quinta-feira, 28 de junho de 2012

Chave de Cadeia

Gávea
Quase Leblon
Quase São Conrado
Sempre Arte





           Ana Baird, e sua diva.   Este doce de mulher enlouquecerá de paixão sob nossos olhos



" Mulher Chave de Cadeia, s.f.: deliciosamente charmosa, ciente de do poder que tem nas mãos. Imatura, instável, insegura, ciumenta, com graves tendências a encrencas e confusões"  (papodehomem.com)


Vamos lá, caríssimos. Tem gente que diz que é comediante, e não é. Que é atriz, e não é. Que é cantora, e não é. Ana Baird não diz, mas poderia, porque é tudo isso, e de mão cheia. E principalmente, ela tem a marca inconfundível das grandes atrizes - não teme  o ridículo. Ao contrário. Topa o desafio de ser ridícula, e se sai bem, muito bem nessa jogada.
Ela entra em cena e sem proferir palavra a platéia já começa a rir. Sua imagem é engraçada. Muda, é engraçada. É dramática, é figura, é posuda, é exagerada. Overseized, o que a torna ainda mais impactante. E quando canta, ela assusta. É a voz de uma diva. Com um vestido vermelho lindíssimo, assinado pela figurinista Alessandra Sombreira, La Baird encarna uma crooner, uma cantora, uma chansoniére, lo que quieras, e nos contará sua mais recente história de amor entre  lágrimas, drinks e  .... músicas.  Somente canções. Não há palavra em seu texto que não seja palavra cantada.
O bom gosto do repertório escolhido e a alta qualidade dos músicos garantem a graça do espetáculo, e a ordem em que as músicas vão sendo apresentadas tem a lógica dos casos de amor, se narrados fora de ordem! Sim.  (e lá o amor tem ordem?) Ela já entra no palco sofrida, embriagada, mal humorada, a coisa acabou de descer pelo ralo, percebe-se pelo seu mau humor. Insuportável. Fuzila a banda, e que banda. Enchem o teatro com notas lindas, melódicas, grandiosas, enquanto a fera ferida afunda cada vez mais, em mais desespero e mais bebida.
A pessoa enlouquece, arranca os cabelos, a maquiagem, se joga no chão. Parece levantar-se, e eis que o sujeito indeterminado volta para o seio da amada. Não ouve conselhos, avisos, amigas. Aceita o traste de volta. Sabemos como isso terminará.  Em mais bebida, mais doideira, e mais estress. Até o triunfo final: a libertação. 
Viram como é possível? Taí.  O talento da atriz e a potência de suas interpretações me convenceram que foi assim. Pode ser, ou não, Talvez ela tenha exagerado na dose, e visto o romance com lente de aumento. Visto também seu desespero com lente de aumento.  E é um desespero crescente, em subida íngreme.  No decorrer da peça, tudo em Ana Baird  vai ficando fora de ordem - cabelo, maquiagem, vestido, colar, microfone. O palco, a bolsa e a alma estão tresloucadas. . A sanidade de sua crooner comprometidíssima a cada capítulo cantado desta saga de amor e sofrimento.
Melhor para nós, espectadores ansiosos por gargalhadas.  Temos uma caricatura de excelente traço diante de nossos olhos, viva, cantando, e agradando em cheio os nossos ouvidos.  Ela vai de Maysa a Jorge Aragão, passando por Chico Buarque e Betânia. As internacionais são maravilhosas - Cry me a River, The Lady is a Tramp, e, claro I´ll Survive, de Glória Gaynor.  Incorpora pombas giras, ciganas, Maria Callas, Greta Garbo, Judy Garland,  Dolores Duran. Todas ali, dentro daquele vestido vermelho, soltando alto a voz, e se rasgando de paixão.
Acho, sinceramente, que nunca mais vou sofrer por amor. Cada vez que eu me lembrar desta Chave de Cadeia, eu vou é chorar de rir.


                   Ana Baird, e o desespero que precede o caos - a mulher é uma avalanche

quarta-feira, 27 de junho de 2012

E aí, comeu?

Um Roxy perto de mim
Três moços e uma só vontade
Mas, comer o quê?




A partir do texto de Marcelo Rubens Paiva, E aí, comeu? Em cartaz nos melhores cinemas, nos melhores endereços, e nos melhores corações


Se tem um negocinho gostoso de fazer nesta vida é pegar um cineminha. Pode ter Tv a Cabo, LCD, HD. Cinema é diferente, é como entrar numa nave espacial,  e mais: filme assim, como esse, pagou um ingresso de cinema, valeu uma sessão de terapia, com troco e tudo.

É o caso. Fui sem nenhuma pretensão de nadíssima alguma. Fui para rir, só rir, comer minha pipoquinha, espairecer. "Quero a alegria das coisas simples ",  ensinou Manuel Bandeira, e quem sou para contrariar. Com E aí, comeu? Tive tudo isso e ainda saí cheia de genuína esperança. De fé na vida, no casamento, no homem, na mulher, no encontro. E no desencontro também, porque não?  Sem desencontro não pode haver novo encontro...

Excelente a estratégia da direção.O filme começa  em tom bem pejorativo. Em linguagem chula, Marcos Palmeira em close detona com a mulherada. Reduz nosso gênero a pó de mico. Gargalhadas no cinema. Companheiras, calma, a luta continua. Fará total sentido.

Cena a cena a situação firma-se. Temos três rapazes frustrados com suas companheiras ou com sua solidão. Ou com  ambas, a companheira e a solidão. Acontece, ah, acontece. Temem. Temem o momento presente, o futuro, estão apegados a modelos que deram defeito, e não tem conserto.

Mas o Bicho Homem é teimoso e acredita mais no garçon do boteco do que no Papa. Principalmente se o garçon for S.Jorge, que convence no papel do bom malandro, do novo malandro; trabalha honestamente e pinta o sete fora do horário do batente. É o confessor do trio, e toca a bola com Mazzeo, Palmeiro e Orsioo que é uma beleza.
Entre um chopp e outro o consultor dos rapazes vai mostrando que a coisa está feia, o mercado disputado, e a mercadoria de qualidade, escassa.  O filme conta com  participações especiais brilhantes, (Juliana Paes, Murilo Benicio, Renata Castro Barbosa e Luciana Fregolente, entre outros)  e que analogamente podemos afirmar que repete a vida real. Muita mulher bonita, muito sexo, muita diversão. É. Vê-se muita participação, e claro que dá brilho, dá alegria, dá charme. Tem muito espaço para a festa. Mas para o papel de protagonista, caríssimos, temos dificuldade em escolher.  Poucas opções com o perfil desejado. Poucos são os escolhidos para as cenas de maior intimidade emocional, e dentre estes, alguns não aceitarão esse personagem. Não estão preparados.

