sábado, 31 de março de 2012

Cabaret

Rio
Leblon
Berlim
Kit Kat

Claudia Raia e Jarbas Homem de Mello,ou Sally Bowles e seu Mestre de Cerimônias. Monumentos dirigidos por José Possi Neto
Fotos:Divulgação

A produção de Claudia Raia e Sandro Chaim deslumbrou São Paulo. Chegaram ao Rio de Janeiro, aliás, o Rio já esperava por eles.

Trouxeram consigo a Berlim de 1931, berço cruel do nazismo faminto por poder. O anti-semitismo espalhando-se, enraizando, alemão contra alemão. Contrabandos, perseguições. Neste cenário tenso, o Kit Kat, um cabaret. Prostitutas e prostitutos. Música, show, álcool, drogas. É isso mesmo, sempre tem um cabaré. Em todas as décadas e territórios de nossa sociedade humana, caríssimos, esbarraremo-nos com um cabaret. Mais caro ou mais barato, em Berlim ou na Vila Mimosa, c´est la même chose. Abrem suas portas pelo mundo explorando o rentável negócio da solidão. Um ótimo negócio, porque onde há humanos, há solidão. Não nos conformamos, e vamos pela noite em busca de nossos falíveis remedinhos.

Liza Minelli, e sua Sally, na montagem de 1972, provocante

Só que neste Cabaret tem Claudia Raia. Páre enquanto há tempo. Não parou? Entrou porta adentro? Então dançou, e foi com ela. Ninguém foge da Raia, nem Jôs, Alexandres, Edsons, Jarbas, como poderia eu? Ela é irresistível. Bela, altiva, precisa. Sua Sally Bowles veio na hora certa de sua maturidade dramática e juventude física. Impressiona que seu corpo tenha os tais 45 anos. Um trabalho poderoso de atriz, engraçado e dramático, encarna esta criatura graciosa e amarga, que pode ser prostituta, dançarina, cantora, namorada, não importa o rótulo. A personagem extravagante e temperamental está aprisionada à rotina de seus vícios, e acredito que anos de terapia libertariam Sally de seu passado/presente/futuro. Não foi ao teraupeuta, e consome-se. Outras possibilidades de vida a apavoram, e ela não está sozinha nisto. O gênero feminino é apavorado, na maioria. Somos, de fato. Entramos em pânico e pisamos na bola diante de situações novas.

No camarim do Kit Kat com Guilherme Magon, uma história de amor em Berlim

La Raia passeia pelas vulgaridades da profissão mais antiga do mundo sem ser vulgar. Consegue que Guilherme Magon, por exemplo, seu amor de Berlim, tire sua calcinha em cena, sem revelar o que não poderia ser revelado no elegante Oi Casa Grande. Abre pernas no que poderia ser um nu frontal. Forte. Nada demais, fiquem tranquilos, é uma senhora de classe que domina a arte do movimento. Canta? Também. Mas para um espectador mais exigente, a musa se sai melhor na dança. Sabemos que não é cantora, no entanto, atinge seu máximo vocal nos vôos às notas máximas. Tudo isto já era esperado de La Raia, ela é o máximo mesmo.

Claudia Raia, e sua Sally, versão 2012. Adjetivos? Sumiram diante da musa

Tem o apoio cênico de um corpo de baile nota mil, e muito bem explorado, em coreografias sensuais e divertidas. Ótima combinação. Equilibram o show entre o drama e a comédia. São valorosos recursos artísticos, escolhidos a dedo, que engrandecem Cabaret. A ala masculina bombada demais para os anos 30; mas se levarmos o padrão da época a rigor, o tórax de Claudia Raia também estaria fora da estética. As moças dos anos 30, em Berlim e no planeta, não levantavam peso, caríssimos.

O visual é bizarro, parecem bonecos maliciosos, usados e reformados, tortos, para que prossigam a serviço da farra. Olhos imensos, bocas coloridas, borradas, e corpos em poses despudoradas. Eu adorei - a vida com pudor, é definitivamente, muito chata.

Com a ala masculina, trabalhados na musculação, em cena de tirar o fôlego

Jarbas e suas maravilhosas companheiras de palco

Mas eu não esperava por Jarbas Homem de Mello. Não. Quem quiser que me desculpe, ou não, não importa. Eu vi e digo porque vi: o Homem é uma estrela. Perigoso de tanto brilho. Arrebatador em sua expressão corporal, dos mínimos aos maiores gestos. Transmite o sarcasmo de um bom cafetão com o charme do exímio dançarino. Impressiona os mais descrentes fofoqueiros, que atribuíam o comentado sucesso de sua performance a um suposto namoro com a estrela. Se estão namorando, o romance está fazendo muito bem ao rapaz; seja de homem, de mulher, de mestre de cerimônias, de cantora travestida, Jarbas entra palco adentro, amigos, e foi-se o que era doce. É ele. Ponto. Pode apagar a luz, que ele é holofote. Maior ainda seu mérito, por ser estrela entre Astros-Rei, sim, ser estrela na escuridão é fácil; qualquer brilhozinho ilumina o negro véu da noite. Mas ser estrela entre astros-Rei, aí eu quero ver. Vi. Chama-se Jarbas.
Jarbas Mello e Cláudia Raia. O Homem tem um corpo escultural, andrógino, sexual, grotesco e irônico, a serviço da Arte

Não há fórmula para o sucesso. Não, não há UMA causa. Há um contexto feliz de elementos felizes, e creiam, estão diluídos em Cabaret. Os especialistas os apontariam minunciosamente, mas não sou de minúncias e nem de especialidades. Sou de resultado, e o resultado é um sucesso. A tradução de Falabella foi fantástica, e assim seguem a direção, cenografia, iluminação, a regência dos músicos, as coreografias, o elenco, e o desafio do figurino - pausa. Confessêmos: é difícil vestir Claudia Raia como vedete empobrecida. Seu porte é luxuoso; um cetinzinho e uma pluminha, pronto, temos uma rainha.

