terça-feira, 31 de janeiro de 2012

O filho que parte

Rio de Janeiro
Maternidade
Maior idade
Maior Viver


Oui, c´est la vie


A gente é criança. A gente vai ao colégio, e tem uma amiga.

A gente vê todo dia essa amiga no pátio do colégio. A gente fica mais amiga.

A vida, essa vida imensa, essa vida não respeita muito as amizades, e traça destinos independentes. A gente segue esse riscado divergente. Mas a linha que vai é a linha que volta, e a amiga volta, e a gente volta.

A amiga ressurge com três filhos, três filhões. Bem criados, bem orientados, engraçados, inteligentes. Eu não os reconheci à primeira vista, eram bebês quando os vi pela última vez. Não estive ao seu lado quanto tiveram febre, quando cresciam, quando deram o primeiro beijo, não conheci suas professoras, seus brinquedos preferidos. Não os levei a pracinha, ao pediatra. Mas de repente, gente, são filhos de todos nós.

Os capítulos se repetem. O destino volta com seus caminhos riscados pelo destino, e o filhos seguem esses riscados, e vão para longe de seus amigos do pátio, seguirão outros caminhos.

Hoje os filhos da amiga. Amanhã os meus. Não são meus, nem seus, nem nossos, os filhos são de todos nós. Há a proximidade biológica entre os filhos dos amigos; entre os filhos da Humanidade. Olhamos em seu olhos e lembramos dos olhos vivos, no pátio do colégio. Os olhos seguem caminhos riscados pelo destino e voltam. Na verdade, os olhos nunca partiram.

Hoje parte, vitoriosa, a filha de minha amiga, parte para França, para Sorbonne, para estudar. Conquistou uma bolsa. Não estudei com ela, não emprestei livros, não proporcionei absolutamente nada, mas estou tão orgulhosa como se fosse um feito meu. E tão feliz, tenho tanto orgulho dela, tanta alegria por ela, brasileira que vai fazer bonito na França, brasileira bonita, filha bonita, da minha amiga. Filha de todos nós.

Siga seu caminho riscado pelo destino. Todos estamos, de certa forma, inexplicável forma, seguindo com você. Os caminhos são assim mesmo, e você vai, minha flor, partir, aprender, viver, retornar, ir e voltar, porque linha que vai é a linha que volta, e os olhos que partem, voltam, voltam melhores, mais vistos, mais visíveis, mais brilhantes.

Coração de mãe fica apertado. Sabe o que ensinou, sabe o que o filho aprendeu, mas sabe que o mundo é o mundo e não respeita muito seus ensinamentos de mãe. O mundo desconhece muitas regras; na verdade, o mundo não tem regras: o mundo tem só destinos, linhas, caminhos, cruzados, paralelos, caminhos longos, retos, curvos. Atalhos, perigosíssimos.

Hoje o meu caminho é o do coração. Coração apertado, de amiga da mãe, de mãe amiga, pela filha de amiga, pela amiga e por tantos caminhos que se afastam e se reecontram. Coração que caminhou tanto riscado nesta vida, riscado junto e afastado, nesta vida que afasta e aproxima. Coração apertado de tanta saudade vivida, e de tanta saudade por vir...

La Sorbonne

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

O verdadeiro inimigo, e sua senhora

Rio de Janeiro
Centro do Rio
Pinheirinho
Brasil


Mães e seus filhos expulsas de Pinheirinho, com a roupa do corpo, mediante explosivos. Foto: Globo on line

Três prédios desabam na Rua 13 de Maio, rua de acesso à estações de Metrô, ao Teatro Municipal, e a dezenas de prédios comerciais - até o momento quatro mortos, vinte e dois desaparecidos, muitos os culpados. Foto: Terra


Caríssimos, sabem o nome do sujeito que está despejando famílias, explodindo restaurantes e desabando prédios pelo Brasil afora?

Eu sei. É o nosso verdadeiro, maior e maligno inimigo. É o tal do Que Se Dane.

Foi Ele, e somente Ele que colocou seis mil famílias na rua em São José dos Campos, SP. Que se danem.

Foi Ele, e somente Ele, que autorizou que um restaurante funcionasse, em plena praça Tiradentes, em condições que contrariam, não à lei, mas ao bom senso. Que se Dane. Explodiu.

