segunda-feira, 30 de maio de 2011

Rapidinha no frio

Rio de Janeiro

f r i o

frio no Rio

Confeitaria Colombo, Rio Antigo, Rio lindo
Gonçalves Dias



metrô errado

um pequeno atraso

um encontro

esperado

um beijo

caminhar lado ao lado

chegar sentar

admirar nosso ao redor

pedir um chocolate, um café,

ver que linda que a Colombo é.

Outra torrada

na boca

besuntada de boca

derrete a torrada

a boca

o juízo

outra música ao piano

teclas notas clássicos bossas

risos

Rapidinho mais

mais um quitute um chamego

mais um afago ao paladar mais um segredo

mais um provar

mais um gole

mais um dedo

mais um olhar ao redor

olhar redondo redondos olhos

lindos espelhos

corro de volta para os livros

com gosto de chocolate

de manteiga

com gosto de beijo

volta para sua casa

leva contigo esse momento

esse mesmo gosto misturado de chocolate, manteiga e beijo

rapidinho penso

- meu amor na Colombo é gostosura demais

O Santo Inquérito

Teatro Municipal do Jockey
silêncio escuridão
fogueira

Livrai-nos senhor de todas as tentações
Mariana Mac Niven, Branca Dias, e Claudio Mendes, Padre Bernardo.
Geniais, em " O Santo Inquérito ", de Dias Gomes, com Supervisão Geral de Amir Haddad



Dias Gomes. A ele, toda honra e toda a glória para sempre.

A Cia de Teatro Nâo Gostou, Reclama com Amir traz para a arena a injustiça da Santa Inquisição. Assistimos estupefatos à condenação e morte de Branca Dias, bela, jovem, inocente, livre.

Bela demais, jovem demais, inocente demais. Uma tentação para o Padre Bernardo, o gordo padre que se consome com tal tentação. O confronto entre a pureza, florescendo, e a repressão, sufocando.
Transtornado pelo perseverante desejo, o padre se utilizará de todo o aparato linguístico do catecismo para confundí-la, e conseguirá implicá-la em crimes de heresia perante os Inquisidores.
Épocas sanguinolentas da Igreja. Sádica e machista, condenava mulheres livres à fogueira. Eram bruxas. Antes fossem, teriam mudado seus destinos.
As autoridades religiosas queimavam as revoluções na fogueira. Mas não tinham como queimar o desejo dos padres, forçadamente celibatários, e inevitavelmente homens de carne e osso.

Branca Dias é meio hippie, meio criança, filha adorada do senhor de engenho, de suspeitas origens judaicas. Crime, na ótica dos tiranos católicos, que executaram dois mil cristãos novos em Portugal.
Passarinho criado solto, à beira do Rio Paraíba, sem mâe ou madrasta ou preceptora a impor-lhe regras de conduta, Branca encontrava na natureza fonte farta para os ensinamentos do bem viver. Criou suas próprias regras, de paz, de amor, e de liberdade.

E a atriz Mariana Mac Niven, alva como algodão, encarna a personagem de forma quase espiritual. Sentamo-nos na primeira fila, estávamos em três, três feiticeiras também. E cheguei a ver as veias de suas mãos, claras, mínimas, infantis. O rodar de sua saia, à moda da roça, e a luz que atravessa seus cabelos, entre o ruivo e o louro. O azul feliz de seus olhos diante do amado e o outro azul nos mesmos olhos, um azul apavorado, diante da morte que se aproxima, implacável. Olhos azuis que pedem socorro, como faróis na escuridão. Se Branca Dias existiu, e é possível que tenha existido mesmo, essa moça é sua reencarnação.

Tive pena dos injustiçados. O Sermão da Montanha disse que é deles o Reino dos Céus, sim, porque este Reino Terrestre aqui não é mesmo. No Brasil de 1750, o Reino era da Igreja, não a de Deus, a dos Homens. A Igreja dos Papistas, dos Bispos reverenciados, essa Igreja que não é a de Pedro, descalço, nem a do doce João, nem a da apaixonada Maria Madalena. Essa Igreja dos que usaram o Santo Nome de Deus, em vão, porque Deus não precisa de nome, nem de leis, nem de bispos, nem de tribunais. Para Deus basta existirmos, e vivermos com Amor.

Precisamos lembrar-nos disso.

Precisamos da obra de Dias Gomes e da arte de Amir Haddad e dos atores incorporados a nos lembrar da nossa essência, simples e fugaz, como seus cenários móveis, de tecidos azuis e vermelhos, maleáveis, adaptáveis, que representam a água do rio, o rio de sangue, o tapete vermelho, a cor do fogo. Tecidos que envolveram os atores, e nos envolvem, enxaguando, julgando, queimando, crucificando, e que são depois retirados, libertando.

Retira de nós, Senhor, o peso de nossos pecados. Muitos e indefensáveis. Retira de nossos próximos a possibilidade de condenar-nos.

Porque se existe, se é Bom, se é Deus, nos livre - também - das tentações e das idéias fixas, e das justificativas que inventamos para nossas crueldades.

Livre-nos das nossas omissões.

E que nos livre, urgentemente, dos maus homens do mundo e da Igreja que inventaram.

Dias Gomes - "De todas as artes acho o teatro a mais atuante. Foi uma das primeiras manifestações culturais no Brasil e serviu de propósitos catequéticos e políticos. Era a conquista do índio para o Deus branco e consequentemente para o senhor branco. A valorização do teatro era evidente, pois se não fosse, eles teriam escrito romances ou pintado quadros. Mas não. Anchieta escreveu e encenou peças"

domingo, 29 de maio de 2011

Ressaca na Terra Adorada

Acuda Iemanjá
É dia de Ressaca
Salve a praia Rainha do Mar

Foto: internautas
O Arpoador é água, e mais água


Ressaca:
"A chegada de ondas violentas à costa; causada por rajadas de vento fazem subir o nível do oceano e aumentam, já em mar aberto, o tamanho dos vagalhões. Impulsionada por correntes marítimas, a massa de água caminha com velocidade crescente até encontrar o litoral. Ao chegar à praia, o mar agitado inunda a faixa de areia e as ondas quebram bem próximas da orla. Há também relatos de banhistas tragados pelo mar e levados para longe da praia pelas fortes correntes marítimas", diz o oceanógrafo Joseph Harari, da USP.


Fui ver. A gente precisa ver a ressaca.

Cheirar. A ressaca inunda a gente com o cheiro de sal. Borrifa água benta, água marinha, água brava. A moça do mar, a Rainha, está com raivs, e grita.
A ressaca é o rugir de Iemanjá.

Tenho os óculos molhados, o cabelo respingado. Sinto frio. Sinto que fui batizada, violentamente apresentada à Natureza: eis aqui sua filha, está parva diante deste espetáculo. Sinto-me amedrontada, atiçada a refugiar-me. Resisto, quero que Iemanjá me reconheça quando me vir em outra ocasião.

O bom senso e a memória fizeram que recuasse. (Lembrei-me do marido de Ana Botafogo, tragado pelas águas furiosas do Leme em 12 de Agosto de 1988, o inglês Graham Bart, bailarino.) Em corpo somente. Meu coração permaneceu encharcado, como a areia, como o asfalto; o bater do Oceano Atlântico arrancou-me dores, arrancou-me mágoas. Arrancou medos e tragou-os, mar afora, mar adentro.

O mar alarga-se. Largo, forte, feroz. Sem convites, arromba o asfalto, as pedras portuguesas. Não há IPTU que proteja os ricos dos prejuízos; pelo contrário, suas portarias foram as primeiras a serem atingidas. Há turistas por Copacabana, esperavam samba, encontraram mar.

Bancos soltos, lixeiras viradas. Lagoas salgadas espalhadas, lamas de areia bege. Os corredores desviam dos obstáculos, cientes da kilometragem a percorrer. Parecem náo temer que a Natureza se ressinta desta indiferença.

Faz frio no Rio de Janeiro, cinza o céu, o mar, as pedras. Quis que meu amor me esquentasse, mas ele náo está, enfrentei o cinza deste dia sozinha. O cinza instiga o Homem, instiga os orixás. Acorda Iansã e Iemanjá.

O mar está branco, branco sujo, espumado, o alto mar cor de ardósia, gelado. Que bom que os garis usam laranja, é a cor dos monges budistas, enquanto os monges cuidam das almas, os garis cuidam das vias urbanas, e ambos atingirào a salvação pelo exercício da humildade. São eles os pontos de cor deste domingo na orla; senti medo de que o céu não fique nunca mais azul, e o mar nunca mais se acalme.

Sinto-me diminuta diante deste quebrar das ondas, que parte pedras e muros;
sinto-me diminuta diante do mundo.

Mudo de idéia. Sou forte, estive ali, vi, e voltei para contar.