Precisa mais de quê? De você, caríssimo, para voar para Berlim. Ver, crer, e aplaudir de pé.

quinta-feira, 29 de março de 2012

Em nome do Jogo

Maison de France
Bem ali,
No coração do Rio


Em nome da Arte
Vamos jogar


Caríssimos, qualidade é qualidade e não tem prazo de validade.

Em Nome do Jogo é exemplo clássico desta afirmativa. Texto escrito pelo inglês Anthony Shaffer na década de 60, a obra correu mundo, em montagens e remontagens para teatro e cinema. Em 1972 contou com Lawrence Olivier e Michael Caine nos seus dois únicos papéis. O autor produziu fartamente; escreveu para Hitchcok, adaptou romances de Agatha Christie, enfim, Shaffer pintou e bordou dentro do estilo, tão britânico and so elegant.

Atual até a última cena. Jura? Juro. O embate entre traído e cúmplice é atemporal, atravessa décadas e continentes; em Shaffer, com muita classe. Sleuth, título original, mantém o espectador mais atento a cada segundo, da primeira palavra pronunciada ao aplauso final. Um texto rico, que favorece a arte cênica e privilegia a palavra representada, que sai do papel, ganha realidade e invade o olhar e a imaginação; palavra voluntariosa, que escolhe seus defensores. Acertou em cheio. Bem verdade que o alvo duplo é formado por Marcos Caruso e Emilio de Mello, dirigidos por Gustavo Paso. Portanto, a partida começa com vantagem. O talento em jogo, perdoem-me o trocadilho, vale a aposta.

Expectativa superada. A interpretação dos dois protagonistas é de tirar o fôlego. Transformam-se no palco, crescem, diminuem, trocam de personalidade, de porte, e de caráter. A trama toma forma no corpo de Caruso e Emilio, que brincam neste jogo com o charme dos profundos conhecedores do assunto. Revezam-se na dança das cadeiras, ora vence o Bem, ora o Mal. Mas quem é do Bem e quem é do Mal?

Dominam a cena, o jogo, e o palco do Maison de France. O cenário perfeito convida à ilusão de ótica. Torcemos pelo acerto de contas entre o premiado escritor e o amante de sua esposa, simples cabelereiro, um imigrante. Cada um seduz com as armas que tem, e ambos conquistam o público, fazendo-nos rir e prender o fôlego. Ansiamos pela revelação da verdade. Verdade? Existe verdade nos jogos de amor e vingança? Existe Mentira na cabeça de quem brinca com a verdade?

Não, caríssimos. Neste jogo não há divisões; não há crachá para os players. A vítima pode ser o vilão. Ou não. Jogando ou assistindo, entre mortos e feridos, saímos todos vencedores.

segunda-feira, 26 de março de 2012

CHICO

Terra Adorada
Idolatrada
Salve Salve

O imortal Chico


Caríssimos, não gosto de sentimentalismos e suspiros e chororôs. Não sou de me debruçar sobre túmulos; não suporto declarações emocionadas e inventários na hora da morte. O inventário é para hoje. Hoje temos que ter uma lista das qualidades e feitos de cada um, assim na ponta da língua.

Eu relutei muito. Não queria parecer mais uma a dizer que Chico foi um gênio, foi um Chaplin, foi generoso, foi isto e aquilo. Isto tudo já se sabia quando vivo, e agora, falecido, só podemos enaltecer a grandiosidade de sua obra. Mas depois de assistir a tantas e repetidas homenagens, duas coisas não se calam: a coisa 1 que não se cala, dói. É dedo na ferida. Aponto, caríssimos, que o que diferenciou Chico Anysio de todos os demais foi a CRIAÇÃO. Ele CRIOU, construiu, fez nascer. Neste mundo de licenças, franquias, cópias autorizadas, releituras, neste mundo de Big Brother, não há CRIAÇÃO de fato. Programas produzidos em série. Inspirações, quando muito. Assistindo a seus personagens, vemos que inúmeros deles inspiraram tipos e bordões dos contemporâneos Tom Cavalcante e Miguel Falabella. Reproduções de seus tipos mais famosos - o bêbado, o marido traído, o homossexual disfarçado, a boazuda burrinha - revisitados pela seguinte geração de comediantes. Até o stand up comedy, modelo importado, traz em suas versões brasileiras notas de seus trabalhos solo. Interpretação original é coisa rara no mercado. Depois de anos de janela e muito botox não se sabe mais quem é original.

Chico Anysio não. Este Homem criou um mundo novo. Mundo seu, brasileiro, debochado, crítico, habitado pelos nossos conterrâneos. Brotado do chão de nossa terra. Como fez Monteiro Lobato na literatura, Chico concebeu um universo paralelo, onde personagens entravam e saíam, conforme o que queria dizer. Falava para o povo e sobre o povo através deles. Chico City, Escolinha do Professor Raimundo. Ilhas reais de sua imaginação. Isto, caríssimos, não existe mais. Somos hoje adaptadores da arte feita por outros. A maioria de nossos autores aproveita idéias e as apresenta com outra roupagem.

A coisa 2 é o meu repúdio a entrevista que a Globo levou ao ar com Angélica e Eri Jonhson, entre um flash e outro do velório. Neste momento, colocar Eri Johnson ao lado de Chico Anysio é forçar a barra. Inoportuno e ineficaz. Ah, porque Chico o viu no Teatro Abel, em Niterói, e o elogiou no Faustão. AH, isso foi em 1998, e de lá para cá muita água rolou; e cá para nós, Eri não foi a revelação que prometia ser. Além disto, Angelica não sabia o que perguntar. Que vazio de indagações. Que moça tão bonita e elegante e tão... inócua. Sequer diante de Chico Anysio surgiu naquela cabeça bem penteada uma pergunta relevante. Eri Johnson só chorava. Mais uma vez, nada substitui o talento, e foi um Chico muito doente que movimentou-se para salvar este fiasco de reportagem: contou uma ótima piada, e revelou que o mais bacana de sua profissão foram as amizades que fez - do dono multimilionário da emissora, à faxineira do camarim.