Neste cenário, os bonitões vão se apavorando. Sozinhos, abandonados, ameaçados por traição, (inimiga número 1 de dez entre nove varões brasileiros)  cada um tem seu drama e nenhum parece enxergar solução. Até que decidem, corajosamente, libertar-se das soluções antigas, e partir para novas soluções. cada um ao seu estilo. Nada de padrão, eu já disse isso aqui. O padrão aprisiona. Amor não tem bula, não tem receita de bolo, não é por encomenda. Revela-se. Invade. Surge. Você tem medo, olha pelo vão da porta, mas ele atravessa sua hesitação e instala-se, dentro de sua sala.

É preciso coragem para viver, e para acreditar. Para romper com o passado, com o padrão imposto, com maluquices, cismas, picuinhas.  Permitir-se uma caminhada por outros rumos, aos poucos, com a curiosidade do cientista e a delicadeza do ourives. E assim, dado o primeiro passo, os seguintes virão naturalmente. Os pés leves, e já não são passos, são compassos, delicados, dançantes.

Parabéns aos corajosos produtores. Além dos quesitos técnicos de praxe estarem corretíssimos, do início ao fim, acertaram em cheio no campo subjetivo do filme. Partiram de um contexto masculino e criaram um dos filmes mais feministas já exibidos em nossas telas. Iludiram o espectador, hein, espertinhos. Muito folgadões, os galãs passando-se por machistas de carteirinhas. Só queriam amar, só queriam amar, só queriam amar.



Luciana Fregolente, Bruno Mazzeo e Renata Castro Barbosa. As Alucinadas entraram no Comeu, separadamente,  e hilárias

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Alguém acaba de morrer lá fora

Alguém acaba de morrer lá fora
Alguém?
Quem?



Texto de Jô Bilac. Direção de Pedro Neschling. Da esquerda para direita: Pedro Nercessian,  Lucélia Santos, Ricardo Santos e Vitoria Frate.
Foto: Divulgação

Caríssimos, vamos entender quem é Jô Billac, se é que conseguiremos. A princípio, é um jovem dramaturgo carioca cujas obras estão marcadas pelo punhal do destino. Sim. Fatídico punhal; aquela terrível certeza que nos acompanha desde o nascimento - a morte. Filho de pai espanhol e mãe brasileira, passou a infância entre Madrid e o Rio, e da cultura hispânica deve ter absorvido esse gosto pelo golpe de misericórdia, tão ao estilo dos geniais Almodóvar e Saura. Temos então no rapaz uma mistura forte: sua juventude e sua pouca idade, às quais não associamos a temas de mistério e de suspense. Isto está mais para os cinquentões enfumaçados. Ainda há um charme extra nos ditos mistérios, e talvez seja esse o touché do toureiro, e é que são possíveis. Cabíveis no contexto comum da vida comum de pessoas comuns.  Por isso, a impossibilidade de sermos precisos quanto ao arquiteto destas situações. Pode ser Billac, ou qualquer um de nós.


Assustador. O que Jô Billac escreve e descreve pode acontecer com qualquer um de nós, basta estar vivo, basta estar um pouquinho desatento, e pronto, foi-se o que era doce.  Estamos por um fio, e o que sucederá é destino. E de quem foi a mão do destino? Quem é o culpado? Há culpado? Neste Alguém acaba de morrer lá fora, o premiado Jô explora as multiplicidades de opções disponíveis e imagináveis de forma especial. Contou com o talento do diretor Pedro Neschling,  das atrizes Lucelia Santos e Vitoria Frate (respectivamente sua mãe e sua namorada) e dos atores Ricardo Santos e Pedro Nercessian. Impressionante, como ele combinou e descombinou as duas gerações de atores no palco, formando casais previsíveis e imprevisíveis, aliados, inimigos, parceiros e juízes. 


São muitos os desdobramentos de um único fato e muitas as variações da verdade.  Aliás, a verdade, o que é? "Uma história bem contada, em que todo mundo acredita", já dizia Monteiro Lobato. Como somos muitos, e como acreditamos em coisas bem diferentes, existirão portanto muitas verdades diferentes. Muitas vítimas, muitos algozes, muitos investigadores. Estão por todos os lados, disfarçados de garçon e professora de inglês. Fantasiados de amores de antigos carnavais. De cara limpa mesmo.

As versões e seus personagens estão à venda, a varejo. Quase um produto de prateleira. O caríssimo escolherá a que melhor convier. Talvez seja um ente querido quem morreu lá fora.  Talvez não.  Talvez seja seu vizinho chato, ou o querido amigo, ou talvez seu amante, talvez seu ex-futuro amor.  Talvez eu seja a culpada,com este ar de muita concentração, aqui escrevendo e arquitetando mais um bem disfarçado assassinato.  Talvez você, aí, seja meu cúmplice, ansioso se eu não estaria aqui cometendo alguma indiscrição que o entregasse às autoridades. Descomprometidos que somos, os cidadãos civilizados, com os rigores morais, não é mesmo? Temos todos uma pontinha de razão. Afinal, há sempre alguém morrendo, há sempre alguém matando, de fome, de tédio, de raiva ou de medo.   E  nascendo, e vivendo, e partindo, e chegando, para uma nova vida, um novo amor, um novo sucesso.

A vida tem outras saídas. Curiosa e genialmente, a morte também.

Mais não digo. É preciso coragem, para avançar destemidos, pela obra de Jô Billac adentro.

  Jô Billac e seus mistérios possíveis

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Antígona, de Sófocles e Mariozinho

Tebas
Argos
Atenas
Praia do Flamengo


" Depois de contrariado o Destino, tudo é desatino" (Sofócles)


   
    Vemos acima Antígona, incorporada pela estrela  Maria Rita Rezende. Perfeita




No elenco, Último de Carvalho, como Creonte, em pé, ao centro, rodeado pelos maravilhosos Karina Diniz,  Mariozinho Telles, Roberta Mancuso, Felipe Caetano, e Maria Rita Rezende.
Dirigidos por Mariozinho Telles, decodificam a mitológica Antígona.
Tradução:  Millôr Fernandes.