Ipanema sem areia. Veja ao fundo, os garis ocupadíssimos. Coincidência, o laranja é a cor dos monges budistas

Vingança do proletariado - a ressaca catucou os milionários da Delfim Moreira

Copacabana, náufraga princesinha

sábado, 28 de maio de 2011

Um Violinista no Telhado

Le Blon
Le Bien
Le Bon

Toca Violino,
toca alto toca bonito

Vá, escute o violinista.
José Mayer, na musical de Moeller e Botelho


Vi o filme, de 1971, um clássico premiado. Um musical que canta e conta a vida dos judeus que habitavam a Rússia, seu cotidiano pacífico, seus costumes. Em 1905 foram expulsos de sua aldeia, casas desapropriadas, despejados. Bens arrancados. "O violista no telhado" apropriou-se do título do quadro do pintor Marc Chagall, que retratou um violinista tocando sobre um telhado, equilibradíssimo sobre o vértice das telhas, enlevado pelo som precioso e inebriante de seu instrumento. Símbolo e representaçao deste povo, que mantém suas qualidades afinadas, típicas, em situações insustentáveis. Suas tradições, seus rituais de uniáo, de amor à família, à raça, ao sangue. A história é supostamente fictícia, mas inspirada em histórias reais.

Os judeus foram perseguidos cruelmente atráves dos séculos. Os católicos inventaram que eles mataram Cristo, mas quem matou Cristo foram os romanos. Os alemães queriam seu ouro, seu dinheiro, os árabes suas terras. O mundo, sua inteligência.
Atravessam a ordem cronológica da história brigando por sua terra, por sua identidade, por sua honra. Defendem-se com unhas e dentes, e muito trabalho e união. Vencem no que se propuserem a realizar: ciências, arte, economia.
Não se conformam com menos que o sucessso. Só o sucesso os protegerá dos loucos.

Orgulho-me. O sobrenome de minha avó materna, de origem portuguesa, era "de Carvalho". Isso significa que ela descendia de judeus que imigraram, nos idos de 1400, para a Península Ibérica, a fim de sobreviverem a mais uma perseguição. Adotaram sobrenomes de árvores para que náo fossem identificados e assassinados. Se comprovado, seria para mim uma honra imensa, que eu carregaria como um colar de diamantes, a marcar minha estrela no peito.
Amo os sobreviventes. Amo os vitoriosos, assim, de vitórias merecidas.

É assistir ao espetáculo e concordar: a história desse povo é linda. É rica, é espiritual. São amorosíssimos entre si, é o amor da alma judia, móvel sobre a Terra, e imutável em sua essência. À essa época demonstravam frieza no trato com os estranhos ao seu povo, por defesa, por medo, por precaução. Os católicos russos eram seus predadores.

José Mayer náo é judeu, mas devia. Nasceu para esse papel. Esqueça o pegador da Globo. Aqui temos uma ator de primeira linha. Ofusca Soraya Ravenle, que precisaria de mais espaço, de mais músicas para soltar sua voz. Mayer é irônico, leve, agradável, canta muito bem e com espontaneidade. Passar três horas ouvindo sua voz é um presente. Apaixona com sua presença exata, seus gestos simples, seu corpo ágil.

(Melhor que José Mayer, só o meu amor.)

Seu leiteiro pobre demonstra tolerância e sabedoria com a mulher, carinho pelas filhas. É pai de moças que parecem fadas, tamanha a suavidade de sua beleza. Precisam casar, mas náo com os noivos que ele escolheu. E o convencem. Seu amor de pai enxerga o amor das filhas, precisa que sejam felizes. Ele até contrariará o rigor da tradiçao. Só não aceitará, contudo, o casamento da caçula, seu doce passarinho, com um russo; fora da fé náo há dignidade.

O palco pontilha-se de estrelas. Os personagens típicos da vida rural, o dono do açougue, a casamenteira, as fofoqueiras. O alfaiate. Temos ali um núcleo rústico, circular, completo.
Os atores tem o cuidado de adotarem sotaques levemente distintos, conforme a idade e a personalidade. Um trabalho de ourives sobre o talento artístico.

Não quero aqui discorrer sobre a técnica cênica. Riquíssima. Sobre as atuações impecáveis, sobre os cenários que são uma porta do túnel do tempo, a transportar o espectador para a Russia de 1905. Não quero falar sobre figurinos fiéis às pesquisas da época, e coreografias espetaculares de danças típicas. Sobre a fantástica cena do sonho, produçao de alta qualidade, onde somos brindados pela voz incomparável de Maria Bravo. Requinte e capricho.

Quero - quis - discorrer sobre a alegria de comemorar as raízes. Na platéia, judeus e náo judeus comemoram juntos: os primeiros, a trajetória sofrida e bem sucedida de seu povo.
Os segundos, a possibilidade de compartilhar esse nobre momento, e refletir, sobre todas as situações de preconceito e opressão, em que se omitiram ou foram também oprimidos.

Comemoram juntos a vida, marcada por alegrias e tristezaS, perdas e sucessos. Por novos planos. Por novos motivos para os mesmos costumes e rituais. Por estar vivo, ter identidade. Crer, inegavelmente, que vive da melhor forma. Com força, e com convicção.

Vamos brindar à vida, e ao talento, e a paz, que reine para sempre.

LE CHAIM, queridos, como dizem os judeus Le Chaim, à vida!!!!

foto: divulgação
José Mayer, incorporado pelo personagem Tevye
Suas filhas, as lindas e talentosas Rachel Renhack, Malu Rodrigues, Julia Bernat, Hannah Zeitune, Sophia Viamonte.

O edredon no varal

Chove chuva
Chove sem parar

Rio com chuva
É mar cinza,
é mar demais


Foto especialmente cedida por Cris Lautert




O edredon da minha vizinha está no varal
Desde ontem.

Vejo da minha janela esse pedaço grande de azul,
largo amplo azul
Pendurado pesado pingando.

Chove baldes desde ontem.
Ninguém socorre seu edredon,
nem eu,
que poderia ligar para ela,
mas náo sei seu telefone,

e poderia interfonar,
mas talvez seja invasivo.

E poderia simplesmente como na roça, ou nos cortiços,
Gritar: " Vizinhaaaaaaa!!!!!"

Mas não quero socorrer seu edredon.

É meu momento de vingança.
Das vezes em que a encontro no elevador,
e ela náo me cumprimenta,
digo bom dia boa tarde boa noite
recebo um olhar de soslaio.

É meu momento de forra.
De quando meus filhos lindos e cheirosos
Cruzam com ela na portaria e ela não os elogia
nào sorri para eles.

De quanto saio atrasada a pé,
e ela sai da garagem em seu carro,
absolutamente incapaz de perguntar se desejo uma mísera carona por dois quarteirões.


Tudo é culpa do marido dela,
que olha para minhas pernas quando estou de saia,
que é simpático, atencioso, abre portas e puxa conversa.

Mal sabe ela que o acho um enjoado.
Acho deselegante seu olhar insistente.
e que se olha para minhas pernas, olha para outras também,
portanto esta mulher deve virar a cara
para várias terráqueas que habitam o Rio De Janeiro.


Mal sabe ela que não aceito galanteios senão de meu amor,

e que eu neste exato momento eu, a vizinha indesejada,
eu poderia salvar seu edredon,
sem intenções de amizade.
Só por pena de ver o produto industrializado obra de chineses escravos
que consumiu água e luz - escassas - para ser confeccionado,
pena de vê-lo , tão azul turquesa a se deteriorar sob a chuva forte.
Pena pelos que têm frio e não tem um cobertor tão grande e bonito.


Sim, eu poderia salvá-lo.
Mas não o farei.

- C'est la vie.


quinta-feira, 26 de maio de 2011

Baby

Rio de Janeiro
Praça Tirandentes,

Eu até queria um baby seu


Foto: Divulgação
Elenco de Baby, em cartaz no Teatro João Caetano
de Sybille Pearson ,música de David Shire,versão brasileira assinada por Flávio Marinho e Tadeu Aguiar, direção de Fred Hanson, regência de Liliane Secco



Difícil para mim. Tendo muito ao SIM. É sonoro, é suave, é sintonia.

Meu lado A gosta do elogio e da positividade, com a condição essencial que sejam sinceros.
Meu lado B teme ser descortês ou injusto.

Não tenho lado C, mas se tivesse votaria em ser direto.

Portanto: Não gostei.

Um musical sobre as apreensões da gestação e seus reflexos na vida de três casais, em idades e condições econômicas diferentes.

As apreensões estão no ramo dos sentimentos. O palco precisa mostrar fatos, ações, substantivos concretos, ainda que ficticios. Os sentimentos são etéreos, são fluidos, são abstratos, podem ser cantados e decantados em prosa, verso, em música, mas só um talentoso roteirista os materializará em diálogos e cenários. Faltou essa ponte, firme e sólida, que atravessará o espectador do abstrato para o concreto.

Ficou ralo, inconsistente, fugidio. Ficou hesitante.

Sabe um doce lindo, colorido, e que não tem sabor? Sabe um homem másculo que não tem pegada?

Ah sabe, sabe sim. Baby não tem sabor, nem gosto, nem pegada. Não te faz refletir, nem rir, nem cantar, nem chorar. Não tem pegada.

A despeito do talento de Silvia Massari, do esforço de Tadeu Aguiar, e da voz magnífica de André Dias, barítono possante, e da monumental regência da maestrina Liliane Secco, a peça não empolga.