A Chico Anysio, honra e glória para sempre. A Globo deve-lhe muito. A classe artística deve-lhe mundo. Os espectadores devem-lhe muito. Para cada personagem, uma comitiva de profissionais com emprego. Artistas resgatados do ostracismo. Para cada personagem, mais platéia, mais ibope, mais verba para a emissora; colocar uma publicidade no intervalos dos programas de Chico exigia bala na agulha. " Ninguém reclama de rir ", explicou. Fazer rir, portanto, é um ótimo negócio.

Em suas últimas aparições na TV, afirmou que todos somos insubstituíveis. Tenho minhas dúvidas. Há gente que não faz a menor falta, e o pior, há montes de clones destas pessoas. Em compensação, vez em quando surgem deuses da Arte sob a Face da Terra. Sim, e Zeus os mergulha no Rio Estige, da cabeça aos pés, sem calcanhar de aquiles, para que sobrevivam mesmo após sua partida. Invencíveis, inigualáveis, e inesquecíveis.
Adeus, imortal Chico Anysio, vá em paz.

sexta-feira, 23 de março de 2012

A primeira vez que eu vi Teresa

Rival
Aniversariante
78 anos de Rio


Teresa Cristina homenageia Portela

Foto: Flávia Metne
Em noite de gala, Teresa nos trouxe os sucessos da Portela, escola do coração. Para quem está reconhecendo o belo figurino, é de fato o traje do desfile deste ano, no enredo de saudação a Clara Nunes

Muito se falou e se fala sobre Teresa Cristina: que seu canto chamou os cariocas de volta a Lapa, que seu grupo Semente faz samba como ninguém, que compõe, que canta, que é digna, que é tímida, que sua mãe chama-se D.Hilda, que canta Roberto Carlos, que faz sucesso mundo afora, e que aliás, esse sucesso modificou sua vida. Hoje tem fama, fãs, sucesso, tem carinho do público. Agenda cheia, lotada, seguí-la exige fôlego.

Faço coro a tudo isso. Desde a primeira vez que vi Teresa. "Achei que tinha pernas demais, e olhos mais velhos que o corpo - os olhos nasceram primeiro e ficaram esperando o corpo, que nasceu depois" ( Manuel Bandeira). Sim, Teresa é diferente; é simples, pernas e braços finos. É miúda, quase franzina, e tem uns olhos penetrantes que vêem dentro da gente. A voz vai longe, a personalidade vai longe. Canta o negro, o carioca, canta os mestres, e cantamos com ela. Fui ao seu encontro, à saída, conferir esses olhos muito escuros. Digo porque vi. São de fato mais velhos que seu corpo. Aparentam anos luz de sabedoria e curiosidade, o quê justifica-se, pois a sabedoria é necessariamente curiosa.

A noite de 23 de Março, no Rival, foi uma dupla homenagem. O Teatro histórico completando 78 anos de vitoriosa existência, e a dama do samba homenageando, em branco traje de gala, os compositores da Portela. Esclareceu, com sua voz macia, que cantaria sambas seus também. Mas é compositora da Portela? Não, mas compõe, e é Portela. Justificado, e com com louvor.

Mais uma noite em braços do samba, e do meu bem. Sucessos conhecidos, repaginados, ou com arranjo original. O grupo Semente dá conta do recado, e os sambas voltam, cantados, susssurados, exaltados. Há quem diga que é repertório repetitivo? Sim, é mesmo, e é bom que seja. Tal qual o refrão da música preferida, que decoramos; como o prato predileto que saboreamos no aniversário. Como o perfume que usamos há anos, como o Jorge Amado e o Drummond na cabeceira. Como o ombro amigo da melhor amiga. Como o beijo desejado, que queremos mais e mais.

O show de Teresa é assim. Pode cantar de novo. Mais um. Escolha todos mais uma vez. É certo, é samba seguro, é Portela na avenida, caríssimo, e Portela não tem erro.

Esta que vos fala e Teresa, a Cristina, da Portela, do Samba, do Rio

quarta-feira, 21 de março de 2012

Lenine

Rio
Leblon
Chão
E diz aí peão peão peão

"Chão
Cabe na minha mão
É o pequeno latifúndio
Do seu coração." (Lenine)



Nossa, muito fã de Lenine. Quando soube do show, pulei. Eu vou, quero ir, adoro. Já que sou do pandeiro, vou. Já que sou brasileira, e o país do suingue é o país da contradição, eu vou, né. Lampião, lampião.

Lenine é um dos maiores letristas desta Terra Adorada. Irreverente, romântico, sofrido, compõe com a elegância e a ironia dos anos vividos e pelejados. Ora rebelde, ora apaixonado, ora entregue, ora reagindo; Lenine domina a palavra como os repentistas: desdobra os significados dos nomes, das coisas, dos sentimentos. Discorre sobre um tema (qualquer tema, amor, cidade, pobreza, solidão) com leveza e profundidade - coisa rara - do começo ao fim. Sua voz é linda, alta, ampla, sotaque nordestino, violão certeiro; emprega violinos e percussões em arranjos sempre originais. Musicaço.