Foi Ele, e somente Ele, que tocou esta obra no prédio velho da 13 de Maio. Tinha tudo para dar problema. Prédio antigo, rua antiga, obra pesada demais. Bem, Que se Dane.

O Que se Dane também não gosta dos brasileiros formados em medicina em Cuba. Não. Questiona a validade de seus diplomas e os proíbe de trabalharem como médicos no Brasil. Estranhamente, acolherá a cubana blogueira que pede asilo político, de que ela viveria aqui? Bem, que se dane. Também os doentes brasileiros, que não tem médicos que dêem conta de todas as suas mazelas, esses que se danem.

E assim, sem preocupação com o próximo, com a população, com as gerações vindouras, com a cidade, com o Brasil, com o mundo, consigo, com a humanidade, com nada, o Que Se Dane cresce e toma corpo.

Começou discreto, mas não muito. Um processo de democratização ultra rápido e ultra questionável. Pronto. Orçamentos públicos desperdiçados em obras super faturadas. Atrasos, multas, fiscalizações vãs. Propinas, gorjetas, advogados caros defendendo o quê não tem defesa. Eleições esquisitas. Judiciário esquisito. O sujeito foi rondando, viu que aqui 'tava para ele, e foi ficando.

Age todo dia, em todos nós. Você atrasa no trabalho, entra no cheque especial, você come demais, bebe demais, gasta demais, dorme demais. Você empurra com a barriga o que precisa ser resolvido. Você engole a palavra franca que queria sair de sua boca. Você trava o abraço, segura o beijo, segura o pedido de desculpas, você não se emenda, repete, repete. Cuidado. Você evita ficar a sós. Precisa o tempo inteiro estar entre gente, falar, matraquear, comemorar, beber. Tampa os problemas e atarracha bem forte essa tampa de ferro. Enfeita com uma mesa moderna e uma luminária art-decò, fica tudo certo.

Você não quer se aborrecer. Dá uma graninha para o porteiro, ele dá um jeito, você entra à noite com a britadeira. Mais outro cinquentinha ali, e arrumamos um lugarzinho para os bujões de gás. Você não está nem aí para regras que não te beneficiam. Não lê o caderno de economia ou de política. Nem aí para o salário mínimo, nem aí para o IPTU, nem aí para o hospital público. Você vota no cara que é conhecido de sua família, chefe da alguém, parente de alguém. Que Se Dane virou seu amigo.

É, caríssimo, vamos nos perguntar se temos agido dentro da moralidade civil em todos os nossos atos. A moralidade consciente, não a moralidade aparente; não a lei, mas o respeito ao semelhante, embora muitas vezes o semelhante em nada se pareça com o reflexo em nosso espelho.

Sinceramente? A resposta, dura e cruel, é não. O Brasil não chegou neste caos de uma hora para outra, nem pelas mãos de um só.

O Que Se Dane incorporou em todos nós. Somos todos responsáveis. Não há causa única para um grande problema. Há muitas situações e pessoas que concorreram, por atos, ações e omissões. Poderiam ter evitado, ter ponderado, ter alertado. Ter lutado. Mas não fizeram, não quiseram, temeram, não puderam. Emprestaram suas mãos para a negligência, a imperícia e para a má fé.

Em toda a tragédia há a mão do Que Se Dane. Pode ter certeza.

Pinheirinho podia ter sido evitado. Há 15 anos estão ali. As obras assassinas de Naji Nahas também, seus credores, seus mortos. Os fiscais da saúde pública, os fiscais da prefeitura, onde estavam enquanto o restaurante funcionava e os pedreiros detonavam, dia a dia, o prédio da 13 de Maio?

Nosso inimigo público é casado com uma senhora, rica, opulenta, extravagante. É a Corrupção.