Caríssimos, vamos situar-nos.Estamos em Tebas, na Grécia Antiga. Lembram de Édipo, aquele que se apaixonou, casou e procriou com a mãe, Jocasta? Bem, ele teve filhos de sua união incestuosa: Etéocle e Polinice. E filhas: Antigona e Ismene.  As cidades de Argos e Tebas entram em guerra, pelo poder.  Etéocle e Polinice lutam em lados opostos, e ambos morrem na batalha final.  Vence Tebas. Sucessor do trono, Creonte, irmão de Jocasta e cunhado de Édipo, assume o governo de Tebas.  Ofendido pela traição de Polinice, que guerreou contra ele e sua amada pólis Tebas, Creonte proibe seu funeral.  Decreta que seu corpo morto jazeria ao relento e serviria de alimento ao abutres. A religião grega atribuia 100 anos de sofrimento e solidão aos espíritos dos falecidos não sepultados conforme seus rituais.


Chegamos juntos até aqui? 


Este é o cenário: a guerra acabou, Tebas e Argos sob o poder de Creonte. O corpo de Polinice ao relento, como exemplo para os que pretendessem trair a nova ordem política, conquistada através de uma guerra cara e sangrenta.  A proibição de seu funeral constituiu-se em símbolo da egolatria estatal, que se colocou acima  e além das leis religiosas.
 Mas Creonte equivocou-se. Mão pesada demais.
O povo vive sem política mas não vive sem religião.
Sua sobrinha, Antígona, filha de Édipo, irmã dos falecidos,  noiva de seu filho Hemon, desafiou-o.  Fiel ao irmão e aos ditames religiosos, ela descumpriu a ordem de Creonte e prestou as honrarias fúnebres ao morto. 
O que vem daí, caríssimos, é tragédia grega. Condenada à morte, Antígona mantém sua posição e declara que entendeu que os rituais fúnebres eram justos e devidos e que enterrou seu irmão. Foi condenada  à morte cruel por sua desobediência.  Na esteira incontrolável da sequência do fatos, ela sai da história como mártir, e vitoriosa. Aniquilou com o prestígio popular de Creonte, pobre Creonte.  O poder que subiu à sua cabeça findou por ser sua desgraça - a guerra, a luta, o trono, tudo posto abaixo pela coragem da poderosa Antigona.  Com seu gesto desafiador,  preferiu a morte a seguir as leis dos homens que pareciam-lhe injustas.Deu no que deu. Antigona morreu, e levou Hemon, filho de Creonte, e  Euridice, mulher de Creonte,.  A tragédia instalou-se no palácio.


Isto tudo eu assisti, caríssimos, e foi com esses personagens ao vivo. 


Confortavelmente instalada no Finep da Praia do Flamengo, eu bem estive em Tebas e presenciei essa luta de egos. Estou louca? Não. Eles estão ali sim, em carne e osso, e fazem parte da obra clássica do Teatro de Roda, companhia teatral que está trazendo para o palco esta pérola da dramaturgia grega.


 Educação no Brasil fosse coisa séria, assistir Antígona seria item obrigatório no curriculo escolar. Faz parte da triologia tebana, junto a Édipo Rei, e Édipo em Colono. É clássico, fonte para beber com fartura, e alimentar a alma com genuíno saber. Mas não. Ao Estado brasileiro (bem como a Creonte) não interessa fomentar a consciência política e o questionamento da legislação imposta.  Nossa hipócrita democracia gerencia o medo (medo da pobreza, da doença, do desemprego), e não o conhecimento e a Educação. Estivesse eu errada, a platéia estaria lotada de jovens e adolescentes. Mas não estão sendo direcionados neste sentido. 
Não há maior adesão à causa do desafio a ordem imposta. Isto é para os loucos e para os artistas.


Mariozinho Telles, louco artista adorável, fez um montagem no estilo que amo, o seu Teatro da Interpretação.  Intrinsicamente questionador, sua pedra fundamental é o ator, e sua competência para a dita interpretação, ao lado de um  profundo conhecimento do texto. Demais detalhes totalmente dispensáveis. O diretor constrói Tebas, túmulos, tribunais e alcovas gregas sem levantar uma coluna do chão. Novamente ele cria cenários sem móveis, e figurinos sem figurinos, pela mágica de sua direção. Criou uma multidão grega com seis atores. Aclamou , julgou e depôs um Rei Grego com os mesmos seis atores. Impressionante. Ele é a Antígona masculina, desafiando a ordem imposta.


Seu fórum íntimo o sentencia fiel à sua verdade - o teatro fincado no talento do ator. Fala mais alto. Devo acrescentar que Mariozinho Telles não revoluciona sozinho.  Maria Rita Rezende, um doce de pessoa, é uma Antígona implacável. Cega, leal, indomável. Uma grega, uma Helena, uma Guerreira. Karina Diniz e Roberta Mancuso estão  excelentes, pesadas, trágicas, entregues ao destino cruel. Infalíveis talentos, infalível destino de sucesso. Ah sim. Trocam de papéis o tempo inteiro, sem trocar de roupa. Criaturas mitólógicas que assumem personalidades distintas, como que acionadas por um controle remoto invisível. Último de Carvalho não é Último. É Creonte. Perturbado pelo poder, inflexível, vaidoso, irredutível, tenho medo de seu olhar. Pode condenar-me à morte, com facilidade.
Hemon, na pede de Felipe é comandante das tropas, é noivo terno, e filho fiel, fiel até a morte. Outro que tenho medo. Pode convocar-nos à luta armada, e iremos.


Saí impactada, pela grandiosidade do valor artístico do espetáculo. O tempo e o espaço não existem senão sobre aquele palco. Assustada pela atualidade de seu conteúdo político, e pela necessidade, urgente, de que nossos estudantes assistam e entendam do que se trata Antígona. É minha esperança.


Fica a minha recomendação. Antígona é necessária. Principalmente para as mentes em formação. Precisamos formar novos políticos. Precisamos de cultura clássica, onde foram gerados os conceitos que até hoje norteiam os processos legais. Temos aí um exemplo da importância da hierarquia das leis. A lei maior é a que está instalada em nosso coração, arraigada nas nossas convicções. Afora isto, é arbitrariedade. Afora isto, haverá um corajoso para contrariar.