Ao vivo é mais magro, menor, e mais jovem que em fotos e vídeos. Um tipo pacífico, manso, que parece feliz e tranquilo, Lenine passa um bem estar geral para o público. Cabelos compridos, que balançam quanto toca e canta. Um pouco de Pepeu Gomes e de Lennon. Curioso, ao ajeitar os cabelos ele parece-me infantil, sim, como a criança de cabelos longos que não sabemos se é menino ou menina.

E com todos esses atributos, visíveis e sensíveis, Chão não foi o que eu esperava. Desculpem, meu compromisso é com a sinceridade, senão não vale.
Chão é lento demais. É introspectivo demais. Tem som de pássaro, salpicado, vindo de longe. Eu bem queria um Lenine mais urbano, mais prático, mais pé no chão, me perdoem o trocadilho. Lenine que falava do que a gente tem aqui no peito e na cabeça, hoje, agora, ontem no máximo. Fui para encontrar o Lenine que fazia aumentar o som. Não encontrei.

Encontrei um grande músico fazendo uma grande apresentação, em cenário chiquérrimo de Paulo Pederneiras e Fernando Maculan; tudo escuro, três luminárias, e o palco do OI Casa Grande forrado com estopa tingida de vinho. Conseguiram uma clima sóbrio e moderno, o chão entre tapete e nuvem, o teto um céu negro. Show impecável em luz, som e inovações conceituais. Sonoplastia e música para intelectuais que identificarão referências. Acompanhado por Bruno Giorgio e JR Tolstoi, ácidos e eletrônicos demais para meus ouvidos dengosos, Lenine abusou mais dos efeitos que das palavras, matéria prima que domina e que deveria ter usado em abundância.

Deve ser porque sou brasileira, do pandeiro e do violão, e o som certeiro do swing é o som da contradição. Isso mesmo, Lenine, eu te preferia Lampião.

quinta-feira, 15 de março de 2012

De Incógnito e Louco, todo mundo tem um pouco

Ipanema
Sempre


"INCÓGNITO" - Tradução de Ryta Vinagre, Rocco, 288 páginas - " O neurocientista americano David Eagleman desvenda alguns desses segredos no livro Incógnito – As Vidas Secretas do Cérebro. O best-seller, que foi eleito o melhor livro de ciências de 2011 pelo jornal americano The New York Times, ganha edição em português pela editora Rocco. No livro, Eagleman trata de assuntos como flerte, infidelidade, crimes e inteligência artificial, além de temas curiosos, como o motivo pelo qual é tão difícil guardar um segredo e também sobre o mecanismo de se zangar consigo mesmo."


Caríssimos, é chegada a hora da ceia, aproximemo-nos: este gênio americano, David Eagleman, explicará, entre outros relevantes temas, porque traímos e somos traídos. Tintim por tintim, por A + B. Porquê, Senhor, porquê? Porque não resistimos àquele beijo, àquele abraço, àquele cheiro. Seremos promíscuos? Nada disso.

Eis que então beberemos do Saber. Comprovações técnicas da melhor qualidade e precisão, sobre atitudes de pior qualidade e dolorida confusão.

A culpa é das enzimas. Foi-se a era dos hormônios. As culpadas por litros de lágrimas derramadas são as enzimas. Seguinte: todos temos uma enzima que nos faz desejar uma única pessoa, um único ser que será alvo de nossos mais indecentes pensamentos, pelo prazo cientificamente provado de no máximo quatro anos. Tempo mais que suficiente para conhecimento, acasalamento, procriação e amamentação.
Se durante este prazo, o caríssimo cair em tentação, é porque outras enzimas (más, muito más) proliferaram-se, e anularam esta (boa) enzima da fidelidade. O desequilíbrio enzimático é o responsável pelo desejo incontrolável por outro que não seja o seu par, antes que os ditos quatro anos esgotem-se.

O gênio americano acertou na mosca e ganhará rios de dinheiro. Se aprendermos a rastrear e controlar nossas enzimas, o que é possível com exames de DNA, mudaremos a rota da sociedade. Hoje vivemos, na melhor das hipóteses, no modelo de monogamia sucessiva. Um par de cada vez, sucessivamente, uma relação depois da outra, um amor depois do outro. Isto é aceito, compreendido, e de forma, até incentivado: " - não deu certo? parte para outra". Mas a traição, a bigamia, a engação, isso não. Não vale de jeito nenhum. Isto é motivo de ofensa, mágoa, enfarte, insônia e litígios. A monogamia foi inventada para manter a família ocidental e a ordem social sob controle, e atentados em contrário apavoram os pacatos cidadãos. A fiscalização é geral. Dr.Eagleman está aí para provar que é involuntária a batalha entre a correção e a infração. Controladas as enzimas da infelidade, muitos viveriam tranquilos. Certamente.

Entendemos agora porque espécimes do Bicho Homem simplesmente não conseguem. Empenham-se, juram, dedicam-se à causa. Não conseguirão. São as enzimas da traição, batizadas de R2 e R3, a borbulhar e tomar conta dos infelizes.

Pensemos em conhecidos. Pensemos em passados, em histórias, em desconfianças. Em lembranças. Ficaria mais fácil perdoar se soubessemos que aquele chifre, feio, foi uma mera reação causada por enzimas? Aquelas noites em claro contando horas? Culpa das enzimas perturbadas. Aquele flagra que quase te matou de susto, pressão subiu, perna tremeu, o mundo veio abaixo? Taí. Foram as enzimas malvadas. O bilhete esquecido, o recado lido por engano. A carta anônima. O telefone que toca e ninguém responde. A foto encontrada no vão do armário. A conta de um hotel onde ninguém se hospedou. A indiferença, a solidão, o outro se esquivando. O distanciamento. Tudo na conta de R2 e R3.

Prezado doutor Eagleman, permita-me.