Mas o povo não liga não. Já já chega o Carnaval. E Que Se Dane o resto.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Galopai com eles - Viva o Teatro de Roda

Praia do Flamengo
Lá fui eu
Vi sim, e digo porque vi
Julieta e Romeu

Os amantes, que se "consumirão como fogo e pólvora", incorporados por Karina Diniz e Vinicius Alkaim, estarão no Finep até 30 de Janeiro

"Romeu e Julieta... é uma tragédia escrita entre 1591 e 1595, nos primórdios da carreira literária de William Shakespeare, sobre dois adolescentes cuja morte acaba unindo suas famílias, outrora em pé de guerra. Baseado em um conto da Itália, ao lado de Hamlet, é uma das suas obras mais levadas aos palcos do mundo inteiro." ( Wikipedia)


Estamos na época de super musicais, sei disso e todos sabem também. Estão por aí em cartaz, basta ir e assistir. Você vai cantar, vai até dançar, aliás, tem coreografia para quem não é dançarino, tem muita fantasia, muito cenário. Luzes mis. Nada contra, já fui, gostei, curti.

Mas há o texto, de qualidade tal que não tem época. Fala do HUMANO, e o HUMANO atravessa os séculos. E há, graças a Deus e aos atores, o teatro que não tem época. Que não entra e sai de cartaz. Está em cartaz e estará enquanto existir a arte cênica: é o teatro da interpretação. Perdoem-me os especializados, inventei este nome, e o explico. É o teatro onde vale o ator, e tudo que lhe é que indivisível - o texto, a direção, a voz, a dicção, o gestual, o olhar, a transformação. Onde vale o ser humano, que escolheu ser ator; que se permite dominar pela alma dos personagens, e dominado, liberta. Liberta para os demais mortais os personagens imortais.

Assim eu vi Romeu e Julieta, com a Cia do Teatro de Roda, de Mariozinho Telles. Assim eu vi um quadrado, no chão sagrado do palco, marcado com fita preta e amarela. E nesta marcação, desprovida de cenário, eu vi uma sacristia, um quarto, uma taberna, um campo, um túmulo. Não, não foi luz, nem projeções. A luz foi exatamente a mesma durante todo o espetáculo.
Os atores também não tinham figurino. Todos de preto. Atores, atrizes, personagens masculinos e femininos.

E assim Mariozinho, sem cenário, sem figurino, sem cortina, sem aparelhagem de som, sem super produção alguma, Mariozinho consegue criar, diante de meus olhos, a ilusão de ótica. Usou um capuz, era o frei. Tirou o capuz, Mercuccio. Usou uma máscara, um traficante. Karina Diniz usa um lenço vermelho em seu cabelo, era Julieta. Tirou? Teobaldo. O tal lenço, amarfanhado no peito de Mercuccio, era seu sangue derramado que exigia vingança. Roberta Mancuso transforma o mesmo lenço em um buquê, de noiva, sob meus olhos incrédulos. Maria Rita Rezende, sem acessório algum, mãos agitadas, mãozinhas brancas, nervosas, mãozinhas fofoqueiras, ela era uma tremenda alcoviteira.

Em pé, Maria Rita Rezende e as mãozinhas que Deus lhe deu. Ajoelhada, Roberta Mancuso. De lenço vermelho, Karina Diniz.

O talento é a grande super produção da arte.

O texto, adaptado para os dias de hoje, promove surpresas ao espectador, e o tempo passa sem sentirmos. Fomos transportados para outro universo, onde o amor de Romeu e Julieta nasce, cresce e se suicida, duplamente, a metros de nós, cariocas, que acreditamos no amor, e no teatro, e na arte.

Assusta-me a juventude das atrizes Karina Diniz e Roberta Mancuso. Rosto lavado, cabelos puxados para trás. Não precisam de adereços. Elas tem o que ninguém pode tirar-lhes, o dom da intepretação. Do convencimento imediato, da voz perfeita, da dicção perfeita, letras compreendidas com perfeição. Força da cabeça aos pés, andam, galopam, e deslizam quando necessário.

Dentre todas as cenas,fica difícil escolher uma para citar. Por sua beleza, escolho a cena final. Braço erguido para o céu, empunhando o punhal, Julieta resolve se matar. Romeu jaz em seu colo. Determinada, a heroína implora pela morte, é seu consolo e sua vitória. Fiquei apavorada. Vi o punhal entrar em seu peito. A cena termina um segundo antes, ou veríamos seu sangue no palco.

Fica o meu recado: eles estarão lá, de novo, dia 30 de janeiro, segunda feira, às 19 horas. Se você acredita no poder do ator, caríssimo, vá. Se não acredita, vá também. Vai mudar de idéia.