Viva Mariozinho Telles, brasileiro corajoso, que contraria o ôba ôba teatral tão em moda hoje em dia, e segue os ditames mais arraigados de seu coração artístico. Oferece ao brasileiro os Clássicos do Teatro.
Isso sim, é fomentar a formação política.



    Mariozinho Telles, mestre, diretor, ator. Cidadão Brasileiro

"O conhecimento de ANTÍGONA, de Sófocles, é necessário a todos os que aspiram aos avanços civilizadores da humanidade pela incomparável envergadura deste debate do indivíduo com a intransponível autoridade impessoal do poder, em um diálogo que se estende além das palavras e que invariavelmente só encontra o seu desfecho no desenrolar dos fatos que recaem sobre o indivíduo e refletem no Estado. " (Mariozinho Telles)

Espaço Cultural FINEP 
Praia do Flamengo, 200
Tel.: (21) 2555-0717
Segunda, às 19h
Espetáculo não recomendado para menores de 12 anos 
Em cartaz até 25/06/2012

domingo, 17 de junho de 2012

Poderosa Martha Medeiros

 Rio de Janeiro
 Arpoador
 Martha Medeiros na pauta do dia

 
Martha Medeiros, que fez o carioca pensar mais sério hoje 
Foto: Divulgação


‎"O início da paixão é estratosférico, as pessoas não param quietas exibindo tudo que podem fazer. Depois passam a confessar o que realmente querem. A paixão é mentir tudo que você não é. O amor é começar a dizer a verdade." Fabrício Carpinejar - in Revista O Globo, 17 de Junho.


Leio a página de Martha Medeiros na Revista do Jornal todo domingo, eu e a torcida do Flamengo.  
Intriga-me como ela sempre acerta no alvo. Escreve sobre o que queremos ouvir e sobre o que precisamos ouvir.
Sucesso semanal. 
Bem, hoje a coisa transbordou.

Mal pisei no calçadão para a caminhada profilática do sétimo dia, minha amiga: "- Já leu a Martha hoje?".  Recebi uma mensagem no celular, de outra amiga: "-Leia a Martha hoje!!!". 
Facebook: citações sobre a coluna. Teve uma que postou a página na íntegra, scanned.

Li. Reli. Li de novo.

Martha descreve com sua habitual clarividência o comportamento dos casais no início de sua relação, a partir da citação de Fabricio Carpinejar (acima).  Que canetada de mestre. Falou sobre todos os casais do mundo em um texto só. 

Hoje, a Poderosa Martha colocou o dedo na ferida aberta, pelo menos na minha.

As relações amorosas tem curta duração, e essa é nossa grande mágoa.  Apenas 5% dos casais passam dos cinco anos juntos, as estatísticas e os círculos que frequentamos comprovam esta estimativa. E o ser humano, que inegavelmente deseja ser feliz no amor  e viver um relacionamento em plenitude, frustra-se quando isto não ocorre. O motivo, caríssimos, pode ser esse aí da citação - entramos no esquema meio equivocados. No começo tudo são flores. Mostramos o que de melhor temos, e se não temos, criamos. Como pavões exibindo cores exuberantes. Há agitação, há ansiedade, há um desfile de qualidades e habilidades. Frisson. Queremos emagrecer, esbanjar charme e distinção, profundidade intelectual, irreverência. Mostrar-nos seguros de nós mesmos.  Mas esse enaltecer-se não é vão. Não é mentira. Não é invenção. 

É uma projeção. Desejamos ser assim, é o "dever ser "  de Kant, na esfera amorosa. Desejamos que o eleito nos veja assim, e vendo, e parecendo ser, assim seremos. Seguiremos o modelo que criamos. Comprometemo-nos a sermos especiais, gentis, compreensivas, fogosas. Companheiras. E elezinho também. Um doce, um docinho. Viril, disponível, cheiroso.


O começo de uma relação é um começo de esperança.  Vamos com sede ao pote mesmo, porque somos (ou estamos) sedentos de amor. Enraizada no terreno arenoso do coração, a esperança pode afundar ou desaparecer a qualquer momento, basta uma mudança de ventos mais expressiva.

O personagem ideal não se sustenta sequer por médio prazo. Passados 6 meses para uns, 9 meses para outros, ano e meio para os demais, a vida real se impõe.  Não temos mais como alardear as vantagens e a imensa alegria que é viver lado a lado; o outro já tem dados reais de avaliação, e constatou que de tudo que foi prometido, pouco se realizou. A propaganda foi substituída pela realidade. 

Mas houve mentira? Houve enganação? Afora os casos clássicos de gente que esconde casamentos, filhos, e propriedades, não há muito como mentir sobre si mesmo, pois não sabemos a verdade sobre nós mesmos. Quem se conhece a tal ponto? Quem é capaz de prever como será, se amado e cuidado e realizado? Ou como se comportará diante de um desagrado, uma frustraçãozinha, uma ofensa? Tudo muda a cada segundo. Trazemos conosco um código indecifrável, no nosso DNA sentimental.  O que alegra hoje, inferniza ano que vem. O que me faz feliz  aqui e agora, não é suficiente para um mísero suspiro em circunstâncias distintas. As pessoas e seus corações mudam. Expectativas altas demais, metas arrojadas demais, e pronto.

Foi-se.  

É preciso desenterrar a esperança do coração, e plantá-la em terreno mais fértil. Coração é terreno arenoso.
Talvez, no solo mais firme do mútuo conhecimento. Da prudência. Avançar um passo de cada vez. Um dia de cada vez. Devagar, devagar se vai mais longe.

Mas dosar-se assim, caríssimos, exige anos de treinamento. Como dizia-se na malandragem,  isso aí é biscoito fino. É coisa rara, para muito poucos.





sexta-feira, 15 de junho de 2012

O novo ser

Rio de Janeiro
Ipanema
Santa Tereza
Ruínas
Paisagens





   Barriga linda


Caríssimos, como bem se sabe,  para todos os seres há um prazo de gestação.

Mamíferos, ovíparos, peixes. É preciso esperar meses, semanas, dias, para que nasça a cria.
Fica ali, nas entranhas.

Lateja. Pulsa, mexe.