Eu acredito, ainda, que o Amor é maior que teorias. Maior que gênios americanos, pesquisas de ponta e teorias fascinantes. Acredito que o Amor, se Amor é, conduz todos os passos de nossa efêmera Vida, e que não há enzima, hormônio, ou Louco, que me convença do contrário: quem trai, não ama.

Se a traição entrou pela porta da frente, o Amor já saiu pela varanda, a convite do DNA ou de circunstâncias não catalogadas. Onde há Amor, não há Moral, nem Ciência, nem Religião. Há só Amor, perseverante, vencedor, esmagador, Amor, inconfundível, e maravilhoso Amor.

segunda-feira, 12 de março de 2012

Heleno

Pré Estréia

Glória
Fama
Loucura

É gol de placa


Se você gosta de Rodrigo Santoro, prepare seu coração.
E se não gosta, prepare-se também. Vai se apaixonar. Ele está impecável como Heleno de Freitas, jogador de futebol, un bon vivant que ganhou fortunas e sífilis durante seus tempos de glória.

O filme ainda nem estreiou, e caríssimos, eu bem já vi, criatura curiosa que sou. Enquanto não entra no circuito, vou adiantando o assunto, e o assunto é Santoro, e sua superação.

Ah, vou falar também da direção. Da produção. Do elenco. Da fotografia. Da perfeição de ambientes e figurinos. Que ambientação - anos 50, era das mulheres chiquérrimas, jóias, luvas, e homens sedutores, ternos, smokings, flores. Vamos para a época onde fumar era chique, trair era chique, ser rico e famoso era absolutamente necessário. Época carnívora e preconceituosa.

Heleno de Freitas, estrela do Botafogo Futebol Clube, foi um ególatra. Ponto. Viveu alimentando-se de sua de sua fama e atingiu seu auge nesta época perdulária. Imperdoavelmente autoritário, arrogante, e violento. Mas era um craque, e mais, era um playboy, um galã. Irresistível às mulheres, e a si mesmo. Não conseguia resistir à sua auto idolatria.

Heleno de Freitas, o original, na camisa de honra do Botafogo Campeão

Eis que nem eu resisti, pois voltei a falar dele, quando devia apenas dizer: eu vi um dos melhores filmes nacionais, caríssimos, já exibidos. Embarca-se no túnel do tempo para o Rio Antigo, Copacabana Palace e toda a beleza de sua piscina, de suas varandas, de suas tentações. As Praias Antigas, limpinhas. Maiôs inteiros, nada de piercings, barrigas fora de forma, e outros poluidores visuais. Atletas batendo sua bolinha com categoria na areia vasta. A beleza eterna de uma Copacabana pacífica, que embora eterna, não existe mais. O filme nos convida a entrarmos no campo do Botafogo, no vestiário, nos bastidores deste grande teatro esportivo que é o futebol carioca, cenário e labirinto de dramas também eternos. Aceitamos o convite e invadimos também o campo. Sentimos forte, no joelho, a falta pesada cometida pelo bicho homem, infrator dele mesmo, pelos pés de sua cruel teimosia. Entrada covarde e fora da bola; geração após geração, ele insiste no golpe em si mesmo.  Perdendo tudo, insiste na jogada. Dia após dia, a derrota se anuncia, se apresenta, se aproxima, o cumprimenta, mas o Bicho Homem, encarnado em Heleno, esse Bicho não a vê.  O destino por fim se cansa e dá-lhe cartão vermelho. Expulso do gramado da glória.
Heleno, na versão Rodrigo, caracterização perfeita

Saímos da sala escura boquiabertos. Testemunhamos um drible de mestre, que marcou o Gol da vitória, desses de placa, de final de campeonato. Jogada do talento, imenso, do diretor Jose´ Henrique Fonseca, que fez uma obra de arte em preto e branco. No maior bom gosto. Alinne Moraes é uma visão, bela, humana, digna, recebe a bola de Santoro com categoria. Grande habilidade no passe de Marcelo Tizumba, enfermeiro dedicado ao ídolo, de quem admirava as fotos em jornais. Ator premiado, Tizumba fez de seu papel secundário um alento para o coração; nos apegamos e confiamos nele, tal qual deveria ser com os cuidadores de doentes na vida real.

E Santoro chutou para o Gol. Sua atuação é hipnótica. O mundo pára lá fora, e ele faz brilhar os olhos de Heleno, de paixão, de raiva e de desespero. E apaga-os, opacos, tristes, velhos e murchos, na sua decadência. Vai do lindo e provocante ao irritante e estúpido.

Rodrigo Santoro transforma-se - é o Bicho de Sete Cabeças, é Xerxes, é Lady Di, é Garrincha, Maradona, Romário. É Heleno, que tudo podia. A quem nada faltava.

E o que te falta, hein, Rodrigo?

Heleno de Freitas e Silvia, a esposa, ou Rodrigo e Alinne - dupla perfeita na jogada decisiva

sexta-feira, 9 de março de 2012

Efetivamente, pelo amor de Deus

Rio
Copa
Botafogo
Centro

Tomara que o dicionário explique


Estou com a pulga atrás da orelha.

Há coisa de um ano comecei a ouvir a palavra EFETIVAMENTE. No trabalho, na pós-graduação, em reuniões de colégio. Programas jornalísticos, em discursos políticos. Utilizada com veemência, com destaque na frase. Achei que era um advérbio de intensidade. Não, não é. Percebi que era maior seu significao: legitima a ação descrita, como a garantir, e endossar que seria executada com a devida qualidade.

Pulga na orelha, olho no dicionário: " Efetivamente = realmente, concretamente e de maneira completa e eficaz; de modo a produzir efeito concreto e/ou permanente."


É uma jura.

Eis que temos aqui, portanto, um fenômeno linguístico, e como tal, sintoma de situações interiores; sinais do nosso common sense. A ação não vale mais por si. É preciso que seja praticada efetivamente. Tem que jurar que vai fazer, senão ninguém acredita.