Datada de 1983, tem outros códigos. Gravidez, maridinhos bonzinhos e esposas confusas não dão mais caldo. É coisa para terapia. De lá para cá, o mundo mudou. Quer engravidar, não consegue? Tratamento. Inseminação. Adoção.
O marido não quer? Separe. Parta para a produção independente.
Arrependeu-se da ousadia? Não está segurando a onda? DNA nele.

Temos uma lista de homens públicos que tiveram filhos fora do casamento; tenho cá comigo uma lista de conhecidos também. O único que fizeram foi espalhar mais amor, por mais crianças. Há filhos e enteados todos misturados, a carne da minha carne misturou-se à carne do meu amado. A sociedade se reestruturou para permitir novas realidades familiares, e gestar, dar à luz, ainda são atos sagrados, mas substituíveis.

O musical reflete a visão de sua década, e uma visão muito míope.
De que é preciso ter filhos para ser feliz. É preciso papai e mamãe para conceber e amar a cria. Que é preciso que papai e mamãe se compreendam e se amem muito.
Passou tudo isso. Hoje os humanos procriam, criam, e amam sua prole de outras formas. Hoje os humanos se amam mais levemente, mais possivelmente.
Há mais aceitação e menos fantasias.

Sendo ainda mais direta, não há eco ou refrão que nos levem ao clímax.
O momento do parto, disfarçado em cena, poderia justificar os momentos que o antecederam, repetindo a vida real; subitamente se entenderia porque chegamos até ali. Para parir aquele ser vivo que estava igualmente vivo dentro da mãe.
Não aconteceu.
Eu queria um choro de bebê mesmo, um grito visceral de vida, com o sangue, com a dor, com o susto, com o pavor. Rompendo, apaixonando e apavorando.

Mas não. Também o nascimento é superficial. Como as letras, que não rimam, e nem intrigam, que não combinam com a melodia.

E assim, sem o encantamento, substância essencial ao teatro, não criou-se a ilusâo de ótica, aquela que induz à hipnose e ao arrebatamento. Substância essencial à vida.

Assim, o espetáculo passa, e você sai João Caetano afora. Praça Tiradentes afora. Sem Baby, sem colo, sem choro. Sem lenço e sem documento.


Sylvia Massari, perfeita, aplaudida em cena.

André Dias, poderoso e afinadíssimo trovão

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Nós sempre queremos casar

Gávea
Entre o Baixo Gávea e o Alto do Mundo,
O Shopping da Gávea

Foto: Divulgação
De verde, o Grilo Thiago Oliveira. O Ratão é Bruno Macedo, e a D.Baratinha, lindinha toda vida é Carla Diaz

Eis que estou suspirando.
D. Baratinha me arranca esta confissão: todas queremos casar.

Nem vem com negócio de namorido. Relação aberta muito menos. Queremos casar, ter marido, fazer o jantar para o felizardo, e usar a camisolinha transparente que ele mais gosta. Lua de mel.

Remando contra a revoluçao feminista que neste momento acontece em Madrid, as mulheres são muito mais felizes quando bem amadas. Nada no mundo é melhor que o convívio com o ser amado. Somos assim, historicamente dedicadas a manter aceso o fogo da paixão. O romance. Cai bem, emagrece, traz vigor físico e mental.

Todo mundo conhece a história da D. Baratinha, ela quer casar, e para isso se enfeita com sua fita no cabelo. E para atrair bons pretendentes, tem dinheiro na caixinha.

Nada diferente do que fazemos hoje meninas! Podem protestar mas nao para mim, estou imune às palavras vazias: a fita no cabelo é a escova no salão. O dinheiro na caixinha é o cartáo de crédito, é o emprego bem remunerado, porque melhor que ser bonita, só bonita e rica. Aí, náo tem para ninguém. Negue, quem nunca se enfeitou para o namorado. Negue, quem nunca mostrou-se independente para dar uma impressionadinha, tirar uma onda, assim, assim de leve.

Verdades à parte, Carla Diaz é uma boneca em forma de gente. Mimo. Formosura. Pernocas de melindrosa. Encanta com sua figura mignon, sestrosa, malemolente. Coreografias de dança de salão executadas à perfeição. O cenário, queridos, são os arcos da Lapa. O musical - é um musical sim - é todo de ritmos brasileirinhos chorinhos sambinhas maxixes bem malandrinhos, como a personalidade do galã, o Grilo, um malandrinho de ótimo coração.

Mas a revelaçao, como na vida real, que curioso, vem dos tipos mal intencionados.
O Boi, o Burro, o Pavão, o Rato. Os pretendentes da moça que queriam ora sua beleza , ora seu vintém, mas nunca, jamais, sua felicidade. Nem pensar em fazê-la feliz. Exemplarmente vividos por Bruno Macedo, o ator que vale pelos quatro. E vale ouro.

Ele aumenta e diminui de tamanho. O Boi é enorme, o Rato é rasteiro. O Pavão é metrossexual, e o Burro é um intelectual esnobe.
Muda de voz, de ritmo. Pode ser engraçado e cruel. Cada bicho pertence a um corpo animal e todos pertencem ao corpo de Bruno. Não fosse pelos olhos claros que aparecem sempre, olhando fixamente para os espectadores, para todos e cada um de uma vez, eu diria que eram quatro atores distintos.
Ainda que os figurinos colaborem, e que o cenário colabore, e que haja um encaixe perfeito com a D. Baratinha, os bichos do Bruno são o que há. Não sei como Carla Diaz náo escolheu um para casar logo de uma vez. Todos irresistíveis.

Para um espectador mais exigente, fica somente a sugestão que dublar pode ser melhor que cantar ao vivo. São muito jovens para cantar e dançar ao vivo. O desafio é tamanho, há que ter fôlego, afinaçao, coordenação total. As coreografias são afiadas, passos de gafieira, rodopios, puladinhos, resistência física mesmo, e estáo sob fantasias de bichos e holofotes. Dublar, ou soltar o play back, talvez fosse mais adequado.

O final é glamour. Ao som do chorinho ODEON, clássico de Ernesto Nazareth, a Baratinha se casa com o Grilo e joga seu buquê para as meninas.

Se eu peguei o buquê?
Náo, infelizmente.
Estou com uma vontade de casar....

Um bombom de renda, cetim, tule. Carla Diaz, que foi Chiquitita, que foi Radhija em "O clone", e que é uma graça sempre

Bruno Macedo, o Boi, o Burro, o Pavão, o Rato, o Ator

domingo, 22 de maio de 2011

Desviradão no Arpoador

Rio de Janeiro
Dias 20, 21 e 22 de Maio

Viradão Carioca
Palco Arpoador


O Arpoador náo precisa

Arpoador, 20, 21 e 22 de Maio.

Sou do Arpex. Aqui matei aula. Aqui mergulhei em dia de mar bravo, e em dias paradisíacos.
Toda minha geração passou pela Praia do Diabo, subiu até a Pedra do Arpoador e parou de respirar para ver o pôr-do-sol mais lindo do mundo.

A primeira lona do Circo Voador foi aqui.

Aqui assisti Marina Lima e Lulu Santos, nos anos 90.
Show antológico de Adriana Calcanhoto.
Aulas públicas de Jayme Arôxa e Maria Antonieta, dama que hoje dança na gafieira do céu, porque se tem gafieira, é no paraíso.

Aqui nasci, me criei, e crio meus filhos.

Não me venha agora a Rio Tur virar o Arpoador de cabeça para baixo. Temos uma legião para defender o bom e velho Arpex, esse hippie romântico, surfista, sereno transgressor. O Arpex é terra de paz, e de amor; terra de convivio pacífico das tribos cariocas. É semente de Ipanema, que se abre em Flor dois kilômetros adiante.

Mas a Rio Tur pisou na bola. Montou o palco do Viradão de frente para os peixes.
Virou o palco para o Mar. Os peixes, senhores, tem sua própria diversão, em seu universo azul. Nào são espectadores do Viradão Carioca 2011.

O povo tinha quer ter pescoço de girafa, e portar binóculos. Ou visão lateral de longo alcance.
Ou alugar um barquinho e ver do mar, essa sim opção mais digna para nós, litorâneos.

O teláo estava na praça do skate, ponta da nossa península. Deve ter no máximo 30 metros de diâmetro, e onde com boa vontade cabem duzentas pessoas.
Mas as duzentas pessoas não couberam, porque à direita, senhores passageiros, os banheiros químicos, alinhados como soldados, e muito fora da validade. E à esquerda, os caminhões de luz e som, esmagadores. E mais banheiros químicos exalando seu odor natural.

O teláo, ao fundo. Os coqueiros, merecidamente, assistiram em primeira mão

Continuamente, uma arquibancada imensa do campeonato de surf. Merchandising para a Billaboing, logotipo visto e revisto por todos que foram ver os shows.
Não deve ter acontecido o campeonato, porque onda náo havia, nem marola, nem por acaso uma correntezinha mais forte a mexer as águas marinhas. Os organizadores não sabiam do Viradão ou o Viradão não sabia do campeonato? Inexplicável.