O novo ser habita, silencioso e vivo, misturado na carne, no sangue. Crescendo, ampliando, fortalecendo-se.
Cuidado, protegido, esperado, o novo ser segue diariamente sendo irrigado pelas melhores vibrações.
Seus contornos físicos vão se definindo, e o mundo exterior vai sendo preparado para recebê-lo.  É preciso abrir espaço, e ajeitar o ambiente para que se sinta confortável, seguro, querido.
E ele vem.
Estoura corpo afora. Anuncia sua chegada, vem rompendo, e vem em festa.
É sobrenatural.

O amor, caríssimos, é um ser vivo também. Tem corpo, tem alma, tem vontade. Tem cheiro, tem fome, chora, ri. (A gente se refere ao amor como a um ser vivo - "nosso amor nasceu...", " o amor foi crescendo".)

Mais democrático que a gestação dos humanos, o amor não diferencia gênero. Homem e mulher tem útero em matéria de amor. Ambos são fecundados e gestam. A barriga aponta, tímida no início, percebem um movimento aqui, um ali. Fazem exames para checar se está tudo bem. Preparam o enxoval, lindo, feito de músicas, de sorrisos, de momentos especiais. Em parceria, tecem mantas para aquecê-lo, mantas de luar, de beijos. De escutas, de risos, de silêncios,
No momento exato, nem antes, nem depois, o Novo Amor vem ao mundo. O parto é duplo. Dão à luz juntos, o recebem de braços abertos, e o aconchegam, profundamente emocionados. É prêmio, é presente, é sorte. É merecimento.

Passarão noites em claro cuidando, embevecidos, de seu amor, e o levarão para tomar sol pela manhã.
Ao retorno, banhos perfumados, alimento fresco. Capricho, muito capricho nas palavras, nos gestos. Cuidarão para que sinta feliz, seguro, e saudável. O Novo amor precisa de cuidados.

Vem aí uma vida nova, com novas rotinas, novos hábitos. Que bom, uma nova vida pela frente.

Preciso confessar, caríssimos, que nestes termos, eu estou grávida.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Namoro Sustentável

Brasil
Rio
Mais Vinte
Mais Vinte Séculos de Amor



    Florir e Multiplicar

A palavra de hoje é namorar. Namorar para valer.

O Rio convida ao namoro; e convida ao Amor. Felizes os que aceitam o convite, por prontos, por abertos, por livres. Por desejosos de mais Amar.

O Rio está convidando também para o Rio+20. Autoridades mundiais sobre sustentabilidade estão vindo aí. Não podemos escapar desta atmosfera. O trânsito será desviado, aulas serão suspensas, a cidade orbitará em torno desta grandiosa convenção. Essa corrente de idéias de amor ao planeta correrá do Rio para o Mar, para além Mar, e se Deus quiser, para dentro do planeta, possibilitando a sobrevivência da raça humana.

O conceito de sustentabilidade parte do conceito de permitir a continuidade. Na prática, explorar com inteligência os recursos naturais de forma que não se esgotem, e que continuem disponíveis para as gerações presentes e futuras.

Vamos aplicar este conceito no Amor, nas relações amorosas. Preservá-las, multiplicá-las, espalhar o sentimento de paz e amor  pela superfície do corpo e da alma.

Florir.

Vamos amar (e nos fazer amar) de forma inteligente.  Amar no outro aquilo que ele é, fundamentalmente, e que continuará a ser no dia seguinte, e na semana seguinte, e no mês seguinte, e depois e depois; da mesma forma revelarmo-nos, para que nossa essência seja amada, pois é a essência que se perpetuará pelo tempo material.

E é preciso cuidar, proteger, entender, respeitar. Inegocíáveis esses atos. Assim plantar as sementes milagrosas do Amor, colher, replantar, colher de novo. Que brote no deserto, no gelo, que traga riqueza espiritual aos que o cultivarem com sabedoria, àqueles que usem as melhores técnicas de produção. Comecemos por limpar o terreno. Remover tudo que não interessa e possa atrapalhar a semeadura. Regar, regar carinhosamente com águas limpas. Deste terreno fértil e bem cuidado, brotarão frutos deliciosos. Nada de olho grande, hein? Devemos distribuir os frutos da terra amorosa igualmente e com justiça;  ambos devem receber a dose que os satisfaça.
Fundamental mantermos puras as águas deste mundo especial, o mundo dos amantes. Precisam de águas cristalinas, transparentes, reveladoras, para saciarem-se um no outro sem medo. Que matem a sede, que sejam abundantes, e que lavem a alma.

E o ar, o ar que respiram? Que seja leve, perfumado, com odor próprio, exalado do coração. Que oxigene a mente, que refresque o rosto, que os alivie. Que circule, brisa, vento, maresia, sopro, e mantenha o ambiente arejado.

Que os olhos e as mãos dos namorados trabalhem incessantemente para preservá-lo. Fortalecê-lo num tripé de educação, saúde e trabalho. Que o Amor sobreviva à mudanças de estação, às mudanças econômicas.

Que aguente impactos imprevisíveis, e que prossiga, possivelmente, perenemente, viavelmente. E que se sustente por meios próprios, sem interferências; que encontre em si mesmo, em seus atos diários, a fonte de sua manutenção e reprodução.

Que seja Amor, que seja digno, que seja farto. Que seja vida, por mais vinte séculos, neste e em qualquer outro planeta.




segunda-feira, 11 de junho de 2012

Não Existe Mulher Difícil

Teatro do Leblon
Irresistível Labirinto Teatral


Não existe mulher difícil
(só mulher impossível)




Marcelo Serrado em "Não existe mulher difícil"
A partir do livro de André Aguiar Marques.
Texto de Lucio Mauro Filho
Direção: Otávio Muller


Marcelo Serrado sobe aos palcos para levantar, em monólogo, a bandeira do machão infeliz e mal amado, vejam bem, se isto é coisa que se faça.
Quem discordará? Marcelo é jovem, bonito, e talentoso. Por ano e meio nos convenceu que era Crô, a governanta gay da toda poderosa protagonista da novela das oito. Ele discorre, com sucesso durante sua hora e meia de stand up, que a mulherada é neurótica, traiçoeira, ninfomaníaca, e chata para caramba. Como sempre, a única qualificada foi esposa, justamente aquela que não o quis. Saímos cientes que os relacionamentos tem curto prazo de validade, todos em algum momento de separam, e que traições fazem parte do jogo. A certeza maior, caríssimos, é que o Bicho Homem, na verdade, tem pouco para dar, e muito a pedir.