Então - "você tem que estudar, efetivamente. Você tem que acompanhar esse processo, efetivamente. O governo vai implementar ações facilitadoras à educação, efetivamente. Os alunos serão advertidos, efetivamente."

Apavoro-me. A pulga virou elefante. Os verbos perderam o valor intrínseco; estudar não é mais estudar, absorver, analisar. Acompanhar um processo, então, se não for efetivamente, é enrolação. Coitado do governo: nem todo efetivamente do mundo vai convencer a opinião pública da eficácia de seus atos. Qual a diferença entre aluno advertido e aluno advertido efetivamente? Advertência é advertência, uma palavra fortíssima e carregada de fria autoridade. Dispensa qualificadores.

Sim. A palavra, pura e simples, aparenta não mais ter valor, se exposta publicamente. Precisa fazer-se acompanhar do tal juramento. São tantas promessas que morrem na praia, são tantas palavras ao vento, tantas expectativas que não dão em nada. Tanto desistir, tanto deixar rolar, tanto largar de mão. Esse desleixo contaminou a coletividade, a língua portuguesa e está gerando efeitos colaterais.

O problema é que o tal do efetivamente, olhando de perto, também está perdendo a força. Arregala-se os olhos e pensa-se: "agora vai". Mãos a obra, tudo muda de figura. Algo deixará de ser feito, e se feito, não atingirá o resultado perfeito. As pessoas falham, o governo falha, o coração falha. Não se pode falar em garantias totais. Permanências, eternidades. Pronto, o efetivamente foi-se.

Efetivamente, caríssimos, só no português. A vida real tem mais "talvez", mais " vamos observar", mais alterações de rota que qualquer discurso. Mas estamos desesperados em impressionar a sociedade com nossa competência profissional e emocional. Temos um projeto, filhos, um amor, um trabalho, e se não atingirmos 100% da sua potencialidade, ficamos frustados e decepcionamos alguém. É preciso dedicação, efetivamente, resistência, efetivamente, invulnerabilidade. Superação, de verdade.
E mais: é preciso falar disso o tempo inteiro, ser o melhor, ganhar bem, ser promovido, ser feliz no amor. Ser mãe, efetivamente. Dar tudo de si, sempre, a fim de garantir o sucesso da sua atuação. Qualquer deslize, tem um chato para te catucar e te lembrar, que a coisa não está tão, bem, efetivamente, bem assim: - "o que houve? está tudo bem?."


Pelo amor de Deus. Efetivamente, caríssimos, é o raio que o parta.

terça-feira, 6 de março de 2012

Anjos Assumidos

Rio
Mundo Fundo


Meu nome é Bettina
e eu sou um ser humano em Recuperação



" Alcoólicos Anônimos é uma Irmandade de homens e mulheres que compartilham suas experiências, forças e esperanças, a fim de resolver seu problema comum e ajudar outros a se recuperarem do alcoolismo "


Caríssimos, é preciso reconhecer. Todos precisamos de ajuda.

Todos temos compulsões e insatisfações. Somos humanos. Há quem coma sem parar, e engorde sem parar, e há os que não comem. Temos o time dos atrasados e o dos ansiosos. Há quem perca a hora e quem não durma. Há quem fume, há quem beba, há quem gaste os tubos, há quem minta. Há quem trepe horrores, não sabe nem com quem. Os que falam sem parar, os que não ouvem ninguém. Os fanáticos pelo face, pelo twitter. Há aqueles que repetem ações em dose prejudicial, voluntária ou involuntariamente, e não há, nesta Terra, quem possa impedí-los.

Os que perderam o controle. Os que estão se afundando.

E há os anjos assumidos. São os A.A., alcoolátras anônimos, criaturas vitoriosas. Todo dia é uma vitória sobre a dependência química. Todo dia é dia de apoio, dia de ouvir, de falar, de compreender, de se fortalecer. Dia de se conscientizar.

Estive na cerimônia de entrega de ficha. A cada ano "limpo" uma ficha, uma medalha da sorte, um amuleto. Para lembrar, caríssimo, que mais um lutador chegou até aqui por mais um ano, feito de 365 dias. Mais um merece nosso aplauso; é um vencedor, e pode ajudar outros a vencerem também. Estenderá sua mão ao outro e será o grande ajudado, o grande vencedor.

Escutei dois depoimentos, de dois vencedores. Ambos me trouxeram lágrimas ao coração. Alegria.
Somos recuperáveis. Somos livres para escolher novos rumos. Nao há prazer ou anestesia que nos domine, somos mais fortes do que pensamos. Podemos dizer não ao que quer que nos faça mal. Com ajuda, com apoio, e com consciência.

Podemos experimentar uma vida melhor. Saborear a vida, com suas dores e contentamentos. Suportar frustração, suportar tristeza, suportar solidão. Há recursos, mais eficazes que um litro de whisky, e que 10 cartões de crédito. Melhor que um kilo de chocolate ou 36 horas no motel com o gogoboy.

O ser humano sempre terá suas dependências. Ou depende de entorpecentes, ou de cartões de crédito,ou de paixões, ou de projetos. De amor, precioso amor. Como controlar-se? Não sei, mas podemos começar hoje. Só por hoje podemos estabelecer uma dependência mútua, de amor, de carinho, de aceitação. Sem aditivos, produtos, intervenções químicas.

Todos temos que buscar nossa salvação. Nossa recuperação. Algo aprisiona, sim, somos humanos. Algo te magoa e te insatisfaz profundamente. Às vezes todo dia, às vezes dia sim, dia não. Dia sim noite sim madrugada sim dia também. O que quer que seja, tem jeito. Procure ajuda. Divida, multiplique, compartilhe.