Os empresários do surf náo deixaram por menos

Quem assistiu em conforto? Os convidados que conseguiram deslocar-se pela multidão, e triunfaram ao entrar na àrea vip montada e reservada com capricho. Esses sim assistiram, e de camarote. O pessoal local não viu. O pessoal do Pavãozinho náo viu. O pessoal da Galeria River náo viu. E o pessoal que náo é local, nem do Paváo, e nem da River, que veio de longe, de ônibus, de metrô, esse pessoal também não viu.

O aparato inacessível para os convidados, localizado à direita do telão. Chegar aí, só com proteçao policial

E eu sequer ouvi, porque o local seguro mais próximo era distante demais.

E eu não vi a Cor do Som, e não cantei com eles que dinheiro não, que é melhor beleza pura.
E eu náo vi meu titã preferido, meu tribalista, não vi Arnaldo.
Não vi as orquestras, o circo, náo vi Céu, náo vi Blitz, náo vi nada.

Eu estava espremida e agoniada entre os banheiros químicos, os caminhões de som, filmagem, e luz.

Afastei-me da multidão e entreti-me por um momento assistindo dois argentinos mais adiante. Mambembes, que pilotavam duas marionetes a tanguear Gardel, por trocados.
Mejor, y mucho. De perto, ao vivo, escutar a música, ver os artistas. Sentir seu capricho e sua concentração. Pedi para fotografar, Responderam: "No no no, por favor no. Nosotros no estamos prontos para fotos hoy. Gracias" e assunto encerrado.

Era o que deviamos ter dito aos organizadores. Viradão no Arpoador? Não. Assunto encerrado.

No Arpoador, ou se faz direito, ou náo se faz.

Para quê mais?

sábado, 21 de maio de 2011

O Teatro de Roda

Bairro Peixoto
Roda Copacabana

BELO REI - Teatro de Roda, de Mariozinho Telles.
Vamos dar as mãos

"O Belo Rei", Bairro Peixoto.

Há inocência no mundo. Há cantigas de roda e atores adultos que parecem crianças.
Há o público que dá as mãos para assistí-los, e para protegê-los, e que de certa forma interage com eles.

Cirandar. Rodar. Cantar. Curtir.

Simples e sem maiores questionamentos, como só podem os que tem a consciência leve.
Como a cançao de ninar, como a pipa, como a bola. Como o assovio. Como o bolo quente no forno de casa.
Como a infância nas praças, como os palhaços.

Foi assim essa manhã de Sol Frio. Na praça do Bairro Peixoto, com o espetáculo O BELO REI, do Teatro de Roda.

Há 28 anos em cena. Cirandas as redor do palco. Palco? Não. Chão. Encenando sobre o solo firme, pé na poeira, por assim dizer. Apresentam-se entre cantigas de roda e textos sólidos, precisos, de imediato entendimento para o público infantil e adulto.
Não há iluminação, nem cenários, nem cadeiras, nem cortinas.
Os atores estão no meio da roda, formada pelo público, e pelos atores que não estão em cena, e pelo seu diretor, Mariozinho Telles.
Ainda meio dirigidos ao vivo, atuam ao ar livre. Livres, expandem-se.
Munidos de seu texto, de figurino, de sua voz, apresentam-se e é o que basta. E é lindo, esse transbordar do talento.

O BELO Rei, que assisti, é uma composição de dramaturgia, cantigas, cirandas. Passeiam por temas fortes, duros - o machismo,a educação, as relações familiares, a convivência entre irmãos, a robotização do ser humano nas linhas de produção, e por temas amenos - o primeiro namorado, a pipa, a paixão da menina e do príncipe. E o tempo passa ao redor da Linda Rosa Juvenil, e da praça, e eu passei por eles, mas eles ficaram em mim.

Emociona. É nosso, é brasileiro, é suave, é inteligente, é lúdico.
Une crianças e adultos, conhecidos e desconhecidos. Arte e natureza, cantigas antigas e comportamentos sociais.
E você sai mais leve, afinal há quanto tempo náo canta Samba LêLê? Há quanto tempo não canta Morena Bonita e Samba Crioula? Há quanto tempo náo brinca de roda? É preciso.

Eu entrei na roda e dei a mão a uma das atrizes. Delicada sua mão, conduzia a minha para o sentido da roda, e eu assim meio grande demais e desajeitada, tentei e fui com ela. Na outra mão uma senhora que nunca vi, e de mãos dadas a esta, meu filho caçula.

Vamos de novo nesta roda. Estarão no Parque das Ruínas, em Santa Tereza, nos dias 11 e 12 de Junho, às 17 horas. A entrada é franca, gratuita, como o sorriso, como a brisa, como as vozes das crianças no parque.

Como as melhores coisas, as raras, as que valem, as que não tem preço.

Elenco, parte dele, de O BELO REI. Com os óculos na testa, Mariozinho Telles. De lenço e rolinhos, Maria Rita Rezende. De chapéu de soldado, Guilherme Salvador. O perfil de barba é de Vitor Mafra.
Chiquérrimos, figurinos perfeitos em algodão cru e chita - bom gosto, como só os Bons tem

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Um encontro com São Jorge

O Rio de Janeiro
Tem cultura
o ano inteiro

Reinado do Catete
Exposição: " As Muitas Faces de Jorge"
Galeria Mestre Vitalino.

Fotos que forram as paredes externas da Galeria

Você sabe, caríssimo leitor, onde fica a Galeria Mestre Vitalino?
Não?
Digo.
Fica no encantador jardim do Museu da República, ali no Catete.
O Museu da República merece um longo parágrafo de relatos históricos. Náo por mim.
O site do Museu é completíssimo, com direito a um passeio virtual, fácil de manusear e de compreender. Aliviada por tanto conhecimento disponível a todos, posso falar sobre o que me interessa, o aspecto da emoção.

O Museu é lindo, seus jardins são lindos, passear por ali é lindo.
E grátis.
E perto do metrô.
Há um lago limpo, há o brilho do Sol na água.
Há peixes e um silêncio, com a sonoplastia urbana do Aterro lá longe.
E é bom ver os gansos e patos meio livres, e as crianças totalmente livres,
alheias à carga histórica que as cerca,
e os velhinhos alheios à correira contemporânea que os cerca.
Os velhinhos em pares nos bancos.

E me deu um medo enorme de ficar velha e uma vontade enorme que meu amor seja o meu par no banco do Parque da República.

E havia sol, e plantas, e palmeiras imperiais.
E banheiros limpos, e café cheirando longe.
Todo o espaço inteligentemente ocupado.
E uma esperança imensa de que o Rio conheça a história da República, tendo seu Museu tão acessível e tão bem conservado e explorado.
e uma tristeza porque a maioria acharia tudo isso muito chato.

E no meio de tanto passado vivo,
entre tantas importâncias públicas e requintes privados dos homens públicos
eu vi a galeria do Mestre Vitalino.

Uma gruta de arte dentro de uma arte maior,
sem folhetos a convidar,
sem anúncios no jornal de bairro.

Por acaso.

Entrei.

Avancei para dentro da Galeria, e sou abraçada por uma exposiçao requintada sobre um santo de devoção popular. Fotos de qualidade cinematográfica, imagens em tamanho natural. Estátuas, estatuetas, artesanatos reverenciando a fé. E flores vermelhas artisticamente arranjadas, oferendas vivas, como a festejar a sua chegada.

Os realizadores conseguiram imprimir ao pequeno espaço físico uma amplitude impressionante; trata-se de ambientaçao religiosa e artística, mais que para ver, para sentir. Merecedora de muitas visitas. A presença do espiritual em suas representações, a assustar pela sua materialidade. A indagar se acreditamos ou não. A debochar do ceticismo, que abandona o visitante no segundo em que entra na Galeria.

Fiquem como eu fiquei, extasiada, transportada, ao lado de um Ogum gigante, maior que eu,
maior que meus medos, a me defender com sua lança. Quis uma foto com ele, o segurança não permitiu por causa do flash, não tem problema. Regras são regras, e levo Ogum no coração.

Senti uma gratidão profunda pelo acaso, que me levou até São Jorge, e aos seus pés fiquei
pedindo: proteja-nos, dos inimigos visíveis e dos invisíveis, esses sim, os mais poderosos.
Salve-nos, de todos, e de nós mesmos.

Atendam também a seu chamado. Vão visitá-lo, ele os aguarda, bem ali no Museu da República.


A entrada da Galeria, e eu




Release da Exposição, retirado do site do Centro Nacional de Folclore
" As muitas faces de Jorge
A mostra traz os aspectos da devoção a São Jorge, indagando quem é Jorge da Capadócia, o que a fé nesse santo guerreiro impulsiona, como se manifesta e é vivida, principalmente na cidade do Rio de Janeiro, local onde a sua devoção é especialmente expressada.
A exposição reúne representações de artistas populares de diversas localidades do Brasil que integram os acervos do Museu de Folclore Edison Carneiro e da Biblioteca Amadeu Amaral, do CNFCP, e do acervo pessoal do pesquisador Ricardo Gomes Lima.
...
Período: 28 de abril até 31 de julho de 2011.