O texto, atualíssimo, situa essa maluquice que é a relação a dois no mundo moderno. Brinca com as brigas nascidas dos murais abertos do Facebook, com as fofocas das amigas, a compulsão feminina de comprar bolsas caras, o radicalismo das naturalistas. Ironiza com os quarentões que vão às festas para solteiros.  Reduz o Twitter a um mico coletivo, e por aí a fora. Upload on line, ainda pede a Xuxa que não renegue o Rei Pelé.

Você ri, o  espectador ao lado ri, os casaizinhos riem, os solteiros riem. Tanto por que é engraçado, a maioria do tempo, como porque às vezes ficamos sem graça. Caríssimos, estamos no Leblon, ponto chique de gente chique, não dá para achar graça em seu pedido ao iluminador para apagar as luzes, que ele não quer ver a cara de ninguém.  É uma dessas vezes que a gente ri, assim, meio sem rir. Outra: quando ele avisa que quem estiver achando chato pode dormir, estamos pagando e ele não se importa, pode dormir nas filas do canto sem nenhum problema. Aí  Marcelinho, cuidado. Você é bom demais para enveredar por esse caminho.

Marcelo Serrado é também médium;  às vezes Crô reencarna. Rimos de novo, Crô será Crô para sempre, e nos fará gargalhar sempre. Marcou, pronto, marcou, e é indiscutivelmente um trabalho excepcional de sua carreira de ator. E cá para nós, em todas as mulheres que ele representou, vi pouco de Crô, e um pouco de todas nós, malucas, difíceis, impossíveis, e adoráveis.














domingo, 10 de junho de 2012

Como fracassar e se esbaldar

Ipanema City
Para siempre mi Ipanema


Como ser feliz? Rindo



Gueminho Bernardes em Palestra Desmotivacional - " Como fracassar na Vida e ser infeliz no Amor" 


Ô rapaz! Quer ser feliz no Amor?
E no trabalho, quer ter sucesso e prosperar?

Então esqueça o que te ensinaram  e vá ao teatro ouvir os conselhos do mineiro Gueminho Bernardes.
Você vai rir por hora e meia com este palestrante hilário, e suas dicas loucas e perfeitamente realistas.  Muito mais viáveis que as ditas e escritas nos livros de auto-ajuda, palestras motivacionais e cursos de desenvolvimento pessoal, que afinal, serviram para enriquecer seus autores e promotores. Estes sim, foram comprovadamente ajudados pelos livros que lançaram, ou você conhece alguém que seguiu The Secret e encontrou um brilhante no meio fio?

Vamos deixar de balela. Houvesse fórmula para  felicidade e realização plenas não tínhamos pobres e amargurados no mundo. Gueminho desmonta, na maior farra, essa estrutura falsa de auto-motivação de prateleira. Auto-motivação mesmo, queridos, é trabalhar no que se gosta. É organizar sua rotina produzindo com qualidade, e encontrando prazer no resultado do trabalho.
Não é palestra de empresa que vai fazer de você um bom funcionário, aliás, a maioria dos executivos bem remunerados está ocupada demais para assistir esse tipo de coisa. Conselheiros amorosos e astrólogos e pais de santo - também não farão nada por você, caríssimo, se você não arregaçar as manguinhas e reagir. Enquanto isto, ganham a vida oferecendo o que todos queremos: a pessoa amada, o bem estar físico, emocional, e.... bancário.

O stand-up está dividido em dois atos: um para o trabalho, e outro para o amor. Empatam, são campeões de risos.
Como criatura amorosa que sou, esbaldei-me no segundo ato - reconheçamos: o amor é  temperinho bom demais dessa vida, gente. Entre risadas e gargalhadas e sustos, temos explicações científicas sobre incompatibilidades matrimoniais, e sexuais. O sábio mineiro  apresenta conceitos técnicos sobre o membro sexual masculino, por exemplo,  suas limitações e desvantagens. Segue nesta linha, debochando da vida a dois, a partir de situações e objetos indiscutivelmente concretos. Entre um deboche e outro vai inserindo pérolas. Revelações. Sua ironia bem humorada e a crítica inteligente revelam, mesmo, o que há por detrás da demagogia socialmente aceita.

Se você quer se motivar, vá. Essa palestra de desmotivação é ótima: libera do esforço vão, de nadar contra a maré. A vida é dura, você vai sofrer em vários momentos. Portanto, relaxe, caríssimo, e chore de rir.


quinta-feira, 7 de junho de 2012

Novas Rotas

Copacabana Posto Seis
Tijuca
Copacabana Posto Seis
Tijuca
De Pajero


    Novas Rotas a Tempo Certo


    Se eu pudesse escolher, eu traçaria rotas de fuga.
    Pela orla, ar livre, céu aberto. Cheiro de mar, cheiro de sal, vento.
    Avançaria Brasil afora rumo ao nordeste, em caminho livre, perfumado de maresia.

    Faço parte da população economicamente ativa. Não tenho tempo hábil para levar meus pimpolhos ao colégio, os horários são incompatíveis. Contratei uma van. Não era bem uma van, era uma Pajero, igualzinha a esta da foto. O motorista, de total confiança. Profissional experiente. Pontual, responsável, zelando pelo bom comportamento dos pimpolhos uniformizados.  Possibilitando, mediante acertado pagamento, o acesso diário de meu caçulinha ao seu colégio, a sua professora, aos seus amiguinhos. A uma das partes mais importantes e determinantes de sua vida -  o terreno da educação formal. Da instrução.

    E assim foi. Infalível como um trem suiço, às seis da manhã, S.Jorge e seu Pajero na minha porta, Pedro vai,  Às 12:30, Pedro volta,  meu pimpolho entregue em perfeito estado. Ano após ano. Sexta última, o prezado motorista desceu de sua máquina de transportar criancinhas e fez queixa de meu Pedrinho. O pequeno é guloso demais. Come na van. Suja os bancos. Derrama Toddynho. Mostrou-me papéis de bala, de sanduíches, canudos sujos.  Pediu que eu conversasse com ele. Argumentou que tantos lanchinhos haviam  também de atrapalhar o almoço. Aceitei sua queixa. Concordei prontamente. Higiene é limpeza e inclui bons hábitos de alimentação. Despediu-se de mim, estava bem disposto, ativo, dinâmico.  Apertamos as mãos, e eu desejei bom fim de semana.
Ok.
Segunda feira S.Jorge e sua Pajero não vieram. Sem sinal. Quatro crianças sem seu guia. Ligamos para o colégio, e fomos informados que S.Jorge falecera sexta feira à noite, de enfarte fulminante. Horas, poucas horas, talvez seis horas depois de nossa conversinha amigável.