Os A.A. estão aí para te ensinar os doze passos desta estrada. Difíceis, uma lista de renúncias, entregas, disciplinas. Amplamente recompensadores; levarão ao sossego, artigo fino, peça rara, que não se compra, não se vende, não se bebe, não se gasta, não se consome.

Está escrito na parede, bem grande: deixe aqui o que você ver e ouvir.

Desculpem, Anjos, deixo não.

Eu vi Anjos, e preciso dizer, são poderosos. Fazem milagre. Transformam dor, profunda e incessante dor, em aprendizado. Tristeza em resignação, compreensão em solidariedade. Impossibilidades em realidades. Fraquezas em certezas.

Só por hoje, caríssimos. Só por hoje.

Esta oração está estampada nas paredes do Grupo A.A. Serve para todos nós, humanos, em recuperação

segunda-feira, 5 de março de 2012

Judy - what a pity

São Conrado
Fashion Mall
Fashion é ser Clean


Acabou-se o Arco Íris
A maravilhosa Judy Garland, incorporada pela espetacular Claudia Netto
Texto: Peter Quilter
Adaptação: Charles Möeller e Claudio Botelho
Direção: Charles Möeller
Elenco: Claudia Netto, Igor Rickli, Francisco Cuoco


Caríssimos, eu bem acredito em vida após a morte. Concebida, principalmente, pela Arte. Judy Garland morreu no ano em que eu nasci. Mas está viva na pele de Claudia Netto, ali no Fashion Mall, e botando a boca no trombone.

A estrela de Mágico de Oz revela que sua mãe a drogava desde a tenra idade, para suportar ensaios e gravações. Nos estúdios glamourosos de Holywood a coisa rolava solta, com o consentimento dos papais e mamães, ansiosos por dinheiro e fama. Eram antros de tráfico e os pequenos prodígios sobreviveram e cantaram e sapatearam e brilharam à base de muita bolinha. Se dermos uma boa olhada em nossos tempos, não mudou tanto assim. Michael Jackson, Amy, Whitney. Quem mais? Modelos, bailarinas, adolescentes. Tantos a se violentar para ser quem não são, quem não podem ser, quem não devem ser.

Judy tinha uma voz de ouro e uma personalidade atormentada por amores fracassados e bebedeiras homéricas. Álcool, drogas, sexo. Vícios mil para suportar a cobrança do público e dos gerentes de banco. Dorothy, inocente na Estrada das Esmeraldas, passou o pão que o diabo amassou na vida real. Maridos violentos e exploradores, que não davam-lhe o menor valor. Ou Judy fazia muito sucesso, ou estavam fora. Os filhos não lhe deram alento. Sequer a música aliviava sua alma - ela buscou, desesperada, pelo amor, em lugares onde jamais o encontrou. Seu último marido, Mike Deans, um diabo de lindo, este provavelmente a matou. Drogava-a para que cumprisse sua temporada de shows, sem o quê não teriam como pagar sequer a conta do hotel.

Houve uma esperança. Um fio de esperança no fim. O pianista homossexual, encantado pela estrela e tomado por inesperado sentimento, teve um ímpeto de protegê-la deste marido, deste destino, e desta imensa imensa imensa, e teimosa, e insuportável, dor. Convidou-a para viverem juntos, uma união com muito carinho e nenhum sexo. Ela se afastaria dos palcos, onde só pisava entorpecida, e teria aconchego, sossego, calor. Não, ela não quis. Estava viciada no vício, viciada da infelicidade, há muitas décadas. Não conhecia outra vida e não suportava mais esta.

Igor Rickli e Francisco Cuoco - o jovem marido e o pianista homossexual, o explorador e o consolador. Um embate entre o bem e o mal...

Impossível não aplaudir de pé, sem parar. Claudia Netto emociona. A primeira troca de cenário é surpreendente, e ela entra com um For once in my life de cortar o coração. Aquele vozeirão, iludida, acreditando que por uma uma vez na vida encontrou alguém que precisasse dela. Mentira... mentiras do coração. Profundo, tocante. Até nos momentos irreverentes nos emocionamos. Judy Garland era atrevida, debochada, brincava com a vida. Não avaliava risco algum, no amor, na dor, na droga. Dentro de tamanho caos, fazia piada com a verdade.

O cara sentado na cadeira do teatro testemunhou um ser humano talentosíssimo, infelicíssimo, a morrer dia-a-dia, a recusar ajuda, e maltratar-se diariamente. E vemos, caríssimos, que ainda que Deus dê uma voz divina, sem lucidez esta voz se cala; emudece, some. Ainda que haja amor, sem paz, o amor morre. Onde há o vício, há, implacavelmente,o sofrimento. Nada substitue a lucidez; é preciso estar limpo para estar vivo.

Eu chorei muito. Talentos perdidos, vidas perdidas, mais um ser humano dominado pela dependência química. Vi que a história se repete, e não há arco íris nem sapatinhos de rubi, nem Mágico de Oz no fim.

No happy end. Nessa estrada o fim é trágico.

Bela ainda, Garland, nos anos 50

Judy, ou Dorothy, a quem a mãe drogava, para suportar ensaios e gravaçoes

sexta-feira, 2 de março de 2012

XANADU

- Oi, tudo bem? Onde foi?
- Foi no Oi Casa Grande, meu bem

Yes, temos Xanadu, e é no Leblon


Caríssimos, eu achei que era brega, cafona, ultrapassado. Uma bobagem cara. Nada disso, não é, e não é mesmo.