Galeria Mestre Vitalino - Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular
Rua do Catete, 179 (metrô Catete), Rio de Janeiro.

Funcionamento:
Terça a sexta-feira, das 11 às 18h
Sábados, domingos e feriados, das 15 às 18h

Realização
Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular (CNFCP)"

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Vamos correr do Vin Diesel

Se eu sobrevivo ao Rio
Imagine o Vin Diesel


Divulgaçao
Velozes e Furiosos 5


Meu amor me disse: você precisa passear mais com seu filho mais velho.
Meu amor é meu amor e sempre tem razão. Atendi a sua orientaçao, e o guri abusou.
Pediu-me, com aqueles olhos que só jabuticaba no pé, para assistir Velozes e Furiosos 5. O que não se faz por um filho...

Desarmei-me e fomos para o Roxy.

Cinema antigo de Copacabana. Tradicional, escadarias em mármore, belos adornos em ferro.
Relaxei naquele aconchego elegante.

O filme começa, com tomadas de paisagem estonteantes. Ângulos misturam natureza, favelas, monumentos. Movimentos sofisticados de câmeras voadoras em dias de Sol brilhante.
Nào tem como negar, o Rio é lindo demais.

Céu mar montanha praia lagoa verdes azuis Marina da Glória barcos brancos Leme Copa Arpoador Ipanema Leblon Rocinha São Conrado espalhados misturados estampados.

Fiquei tão feliz de ter nascido e me criado carioca.

A felicidade foi breve. Carro explodindo, ponte explodindo, trem explodindo, cofre explodindo, morro explodindo. Corpos em chamas lançados. Dinheiro pesado gasto nisso.
Onde estáo as obras dos autores americanos, as comédias, os dramas, os absurdos? Não nesta tela.
O filme já foi visto por meio milháo de pessoas. Meio milhão viram o sangue e as queimaduras, e as correrias sem fim, e carros ultrapassando a velocidade do som.
O mundo inteiro faz campanhas de direçao segura. Mas Vin Diesel e sua trupe não são deste mundo, ou entáo tem o corpo fechado. As balas de fogo náo os alcançarão,e são unha e carne com São Jorge. Os inimigos os vêem mas não os tocam.

Digo por que vi, e em pior escala que nos passarinhos azuis e falantes do Rio infantil: temos sorte com o habitat natural e um azar de lascar com os habitantes. Rio é lugar de bandido, de polícia corrupta, de tráfico de armas, e contrabando de carros. Ë um milagre não termos sido alvejados até o momento.

Saio triste. Onde estáo as comissóes do Comite Olimpico, da Fifa, dos Hotéis Internacionais.
Onde está o Rio da gente honesta e trabalhadora, que está aprendendo inglês, espanhol e turismo para a Copa?
Em lugar nenhum.

A unica coisa boa do Rio, para Vin Diesel, são os olhos verdes da policial militar, pseudo brasileira, com quem ele terá um affair. Ponto. Afora isto, é matar, correr e corromper-se diante do mundo: Dom Toretto, sua reencarnaçao de Rambo, sai do Rio com os milhóes do sr. Reis, contrabandista, traficante, que roubou tudo para o Vin ficar rico. O sr. Reis é do Rio de Janeiro.

Mv Bill canta na trilha sonora. Que bom, é brasileiro, mas náo é do Rio. Seu rap é o rap da periferia de São Paulo, é outra onda, canta as dificuldades do paulista negro e pobre humilhado pelo racismo e pela indiferença dos paulista ricos. Não nos representa. Somos humilhados igualmente, mas o rap carioca é, infelizmente, menos consciente.

Não sei. Amo o Rio, torço pelo Rio. Precisamos liderar um movimento sérío de valorizaçao das nossas conquistas. Vamos reconhecer o resultado das policias pacificadoras, dos postos de saúde, das escolas públicas. O Rio melhorou. Complexo do Alemão quieto. Rocinha, quieta. Santa Marta, quieto. Voltaram a vida normal. Recomeçaram. Precisam do nosso apoio e não de reabrirmos suas feridas.

Meu amor argumentou comigo que os "Tropas de Elite", o primeiro e o segundo, são muitíssimo negativos à imagem do Rio no exterior. Sim. Mas são denúncia, disparadas pelo policial que náo se entregou ao esquema de corrupção. Capitáo Nascimento trouxe esperança e respeito para a PM do Rio. E está são e salvo conversando com Ana Paula Araújo no RJ TV - há anos atrás teria sido calado a tiros.

E vem o Vin Diesel e quer botar nossa honra para correr. Não vamos deixar que troquem nossas riquezas por espelhinhos e bugingangas. Somos guerreiros e merecemos a vitória.
Sem hormônios de cavalo e sem doublé.

Tudo posso, tudo devo. Nada quero

Rio de Janeiro
Venho esclarecer, há coisas a dizer




Há recomendaçoes e bons conselhos a seguir.

Razóes, possibilidades.

Orientaçoés bem fundamentadas na experiência e na observação.

No mínimo, há solicitaçoes.

Que podem evoluir para obrigaçoes.

Há o que deve ser feito,

o que precisa ser feito,

e há o que se quer fazer.

tudo pontilhado dissecado

determinado pelo que se tenciona atingir.

Causa e efeito, crime e castigo,

esforço e recompensa.

há o dever ser

que é diferente do que se é.

e o estar

que é o diametralmente oposto na maioria comprovada das situaçoes

ë preciso encontrar o errado que traga sucesso

ou o certo que seja agradável.


Tudo isto me enjoa.
Porque tudo devo,
mas nada é o que quero.

tudo posso,
tenho liberdade de escolha.

o problema é o prêmio.

Como experiência imparcial e científica
Desejo sumir.
Ausentar-me da discussáo de forma poética.
Caminharei calmamente até o Posto Seis.
Deitarei de costas na areia
Olhos abertos sem piscar para ver o céu inteiro
Assim teimosamente esquecer-me ali.
Que os cabelos cresçam e penetrem areia abaixo
Como raízes
E os pés e mãos cravem no solo permeável.

Ficarei assim exposta a maresia
ao sol chuva e vento
silenciosa e surda por noites e dias.

imóvel inútil inerte
absorta
indiferente

intocada pelos fatos
não farei mais nada do a razão pede.

- só para ver o que acontece

domingo, 15 de maio de 2011

A Lição e A Cantora Careca

Maison de France
Primeiro de Março
Primeiro Mundo no Terceiro


O Teatro do Absurdo

Foto: divulgação
Nelson Xavier, Renata Paschoal, e Cecil Thiré, em "A Lição", de Eugene Ionesco


Foto: divulgação
Nelson Xavier, Renata Paschoal, Cecil Thiré, Roberto Frota e Thelma Reston, em a "Cantora Careca", de Ionesco. Ambas as peças com direçao de Camila Amado



O Teatro do Absurdo que não é tão absurdo assim


O Teatro do Absurdo foi um movimento iniciado por dramaturgos europeus e norte americanos a partir de 1950.
Para entendê-lo, analisemos a palavra absurdo: remete-nos para o latim absurdu, ou seja, contrário à razão, contraditório, disparatado.
Perfeito. Digo e repito: tudo parte e retorna da palavra.

No mundo arrasado por duas Guerras Mundiais, a resignação,o ceticismo. A descrença na humanidade. Os pilares do Estado reduzidos a pó. Descrença maior em Deus, que náo impediu toda aquela destruiçao, as maldades, e a matança de inocentes. Decepção com o genêro humano. Para demonstrar a nossa inutilidade, o Teatro do Absurdo utiliza elementos do ilógico para a criação do enredo, das personagens e do diálogo. Pretende assim - e consegue - reproduzir diretamente o desatino e a falta de soluções diluídas por toda a sociedade.

Seus principais autores foram Samuel Beckett, Eugène Ionesco, Jean Genet, Arthur Adamov e Harold Pinter. Sábios. Mestres. Misturando ironia, horror, tragicomédia e poesia, sim poesia, criam tipos e situações que descartamos como reais.

Nesta confortável distância o espectador não se identifica com os loucos, pelo menos não à princípio. Abriu-se assim a porta para um reflexão profunda, como no mecanismo didático dos sonhos: apresentam-se imagens inviáveis, unicamente representativas de um conteúdo maior.

Tal qual no surrealismo. Elementos reais em combinações impossíveis; recebemos aquela imagem em nossa retina e etiquetamos: não é comigo isso. Esses elementos não se sustentam. Não combinam. Vê-se um coração pintado no rosto, abaixo do nariz, onde temos a boca. Existe o coraçao, existe a boca. Mas não existe o coraçao na boca.

Não mesmo?

Vê-se no palco do Absurdo, por exemplo, marido e mulher em diálogo inconsistente. As frases não fazem sentido, embora um responda ao outro sucessivamente. Existem as frases, existe o casal, existem os diálogos sem sentido. Existe mais, existe o entendimento mútuo de que não há lógica, mas prosseguem assim mesmo, surdos ao significado do que dizem.

(Pense e responda: não existe essa cena?)

