradas para encontrar e eu tenho um Carnaval todo pela frente. Não quero ficar um minuto além do necessário.
Felizes os convidados para a ceia do cafezinho.
Pecadora que sou, fiquei na fila aguardando, ansiosamente, o perdáo do Senhor.

sexta-feira, 4 de março de 2011

Conselhos Felizmente Esquecidos

Rio de Janeiro.
2000.
Pedra do Arpoador.

Mulher de costas, Pablo Picasso


Se queres conquistar-me,
Não me fales em amor.
Quero da vida, a leveza que o amor não traz.

O amor te trouxe o quê menina?
Cornos

Que mais?
Quilos

Que mais?
Lágrimas

Escute e reflita:
Bandeira - "Não quero amar, não quero ser amado,
Não quero combater, não quero ser soldado"
Se tal alma não queria,
como eu hei de querer?

A culpa não é dele, nem minha.

A culpa é dos egoístas
e suas imposições,
prisões,
torturas
chantagens,
Sua lista cruel de privações.

Se precisas ainda de conselhos,
aconselhe-se em Vinicius, o amor infinito
que dure pouco, posto que é chama,
consumindo-se em si mesmo,
ardendo, queimando, e por fim, apagando.
Pergunto: é preciso queimar-se?
Quem quer consumir-se até apagar?

Se de todo não resistir,
E cair em tentação, lembre de Quintana,
Sábio que queria o amor leve breve silencioso
para não acordar os passarinhos.
Ou seja, nada de alardear.
Passará, como a vida e os passarinhos,
e terás vergonha das palavras que ficaram no vento
e perderam o sentido.

- nada mais triste que palavras sem sentido.

Eu não quero nenhum tipo de amor
nem seu silêncio, nem seu grito.
Que queime, que alivie,
que morra ou ressucite,
que liberte ou sentencie.
nada que entristeça ou alivie,
nada que se cale ou se pronuncie.

Prefiro definhar a amar.
Quero que os românticos apaixonados se danem.
Voto nos amantes traiçoeiros,
E sou pior que todos eles,
engano, abandono,
finjo, minto,
trago a dor do desprezo consentido.
A dor incurada do tempo perdido.

Por isso, amigo
Beba mais uma e não fale em amor
Viro-me de costas,
Não te dou ouvidos.
Se queres meu afeto, fale em solidão.
Soa melhor para mim, e prestarei mais atenção.


Nota: sim, essas palavras são tristes,
porque sem sentido
o amor é lindo,
é urgente, e é preciso