É um ótimo espetáculo. Tem um sabor especial para a geração que era adolescente nos anos 80, década em que o filme foi lançado com Olivia Newton Jonh, em coreografias de Gene Kelly - é uma viagem no túnel do tempo. Vamos lembrar dela, namoradinha da América, lindinha, jovenzinha, doce, um anjo, a patinar, e se apaixonar ao som da love song Suddenly. E lembramos de nós mesmos, nem tão lindinhos, mas também jovenzinhos e apaixonados, a patinar, a namorar, a ensaiar coreografias de Jonh Travolta. Tempo de patinações no Roxy Roller, e matinês na Circus, e na Help, que era ainda lugar de família. Muita roupa colorida, muita música boa, havia uma melodia, um balanço, era tudo muito leve. A música lenta era a hora em que se patinava de mãos dadas com o gatinho, e se dançava de rosto colado. Podia, ou não, rolar um beijo na boca, o que era uma novidade, um frisson. A juventude era diferente. Éramos mais inocentes. Cantávamos Bee Gees, e não havia funk.

Para a geração que não viveu isto, ou para quem essas referências não tem nenhum valor, o fantástico Xexéo, responsável pela versão nacional, providenciou pitadas generosas de comédia, e conta com as divinas Gotscha e Sabrina Korgut nesta função. Essas deusas gregas dominam o palco como ninguém. Quem quiser que me desculpe, mas são as estrelas de Xanadu, impecáveis na voz, na comédia, e na atuação. Revelam-se poderosas atrizes e torço que tenham todas as oportunidades de privilegiar-nos com sua arte. Hilárias, e que vozes. Maravilha.



Danielle Winitz, a musa Klio, ladeada por Gottsha (Melpômene/Medusa) e Sabrina Korgut (Calíope/Afrodite), estupendas, cantam e divertem como ninguém

Assitir o espetáculo depois do acidente que feriu atores e público no mês de janeiro exige recato. Há tristeza, pois feridos ainda se recuperam. Mas há alegria. O show continuou. Temi, inevitável temor, por Danille Winitz, na cena em que é suspensa em um Pégaso; também temi, pelos seus deslizes patinadores. Graças aos Deuses, tudo deu certo, para a atriz, para sua musa Klio, e a platéia. Deu certo também, e muito, a interpretação de Danilo Tim, excelente no papel de Sonny Mallone, substituindo Thiago Fragoso. O show prosseguiu, e bonito. É isso aí, somos brasileiros. Prosseguiremos trabalhando.

Então você pode curtir uma sessão de recordar é viver, cantarolar canções gracinhas, que marcaram momentos felizes de sua vida. Pode rir de dobrar com Gotscha e Sabrina, pode se rasgar de inveja do corpinho de Dani Winnitz. E pode mais: pode se rasgar na tietagem com Magal, yes, tem Sidney Magal. Imponente, digno, altivo, engraçado, simpático, carismático, imenso, voz imensa, perfeito. Presença absurda. Ainda traz consigo, de frente, a cigana Sandra Rosa Madalena. Para te ver sorrir, para te ver cantar, para ver o teu corpo dançar sem parar.

Você vai? Eu fui. Onde? Em Xanadu.

Magal, no palco, com Dani

Nos bastidores, comigo

quinta-feira, 1 de março de 2012

Vivo no Rio

Rio
Rio
Rio
Rio
Só Rio
Sorrio
Sorri, Rio

Eu vi este pôr do sol, e digo porque vi - foto linda, de Carla Santo Anastacio

"E no meio de um inverno eu finalmente aprendi que havia dentro de mim
um verão invencível." Albert Camus



Sim, inúmeras vezes estava escuro, e eis que veio o Sol em Ipanema. Diante de meus olhos. Eu estava ali, eu pude ver. Clareou o céu, ficou dourado. Tudo dourado: areia, mar, gente, onda, céu, pensamento. Clareou e dourou dentro de mim. A vida ficou mais leve.

O carioca, imerso nessa imensidão, percebe que nada é tão complicado quanto parece: nada tem muita importância diante da imponência da Majestade da Natureza. Nossos problemas são ínfimos, irrelevantes, pouco significam diante da imensidão desta beleza.

É tanta maresia, tanto vento, tanta praia, tanto mar, tanto céu sobre nós. A gente sente que é livre para mudar, tantos são os caminhos à beira mar. Podemos! Podemos mudar de caminho, mudar de rumo, mudar de nós mesmos. Sermos mais soltos, menos complicados, menos justificados. Numa boa, de havaiana, de canga, de short. Sem drama.

O Rio faz maravilhas pelas pessoas. Rejuvenesce. Embeleza. Relaxa. Excita. Sim, eu poderia falar sobre tantas maravilhas desta cidade que hoje comemora 447 anos. Da Lagoa, da Lapa, do Leblon, do Leme, da Lua, do Forte Dourado do Posto Seis, do Parque Lage, do Jardim Botânico, da Gávea, do Teatro Municipal, sim, a lista é longa, é linda e injusta - haveria exclusões imperdoáveis. Quanto mais se fala, mais se cala sobre o principal: o ensolarar que o Rio projeta no coração.

Acreditem, o coração do carioca é banhado de Sol. Iluminado. Ainda que a vida esteja difícil, grana curta, metrô, ônibus, desmoronamento, bala perdida, dengue, agiotas, solidões. Governos e Desgovernos públicos e privados, a gente é feliz assim mesmo, acima de tudo isto. Temos um verão no nosso coração; é nosso escudo e nosso traje de luxo.

Eu não sei se seria feliz em outro lugar. Acho que não. Misturei-me a esse chão de areia, estou diluída no mar, nas ondas, na ressaca. O Rio sempre me acudiu, braços abertos do Cristo para me consolar, mar para me benzer, Arpoador para passear. Ouso dizer que o Rio tornou-me invencível; sim, porque venci tantas coisas, bebendo da sua água, em seu leito amoroso. Sou mais fiel do que gostaria: não troco o Rio por canto nenhum nesta Terra Adorada. Não, caríssimos, sem o Rio, eu não seria eu mesma, eu não saberia.