A imagem retratada é uma composição delirante, no entanto, é a epiderme dos fatos.

Por esta ótica, até o locutor do Maison de France faz parte do show. Em sotaque ríspido e imperativo, dita que desliguemos JÁ os celulares. POR FAVOR. É um bom aluno da ditadura, e cumprir sua ordem independe do bom senso; é para cumprir e pronto. Todos se movimentam para obedecer, mas de vez em quando tocará um celular sim. O iludido imperador de França anuncia que este teatro está RIGOROSAMENTE sob normas de segurança, mas estou espremida em uma cadeira. O espaço é mínimo entre uma fila e outra no balcão. Se precisar sair correndo, pisoteio a moça ao lado. Se descruzar as pernas chutarei o respeitável senhor da cadeira em frente, ou seja, eu estou insegura e tensa nesta imobilidade, e o cara da frente não tem idéia do perigo que corre. Mais um discurso oco.

Assisti o espetáculo do Absurdo e que de certa forma me lembrou Nelson Rodrigues - há contrariedades catastróficas que reprimimos sob nossa pacata existência. O que sentimos não importa muito diante do comportamento socialmente aceito. Nossa essência está escondida sob expressões impassíveis.

Na "Lição", o professor libera seu furor assassino diante dos questionamentos lógicos da aluna. Enlouquece de impaciência. Sua governanta é sua cúmplice, um Cecil Thiré impagável vestido como uma serva européia. Sua Marie oculta os cadáveres com naturalidade e prossegue normalmente sua rotina após tais atrocidades.

Incomum? Abra o jornal.

Na "Cantora Careca", uma família abastada farta-se no jantar, e esquece que havia convidado um casal para a refeição. Quando chegam os visitantes, não há mais como servi-los e recebem-nos com flagrante fingimento de supresa.
Incomum? Absurdo? Ibrahim Sued, se vivo, poderia dizer melhor que eu.

Os visitantes, Sr. e Sra Smith, são cônjuges elegantes que não se reconhecem. Precisarão checar os fatos para confirmar o casamento. Surpreendem-se quando constatam quem são.

Conhecem algum casal assim? Tem certeza?

Os diálogos sào conversas longas e sem nexo. Para dizer que está tudo bem, eu faço de conta que não vejo que você é maluco, e você reconhece que é um ótimo contador. O que falamos não faz sentido, e seguimos concordando um com o outro. Utilizar-se de um vazio linguistico para retratar o vazio existencial.

Aparentar. Representar. Ocultar. Finjir-se de morto para não morrer, ou melhor, para não matar.
Discorrer com propriedade onde há só, e somente só, falta do que dizer.

Há algo de Absurdo nisso?

Perigosíssimo. Assistir com consciência uma peça destas é reconhecer: estamos nos desprendendo de nossa essência. Temos intenções de neutralidade social, e assim nos comportamos. Disfarçamos nossas péssimas intenções.
Adotamos uma atitude contrária à natural. Podados, adestrados, temerosos, descrentes de que a sinceridade e a originalidade podem ser suportáveis, perdemos de vista nossa essencialidade. Tentaremos justificar toda esse encenação e nos convenceremos, também falsamente.

Eugene Ionesco, romeno, criado em França.
1906 - 1994.
Um dos principais autores do Teatro do Absurdo,
Premiado por atuar em Ligas de Ajuda Internacional,
Membro da Academia Francesa em 1970, entre outros prêmios de Literatura e Dramaturgia.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

A vedete do Funk e a Vedete do Teatro

Rio de Janeiro



A morte de Lacraia e a Vida de Esther Tarsitano

Lacraia e Mc Serginho

É preciso dizer que o brasileiro é generoso e recebe abertamente seus artistas.
Lacraia, codinome de Marco Aurélio da Silva Rosa, foi prova disto. O Mc SErginho, cantor de funk, a apresentou a massa funkeira como sua dançarina, em ato de coragem, e foi surpreendentemente bem recebida. Sabemos que Lacraia era um travesti e se apresentava para um público machista, que paga para ver a mulher melancia lá no palco rebolando até o cháo. Chão Chão Chão.
Lamentavelmente, homenageiam a marginalidade e seu poder amado. O Estado é inútil ou adversário. A mulher é para uso e descarte. O trabalho os remunera no mínimo indispensável e é no bailes que encontram o que lhes parece diversão. Ou estão pelos bailes ou pelos cultos evangëlicos, jamais em ambos.

Dentro deste contexto, de fato foi surpreendente que aceitassem a pink Lacraia e sua alegria rebolativa. Aceitaram, aplaudiam e prestigiaram. Muito bem.

Lacraia faleceu dia 10 de Maio. Sua família náo revela o motivo e não sou eu quem o fará. Tive pena de uma vida que se encerra aos 33 anos; tive pena de que seu talento artistico não tenha se desenvolvido além da Eguinha Pocotó.
É mais um caso em que o local de nascimento determina sua históra - nascesse e vivesse em outro habitat teria estudado dança, teatro, ballet, música. Teria sido, talvez, uma Dzi Croquete dos anos 2000. Nào foi. Vamos reconhecer.
O que fica de Lacraia para o cenário cultural brasileiro? Para a arte? Para os homossexuais? O que conquistou de dignidade e respeito? Nada. No entanto, sua morte e seu enterrro receberam grande espaço nos jornais, tv, virtuais. Ampla visibilidade.

Na véspera, morre Esther Tarsitano. Não fosse um pássaro, imenso e lindo, a meu contar, eu não saberia nem de seu falecimento, e para ser sincera, nem quem ela foi. Pensei que era uma cantora da época do rádio.

Já disse que respeito os pássaros, sábios e livres, e fui pesquisar.

Esther Tarsitano merece toda a pesquisa. Farto e luxuoso material à disposição. Páginas e páginas escritas sobre ela.

Foi uma revolucionária da própria história. Inicia sua carreira como vedete em 1940. Brilha. Deslumbrante. Cassinos, teatros de revista.
Exímia sapateadora, habilidade rara na ocasiao. Canta, dança, atreve-se a protagonizar o primeiro strip tease do Brasil em grande estilo.
Poderia ter sido estigmatizada para todo o sempre.
Não foi. Reescreve, prossegue, e é consagrada como atriz em musicais sob a direção da mestra Bibi Ferreira. Grava compactos em vinil com os sucessos da rádio Bandeirantes. Sua beleza jovem e radiante passa, como em todas as demais mulheres belas, e antes disso, ela passa para os bastidores. Junta-se a Escola de Teatro de São Paulo. Dedicadíssima.
Produz espetáculos, monta, dirige. Multiplica o que aprendeu.
Produz, produz, produz. Incentiva iniciantes, investe em montagens nacionais.
Uma máquina feminina de gestão de talentos.
Viveu em Las Vegas por anos, casada com um americano. Acomodou-se? Nào. Nunca. Apresentava programas de rádio, sua paixão, em português e espanhol.

Esther Tarcitano é esta deusa loura em sua época de vedete. Ousadíssima. Barriga de fora era caso de polícia

De volta ao Brasil, não pára. Figurinos de luxo para Carnavais.
Radialista. Apresentadora da TV Comunitária do Rio de Janeiro.
Comanda por cinco anos o programa de rádio "Sábado é Gigante na Rádio Carioca", de larga audiência, convidando famoosos, aos sábados, com três horas de duração.
Envergonho-me de náo tê-la ouvido. Estava presa aos meus programas de FM, e a prisão sempre traz perdas. Perdi mais essa.
Falece também no dia 10 de Maio.
Deixa um legado de páginas para a cultura brasileira. Aquela que começa explorando o físico encontrou seu reconhecimento explorando o talento.

Para ela não houve notas significativas. Não houve homenagens públicas. Pouca ou nenhuma reportagem.
Os olhos choravam por Lacraia. Não houve lágrimas para Tarcitano.

Vale a reflexão: não conhecemos muitos dos nossos artistas. Não conhecemos o que não é divulgado na telinha quadrada, e o que não está ali não está no mundo.
O funk teve ou tem, sei lá, um programa televisivo chamado Furacao 2000. Divulgam - e bem - seu próprio negócio. São milhões no Brasil. Esta é a Escolha de Sofia dos editorees dos noticiários. Divulgarão o evento com maior alcance de telespectadores.

Funk não é cultura. É um sintoma. É um pedido de socorro. Mas o funk paga bem, e como.

Esther Tarsitano não daria ibope. Hoje minhas condolências são por ela. Tento aqui fazer-lhe a justiça que a mídia não fez.
Vitoriosa, pioneira, construtora.
Professora para estas moças que ficam perdidas em meio a tanto silicone: estudem. Busquem. Eduquem-se. Cresçam.

Aplausos calorosos e longos, como a pedir a artista que fique mais um pouco no palco.

Lacraia, descanse e dance em paz. E que em outra encarnação, o planeta ofereça-lhe melhores oportunidades.

Nossos aplausos para a estrela Esther

segunda-feira, 9 de maio de 2011

A união estável

Planeta Terra
Terra de Poucas e Necessárias Vitórias


O Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu nesta quinta-feira, 05 de Maio, por unanimidade, o regime jurídico de união estável para casais homossexuais.