Foi-se.
Assim somos nós, e assim é nossa existência fugaz.
Hoje estamos aqui, em pé, trabalhando e papeando. Em horas não estamos mais. Regra injusta, desconhecida, não sabemos nossa hora, talvez não tenhamos feito as malas e nem pago as nossas contas; mas teremos que ir, e deixaremos pessoinhas nos esperando.

Nosso contrato de serviço na Terra foi firmado sem a devida clareza. Não temos conhecimento do nosso prazo de validade. Não sabemos, simplesmente não sabemos o dia da rescisão do contrato, e pode ser que não haja tempo de resolver aquele assunto difícil ou de beijar o filho com quem fomos injustos. Pode não dar tempo de ficar de bem com o marido. Ou de separar dele de vez e partir para um novo amor.
Não. Pode não dar tempo de pedir ajuda. De seguir o conselho, de erguer a taça.
De decidir, de escolher. De mudar.

Pode não dar tempo de voltar atrás ou de seguir em frente.
Pode ser que a gente não tenha tempo para consertar nossos mal feitos. Nossos desafetos, nossos arremedos.  Tampouco comemorar de verdade nossas vitórias. Estamos sempre correndo e a qualquer momento podemos não ter mais um segundo.

Como viver assim, com as malas prontas e as contas pagas? Com as atitudes tomadas? Como estar sempre em dia com seu sonho e com sua realidade?  Ah, regrinha terrível esta do tempo curto, que nos toma o futuro sem aviso prévio, que tira nosso destino de nós mesmos. Que nos impõe a rota de fuga, sem saber se ainda precisamos ficar.

Desejo que S.Jorge tenha tido o tempo que precisou ter. Que tenha tomado então a rota do céu, escolhendo o melhor caminho, e que lá chegando conduza os querubins para suas mestras, com o mesmo carinho que conduziu meu filhote todo este tempo. Anjos sortudos, esses que o terão por guia.

Nota: para Jorge Matte com um beijo de Pedro

Obsessão

Cardeal Verde e Amarelo
Reto
em Arco
Cardeal ArcoVerde


Obsessão
Teatro Glaucio Gil
Praça Cardeal Arcoverde, Copacabana
De sexta a domingo, 21 horas

 

  Celso Taddei. Ana Baird, Antonio Fragoso, Carla Faour, e Daniel Belmonte.  Texto de Carla Faour, a partir do site dramadiario.com. Direção: Henrique Tavares
 Foto: Divulgação


" O texto nasceu em um site chamado Drama Diário. Desde 2008, sete dramaturgos publicaram cerca de 500 textos. Em 2011, o site foi reformulado e os autores optaram pela continuidade. Eles estão escreveram sete histórias, publicando um capítulo por semana. As visitas ao site triplicaram e a participação dos internautas aumentou consideravelmente, com o envio de sugestões e comentários" (divulgação)



A  vida como ela é, ou melhor, como não devia ser.
As mulheres como são. Somos malvadas. Somos insatisfeitas, insaciáveis, vingativas. Roubamos e seremos roubadas.
Os homens como são, e não deviam, ah, não deviam. Bobos para umas coisas, hábeis para outras, e vivendo sem maiores questionamentos éticos.  Prontos para agir e reagir.

As protagonistas da peça, Livia  (Ana Baird) e  Marina (Carla Faour)  foram traídas mutuamente pelo amor que sentiram pelo mesmo homem. A amizade foi trocada sem remorso pelo amor de Marcelo (Antonio Fragoso).
Partindo desta afirmativa, verificamos que... ôps!... A afirmativa está errada. Não são protagonistas de uma encenação teatral, personagens de ficção. São o retrato vivo de muitas mulheres independentes e pensantes. Traídas? Não. Uma única traição. As seguintes foram  vinganças bem planejadas. Amor? Rá Rá Rá. Amor não é nada disto. Homem? Que homem?  Um pastel, um belo pastel.  Um homem absolutamente comum, endeusado pela paixão alheia, que atribuí-lhe características e qualidades que só a  pura generosidade do amor pode enxergar. Ele não é inteligente, não é sedutor, não é articulado, não é sexy. Mas foi escolhido por essas adoráveis malucas para sê-lo.

A peça derruba, a machadadas, os conceitos do amor e da traição. Caríssimos, vamos rever o que entendemos por amor. Posse não é amor. Sexo não é amor. Disputa não é amor. Esses sentimentos estão mais para compulsão que para amor. A gente inventa um amor para levar décadas afora, como vício, como hábito, como obsessão. Dependentes do amor, roubamos, mentimos, armamos. Tudo para termos nossa droga e saboreá-la. No instante seguinte, já não basta uma dose. Precisamos de mais.

Exagero? Que nada. O espetáculo parte de um trabalho coletivo de produção de textos, e infalivelmente repete no palco cenas reais. Vamos identificar aquele casal do clube. Aquele outro, que conhecemos na faculdade. Os amigos de infäncia. Nossa, foi assim com a madrinha do Fulano. E assustador, vamos nos reconhecer aqui e ali, em uma palavra solta, ou presa; em um gesto passional, ou premeditado. Em um beijo roubado.

A trilha sonora é o sexto ator do elenco.  O som alto dos Mutantes na voz rebelde de Caetano Veloso; Rock e tango ao mesmo tempo. Sim. As relações de Obsessão são rock e tango, rebeldia, liberdade e tragédia. São reais. Podem acontecer aqui comigo, e aí, com o caríssimo e confortavelmente bem instalado leitor. Ninguém neste mundo está livre de amar assim, com teimosia, com insistência, com cisma. De acreditar piamente que é amor, mas está a léguas disto.  Ninguém está livre também, de viciar-se neste falso amor, e fazer dele seu pensamento fixo, sua única escolha, presente nos livros lidos e escritos, nas músicas cantadas, nas roupas escolhidas. Lembrei-me de Bucowski, que nos explicou que o amor é um preconceito - se conhecèssemos outras pessoas, as amaríamos mais e melhor que esta, mas como não conhecemos outras pessoas, amamos esta aqui mesmo.