Como a decisão tem efeito vinculante para tribunais de instância inferior, deve afetar futuros julgamentos relativos a direitos e deveres dos casais gays - como herança, pensão em caso de separação, inclusão como dependente na Previdência e a adoção de crianças.


Sou fã dos gays. De sua coragem em se assumir.
Dizem que a coragem vem da certeza.
Digo que não existe coragem sem certeza, e que certeza é a mãe de toda a coragem do mundo.

Mais precisamente da Certeza Maior, a Certeza de Amar.

Certeza que enquanto há, é Certeza.
Poucos os que amarão para sempre, mas muitos e felizes, os que amam com convicção.

Preciso comemorar essa vitória. O Estado Brasileiro, representado neste episódio pelo Poder Judiciário, muitas vezes corrompido e destruído por seus integrantes, aqui acertou.

Os caras se amam.
Os caras vivem um para o outro. Moram, dormem, acordam. Dividem as tarefas da casa.
Dividem as contas e os sonhos.
Constróem. E bem.
Descartando o sentido jurídico da expressão, estáo unidos, e estão estáveis.

Ouso dizer que há mais casais gays verdadeiramente estáveis, que muitos casais heteros emocionalmente unidos.

E que há entre os homens da Terra, ainda, Amor.
União.
Estabilidade.
Prosperidade.
Respeito.

Podem adotar crianças, e serão melhores pais que muitos machos de carteirinha, e muitas mães biológicas que maltratam, batem, e abandonam suas crias em lixeiras e ruas.
Não mandarão seus filhos vender bala no sinal e nem agradar o titio para ganhar um sapato novo. Ensinarão seus escolhidos a andar de cabeça erguida. Estou certíssima disso.

Dividirão entre si os frutos de sua colheita. Com toda a dignidade.

Os gays que eu conheço, orgulhosamente, são dignos, e merecem o bolo, os noivinhos, as noivinhas, as alianças.

A eles, a pompa, a circunstâncias e a garantia da Estabilidade - porque a União já existe e impera em seus corações.

Estou aqui para aplaudir o Supremo. Para aplaudir o Homem, e seus atos sábios, esses sim o o melhor espetáculo da Terra.

domingo, 8 de maio de 2011

Passado Presente Futuro

Rio
Choro
Rio
Vazo
Transpiro


Dançava
Parei

Nadava
Cansei

Corria
Torci o tendão

Amava
Torci o coração

Estudava
Aprendi

Trabalho
Consigo

Escrevia
Continuo

De tudo que fiz
Ficou a Palavra
Forma Constante
Emoção.

Perseverante
Resiste


Escreverei

Mas não é o bastante

Porque a Felicidade se faz no Hoje - E não na Eternidade

A banda - toneladas de solidão

Litoral
Rio
Mar batendo


A banda e sua peregrinação
Suas toneladas de Solidão

Dina (Ronit Elkabetz) e Tewfik (Sasson Gabai), regem uma banda invisível
Escutem sua música



Não falemos de Israel e Egito. Falemos de gente.

Humanos, terráqueos, bípedes. Mamíferos. Temos gente em todas as nacionalidades e religiões.

Gente atrás de amor ou de alívio. Gente perdida querendo se encontrar ou preferindo ficar perdida mesmo. Gente querendo ouvir música onde não há música, e querendo ver praças com crianças onde há chão de terra e cimento.

Há quem escute na imagem acima os protagonistas regendo uma orquestra. Eu ouvi.
Há quem veja a praça na solidão da cidade onde se perderam, eu não consegui.

O música instrumental é mais fácil de imaginar do que a imagem; é palavra em outra língua, e se eles se entenderam com línguas inimigas, tambëm nos entenderemos.

Os oito componentes da Orquesta Nacional da Alexandria, aportam, erradamente, em uma pequena cidade de Israel, esquecida pelo Estado e pelos próprios habitantes. Uma cidade sem empregos, sem lazer, sem tecnologia. Uma poeira à beira da estrada. Personagens povoam a cidade - Dina, cética, ávida, resignada, e seus ajudantes no restaurante, também à beira da poeira da estrada, os rapazes Itsik e Papi. O primeiro, representado pelo ator Rubi Moskovitz, é casado e infeliz no casamento, a esposa o despreza. É dele a frase que me impressionou: "toneladas de solidão". Camarada, tens razão. A solidão abunda e pesa. Reproduz-se, se espalha, e em seu silêncio único pára o tempo ao seu redor.
Não há muito o que te distraia. Estarás assim acompanhado por todos os lugares da Terra.
O outro rapaz,o feioso e desajeitado Papi, está louco para começar sua vida amorosa, e terá o auxílio do belíssimo egípcio Khaled, Saleh Bakri, o violinista da orquestra.
Saleh conseguiu compor um galã engraçado em seus assédios, repetitivo, inconveniente, mas bem sucedido. Um toque de canalhice na dose certa, um professor de namoricos.

E vem dele a noite de alívio de Dina. Queria outra coisa, uma noite de amor, como as sonhadas na infância, com Omar Shariff. Não foi para ela nessa vida. Fica com Khaled mesmo, é seu prêmio de consolação. Sua distração que não alivia, em nada e por nada, sua frustracão.

Basta entender: há gente que nasceu para ser só.
Há gente que não terminará seu concerto em grande estilo, com arranjos grandiosos. O concerto termina assim, suspenso, uma pausa, um intervalo sem continuidade.

Essas 24 horas dividas pela banda egípcia e os israelenses deste elo perdido não mudou a rota das relações internacionais, e talvez não tenha mudado também a rota das suas relações humanas. Todos prosseguirão como chegaram, dignos e sós; cientes de que existem outras pessoas com igual dignidade e idêntica solidão.


A Orquestra Nacional da Alexandria

sábado, 7 de maio de 2011

Linha de Passe

Periferia de São Paulo
Deixe a mágoa passar



Sandra Corveloni, melhor atriz em Cannes, por essa atuação. João Baldasserini, Vinícius de Oliveira, José Geraldo e o menino Kaique Jesus Santos como Reginaldo
Foto: divulgação
.

Fiquei um tempo sem saber se postava ou não. A modernidade traz o benefício da dúvida.

Duvidei. É fácil escrever sobre drama e tragédia no Líbano, mas é difícil descrever - dói mais - as dores próximas.

São Paulo. Tenho sangue paulista, e bastante. Sangue da luta do paulista.
Cidade cinza. Penso no meu Arpoador, exuberante e colorido, penso em Salvador, com sua pobreza alegre, florida, gente bela e bronzeada pelas ruas. Penso em Buzios, pescadores, reis daquela natureza absurda.

São Paulo é cinza. Não há beleza natural a reconfortar os olhos e acalmar o coração. Buenos Aires, por exemplo, é cinza também, e lá nasceram o tango, e Che, e sua revolução. O cinza não traz reações pacíficas.

Escolhi a foto acima porque é um dos poucos momentos de alegria do filme.
Estão alegres também quando torcem pelo Corinthians. O futebol, alegria do povo.
Arma de consolo e manipulaçao. Comércio da habilidade dos meninos pobres, ou você já viu algum menino rico que seja craque? Papai do céu abençoa a pobreza com dons inimitáveis.

O filme é um espetáculo triste, de uma mulher só, envelhecendo, grávida, contando moedas e mágoas. Filhos grandes, sós, contando moedas e mágoas. Um quer ser jogador de futebol. Muito muito mais difícil - tem que ter chuteira, disciplina, boa alimentação, dinheiro para propinas. Tem que resistir a droga. O outro quer ser religioso para aguentar o tranco. Para prosseguir caminhando de pé na miséria; fez voto de santidade, e é tão complicado ser santo.

O terceiro é uma graça. Um mini Seu Jorge. Um menino amigo, o negro filho da branca, que busca o pai desconhecido. Perserverante na busca. Tem mais caráter e força que os mais velhos, e se muito náo me engano, será o amparo de sua mãe.

O dia a dia da família é o dia a dia da casa velha, quebrada. Pia entupida, móveis rotos. Pouca comida, comida seca. Roupas antigas. Cabelos sujos. Sem diversão, sem carinho. Gritos, palavróes, acusações.

A gente humilde de Chico Buarque náo está aqui. Não são casas simples com cadeiras na varanda, e em cima um lar. Não. Sào casamatas. São esconderijos. São abrigos, cavernas, silos. Cativeiros. As pessoas e as mágoas se amontoam, se embolam, atrasam a vida.

Nesta hora penso no governo de São Paulo. No Maluf, no Alckmin.
Penso no Lula, na Dilma, nos militares.
Nos motoboys mortos no trânsito.
Penso nos programas de emprego. De capacitação.
De educação integral para menores.
Penso no transporte público, que consome o tempo precioso de estudar.
Nas universidades públicas onde a elite está matriculada, e chega em carros zero.
Nos impostos que nunca chegam onde tem que chegar.

Penso nos evangélicos desesperados com suas Bíblias, pagando dízimos, esmolando o amor de Deus.
E desculpo os rapazes que roubam uma bolsa para levar a namorada ao motel e para presentearem a mãe com a bolsa. Para curtirem a gata, para agradarem a mãe.
Tive uma bolsa roubada em Copacabana. Tomara que tenha agradado alguém.

Penso em nós, cidadãos bem posicionados na pirâmide social. Identificados pelo fisco e pelo sistema de seguridade social e privada. Formados, pós graduados. Inertes, de braços cruzados diante das periferias, de seus homens tristes e das mulheres sós. Passamos longe das cervejas na birosca e de suas panelas sujas. Desconhecemos a vida dura trilhada na linha do trem, que entrega o trabalhador escravo ao patrão.

O brasileiro está na linha do penâlti. A glória ou a vergonha do jogador. Está diante da linha da cocaína no prato de prata na mansão dos Jardins.

Passe.

Vamos ver só a linha do horizonte.
Vamos passar a bola para quem faça um gol de placa.
Votar melhor, viver melhor, jogar melhor.
Criar melhor os filhos.

Que o Brasil comemore os gols do povo, e com bons motivos.

Clichê

Leblon meu
Clichê seu
Carne e unha com você


Repita-se

Foto: Divulgaçao
O fantástico Lucio Mauro Filho
Texto de Marcelo Pedreira, direçao de Rubens Carmelo


A voz do povo é a voz de Deus, e se há fumaça, há fogo.

Filho de peixe peixinho é, e quem sai aos seus não degenera.

A brincadeira é boa, e se você entrar nessa,

vai ver com quantos paus se faz uma canoa....

Lucio Mauro Filho, em monólogo, desfia uma hora e tal de expressões populares da língua portuguesa - nome rebuscado para clichê.
Sozinho no palco, sem cenário algum. Incidências musicais mínimas e marcantes. Melhor assim. Percebe-se unicamente o texto, perfeito, e o talento, explosivo.

O texto. O show das palavras perfeitamente organizadas.

O autor Marcelo Pedreira (começou com o pé direito) faz uma lista das nossas frases feitas. Nada substitui o talento e lista faz um sentido absurdo. Imenso. Uma onda de clichezinhos fofos, bobos, irônicos, publicitários, românticos, filósoficos. A onda me pegou e eu não descanso enquanto náo pegar aquela criatura...

Brincadeirinha. A brincadeira é convidativa e irrestível.

O ator também. Impossível não render-se a ele. Só, ali vale por mil. Interpreta à exaustão, tem aquele quê do louco, do gênio, do trasgressor, com seus olhos saltados, e sua mobilidade pelo palco e pela platéia.

Ele se move pelas fórmulas linguísticas. Pelos conceitos formatados, embalados para o consumo imediato, prontinhos nas prateleiras da comunicação. É uma grande paródia do linguajar nacional, e você ri, até de nervoso, porque descobre que está presinho nesse círculo. Fala que eu te escuto. Quem não se comunica, se estrumbica, e nada, nada se cria. Tudo se copia.
Somos metade da Laranja, Fábio Junior,
Somos o Guanabara, tudo por você.
Somos fruto do meio, e o mercado não recebeu bem nossas medidas econômicas.
Somos cheios de nove horas...
E eu te desejo noite e dia

Tente dizer o que não foi dito.
(Eu não consigo. Gosto de repetir: Te amo, clichê delicioso que fala por si só...)

Roberto Carlos, Manoel Carlos, Ritchie. Tente dizer que o amor acabou, mas não diga que o outro é uma pessoa maravilhosa... tente, invente, faça um 2011 diferente.

Mas não conseguiremos como o Mauro Filho. Ele inovou batendo na mesma tecla. Criou de fato, o clichê novo.

Dois rapazes inteligentes na porta do teatro afirmam que houve um repetir, por duas ou três vezes, de expressões idênticas, em momentos diferentes: teria sido por engano?

Confesso, meninos, essa não vi, comi mosca.

Veja o Mauro no palco. Vá ao teatro. A gente se vê por aqui.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Eu sou muito bom

Botafogo
Pequenas palavras
de um menino pequeno


Entramos no táxi, eu e Pedro, meu filho pequeno. Um pássaro tropical, que fala português.

Ele carrega sua bola de futebol, garoto brasileiro.
Sentamo-nos lado a lado, ele quer ver o painel do táxi, e se aproxima do motorista pelo vão entre os bancos da frente. Eu o seguro, e peço que volte para colocar o cinto.

O garoto fica meio amuado, abraça a bola forte no colo. O motorista puxa assunto para amenizar o clima. Deve ser pai. Pergunta: Joga?
Pedro enche a boca, e solta: "Eu jogo sim, e sou muito bom".

Rimos.

Pensei que bom, esta criança tem orgulho de si, de sua habilidade. A desejada auto estima.

Nos livros de psicologia infantil os especialistas ensinam que a auto estima se forma quando a criança constata que consegue executar ações com sucesso. Muito mais importante que elogios, o infanto precisa perceber do que é capaz.

Ficamos adultos e perdemos essa percepção de nós mesmos. Estamos competindo com o vizinho, estamos correndo contra o relógio. Disputando um lugar no mercado e no coração de quem amamos.
Somem de nossa vista as qualidades de nossa essência. Some de nós nossa essência. Fica mais difícil nos elogiarmos; o que vemos de louvável não devemos comentar em público. Temos medo de parecer pedantes. De não sermos politicamente corretos.

Não. Vamos lembrar desse pequenino, que apresentou-se a um estranho dizendo como ele é bom.
Vamos mudar nosso texto. Digamos, e bem claramente, que somos bons sim.

A roupa que usamos é bonita, que somos cheirosos e inteligentes.
Nosso dever está correto. As crianças dizem isso tão facilmente.
Afirmam, a quem quer que seja: "ganhei uma bicicleta linda da minha madrinha linda. Ela me ama muito"
Mas nós, crescidos, adestrados pelas medos, não conseguimos dizer: "ganhei um vestido lindo de meu marido lindo. Ele me ama muito"

Não confiamos em nossas afirmativas. Talvez não confiemos que somos amados, e merecedores destes amores. Ou simplesmente tememos o olho grande alheio.

Dizemos: "é, ele me deu um vestidinho".

Meu amor tem uma frase maravilhosa. Quando uso um vestido que ele me deu - sabe que adoro vestidos - ele fala: "é, quem te deu gosta de você"....
O vestido fica mais bonito, e o presente é recebido de novo. O poder da reafirmação dos bons sentimentos.

O amor e a auto estima adquirem consistência através de gestos e palavras. O exercício do sentimento é fundamental para que migre do reino dos substantivos abstratos para o reino dos substantivos concretos.

A meu pequeno, respondo: é, eu também sou muito boa.
Tenho um pássaro raro, que canta em português, e que me ama muito.

Sorriso lindo do craque Pedro

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Vamos riscar o chão

Brasil
Terra Adorada
Salve


Esse saltinho há de riscar o chão




Escutei minha mãe dizer que minha avó andava de saltos finos em casa.
E que o sinteco da casa era todo riscado pelo salto fino, alto e pontudo da minha avó.
Ponta que risca o cháo. Avó querida, que riscou seu nome em meu coração.


Andava de bicicleta, corria, freiava. O freio riscava o chão. Eu ria.

Nadava. Espuma pautando o mar. Travessia. Às vezes, completava, em outras vencia.

Tive filhos, a cicatriz divide o ventre.

Minha barriga ficou riscada para sempre.

Há riscos também no prazer - sua barba risca meu rosto,
e eu gosto,
desse carinho em desconforto.

e ao fazermos coisas que não posso dizer,
ficam nas minhas costas os riscos
ardem linhas onde passaram seus dentes.

e seus olhos estreitos finos por trás das lentes
me miram,
e eu náo pisco.

Na mão direita, linha de prata. O anel está todo riscado,
e é melhor que seja mesmo mudo e inanimado,
e não diga o que viu enquanto foi usado.

Gastei meu scarpin de verniz preto
ficou mais macio e mais arranhado.
Ficou mais meu, assim marcado.

A marca é o sinal do que a gente viveu.

Rabisco palavras e sonhos,
faço um check list dos medos vencidos
Risco risco risco - o que faltam vencer eu sublinho.

E no Carnaval e no aniversário
Quero riscar o chão com o passo improvisado,
esbaldar com o batuque rasgado,
do tango canção

Quero em ritmo quente,
o mapa do samba no chão.
Mas tem que ser simples e inocente,
como a criança desenhando a giz,
a criança do Pavão, no calçadão de Ipanema,
ou a menina rica no nobre solo de Mont Martre, perto do Rio Sena

Ambas seráo inocentes e desenharão.

Desenhem uma pipa,
quero esse presente.
Mas a quero igual daquele menino, pobre, sujo e favelado
a dele voa mais Livre Leve e Solta
pois a pipa e o menino não reconhecem reinados.

E risquem bonito, um risco largo, preciso,
um risco em arco.
Que me mostre os passos e o caminho do paraíso,
uma pista, uma saída.
Eu sigo, não preciso de mapa.

Fiquem tranquilos
Entendo de riscos, entenderei os traços.