Além da perfeita escolha de um tema extremado como este,  a peça conta com uma direção que misturou drama, comédia e suspense, com maestria,  e com elenco de primeira.  Estão ótimos, cada um em seu estilo. A má é má, a boa é boa e torna-se péssima, o galã bocó é bocó.  Os dois papéis secundários são tão bem compostos e  interpretados, e tem funções definitivas no enredo; cada detalhe de suas personalidades é definitivo para o desfecho final. Alternam-se os cinco intérpretes como atores e narradores, em gestos precisos, cortantes, não há nada suave na interpretação deles, e nem poderia. Estão em total sintonia com o ritmo acelerado da compulsão de amar, e Faour acertou na mosca com as palavras que escolheu. Perfeitas palavras para os loucos sentimentos em questão: apaixonar-se, casar, trair, separar, cair mais uma vez em tentação, manipular, querer, querer, querer.  Cada ato tem uma consequëncia cênica, e uma emenda lógica e inesperada. A cada passo dado, a cada telefonema, a cada beijo, a cada brinde, o círculo se compõe, e se fecha. Estão presos,  e caminham enjaulados, entre as fronteiras que ergueram.

Intrigou-me um detalhe do figurino das duas atrizes. Usam duas bolsas exatamente iguais; cor, modelo, tamanho. Cheguei a pensar que era uma só bolsa, ora com Livia, ora com Marina. Não.  Eram duas bolsas  iguais, clones, réplicas. Não sei se foi de propósito ou por ato falho da produção, mas entendi o recado. Ambas querem carregar no ombro idêntico adereço, o  peso do mesmo amor. Do mesmo homem.

Se o caríssimo  já amou, desamou, voltou, brigou e recaiu, assista. Se não consegue enxergar outra saída, assista. Se ninguém mais te encanta, assista mesmo. Vai pensar duas vezes antes da próxima tentativa de conquista e reconciliação.
Pode ser um caso de mera semelhança com amor. Pode ser obsessão.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

O Grupo ao Lado

Rio de Janeiro
Com licença, é a terra da confraternização



O grupo ao lado


"Mesa de Bar", obra de Flory Menezes, em exposição na Mundo Interior.
Belo exemplo de arte, e de convivência pacífica na boemia


Somos cariocas, somos receptivos, somos comunicativos.
Muito que bem.
Mas precisamos aprimorar nosso comportamento social. Ter mais educação.

Caríssimos, a coisa está feia. Não sou de reclamar, tampouco de calar. Digo porque vi, ou melhor,  porque quase não vi.

Explico. Lá fui eu, animada e feliz, assistir um gordinho querido - Arlindo Cruz - tocar seu samba de primeira no Teatro Rival. Ai que bom. Samba, Arlindo, Rival. Chegamos, sentamos, muito adequadamente vestidas e comportadas, com a alegria que o samba pede e o decôro que a vida impôe. Prontas para um sambinha discreto.

Houve uma conspiração. Uma sabotagem. Tinha o grupo da mesa ao lado. Cinco moças e dois rapazes. Puxaram conversa conosco. Educadamente respondidos e ignorados, visto que o assunto não era interessante e o momento era inconveniente; 22 músicos tocavam tamborins, trombone e cavaquinhos no palco e Arlindo soltando o seu cantar, isso lá é hora de conversa fiada? Seguiram entre si, cada vez falando mais alto para que se ouvissem, e para que os demais pudessem opinar, se necessário fosse.  Pediram baldes de cerveja. Mais. Levantaram-se. Saíram e voltaram com um fedor de cigarro. Requebraram com vontade. Encurralaram-nos. Ficamos espremidas entre o grupo da mesa ao lado e o alambrado do mezzanino do Rival. Pavor.  Cotoveladas, empurrões, trancos, teve de um tudo. Confidenciavam situações íntimas, aos gritos. Fiquei sabendo que a lourinha de cabelo chanel foi traída em praça pública; a mais baixa, de rabo de cavalo, referia-se a alguém como filho de distinta senhora. Repetiu que ia se vingar. O rapaz ouvia, concordava, ria, tinha planos para dividir com o grupo e podia colaborar. Uma terceira moça opôs-se firmemente. Surgiu outro rapaz, abrindo caminho com o peso de seu corpo, para participar do debate e promover conciliações. Na sequência, organizou o pessoal para fotos. O grupo de costas para o palco, por minutos e minutos sem fim. Distribuíram flashes, risos e palavrões, além de sacudidelas nos próximos. Eu levei uns três bons empurrões, um chute caprichado e uma cabeçada. Perguntei às minhas amigas se a expressão "com licença" fora banida do português na reforma ortográfica. Afirmaram que não, são ladies de ilibada reputação, quero acreditar nelas, mas está difícil.  

O pior está por vir. Uma moça do grupo, morena, bem jovem e eufórica, tira os sapatos. Braços abertos, em uma das mãos o par de sapatilhas. Na outra um copo de cerveja.  Embaixo dos braços dela, esta que vos fala, apavorada, imaginando que tomaria um banho de cerveja e uma surra com aqueles sapatos.

Levantei-me. Chegou desta história. Vim ver Arlindo Cruz e não é o grupo da mesa ao lado que vai me impedir. Tenho 1,70m,  e de saltos altos passo de metro e oitenta. Carrego meu coração mole escondido sob estrutura física resistente, e decidi enfrentar a mocinha. Empertiguei-me e defendi meu pequeno território, ali reduzido à uma cadeira. Nada. Fui uma mosca. A moça gritava em direção ao palco, e seu brado retumbante ecoava em meus ouvidos:  " - Ogum! Ogum!". Pensei: " - Vai incorporar, meu Deus."  Rodopiava. Incorporou. 

Incorporamos, ela e eu. Ela ficou lá com sua pomba gira de frente, e eu desci, para o bar, para o ar livre, para uma tranquilidade inacreditável na Rua Álvaro Alvim, centro do Rio de Janeiro, um paraíso de paz, incorporada por imenso alívio. Comprarei um cd de Arlindo, ele há de me perdoar.


Arlindo Cruz, em click de Flavia Metne