Ele, Mariozinho Telles, ator, diretor, ativista da arte

ROMEU E JULIETA, de William Shakespeare.
Tradução: Onestaldo de Pennafort.
Direção: Mariozinho Telles.
Elenco: Maria Rita Rezende, Karina Diniz, Vinícius Alkaim,
Roberta Mancuso, Último de Carvalho e Mariozinho Telles.

CURTA TEMPORADA (ÀS SEGUNDAS-FEIRAS)
Temporada: Segundas-feiras de 21 de novembro de 2011 até 30 de janeiro de 2012
Local: ESPAÇO CULTURAL FINEP – 180 lugares
Endereço: Praia do Flamengo, 200. Pilotis. Rio de Janeiro.
Duração: 75 min
Classificação: 10 anos
Hora: 19h.
Inteira: R$ 40,00
Estudantes e idosos: R$ 20,00

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Somos todos iguais

Rio
River
Galeria River que leva ao Mar

Foi bem aqui



É preciso emagrecer. É preciso caminhar, com força, vigor, e barriga para dentro.

Fui.

Andei, inabalável, pelo sol inclemente desta rota litorânea - Francisco Otaviano, Vieira Soooutooooo, Delfim Moreiraaaaaa, e voltei pelo mesmo chão.

Vi gente, gentes, porque nenhuma pessoa é igual a outra: gente sozinha, em par, em trios; gente feia, bonita, magra, gorda, careta, rica, pobre; hippies, adultos, children. Surfistas, corredores, cadeirantes. Ambulantes, comerciantes. Patinadores. Vi até as dezenas de bicicletinhas do Itaú. De tudo um pouco, todos por aí.

Volto, satisfeita com a convivência pacífica das diferenças sob o Sol, e eis que em frente a Galeria River há uma quizumba. Mesmo.

Gritos, gente parada, afastada, olhando. A protagonista é uma mulher negra, de short jeans e top, descalça, com um bebê, negro, no colo. Ela se mexe enquanto fala, trêmula, histérica. Dispara para o segurança, negro, engravatado neste calorão, sério, impassível: "- Você é igual a mim. Você não é p.... nenhuma. Você só tem esse trabalho aí. Sem esse trabalho você é igualzinho a mim: preto, pobre, fu....". Seu bebê olha sobre seus ombros, morde as mãos. Tem uma menina pequena ao redor dela, negra também, de bikini amarelinho, pé no chão, cabelo com lacinhos, uma menina tão bonita, tão brasileirinha, está apavorada, nervosa, seus olhos indagam, aguardam reações. Ela anda a seu redor, meio que protegendo-a com seu ínfimo corpo.

Mais gritos. " - Você está aí, parado, e não vê quem você é. Você não é ninguém, é como eu, fu..... como eu. "

Em meio a umas cinquenta pessoas paradas, estáticas, ela abre caminho e segue. O bebê sacodindo em seu colo e a menina rodopiando, atônita, ignorada, muda.

O segurança mudo. A rua, muda. Eu, muda.

É isso, senhora. Diferenças à parte, somos todos iguais. Somos todos gente, há quem esteja na autoridade e quem esteja subjugado; quem grite e quem cale, quem mande e quem fuja. Quem faça escândalo, e quem ouça intimidado.

Negros, brancos, estudados, bem sucedidos, desempregados. Todos iguais. Tire a circunstância em se encontra, o bicho Homem é só um bicho Homem, e se defenderá, como puder ou souber.

Não sei o que causou sua reação. Não perguntei ao público. O povo ficou ainda por ali depois que ela se foi, e ninguém parecia muito a fim de conversa. Fomos todos nos dissipando aos poucos, enquanto sua voz, insistentemente, ficava por ali, e ensurdecia os barulhos locais.

O segurança, invulnerável. Preso em seu terno, não reagiu. Não sei se concorda ou se discorda, se entende que sua autoridade limitada provém de seu posto, unicamente de seu posto de segurança. Não tem legitimidade pública de nenhuma espécie e sua comarca termina ali na calçada.

Essa é nossa condição de brasileiros - tirem-nos nosso emprego, o terno, e a pose, confisquem nossas carteiras de classe, nossos óculos Rayban, nossos cartões de crédito. Igualem-nos, porque já somos iguais por natureza. Ora melhores alimentados e vestidos, ora nus, ora doentes, ora amados, ora rejeitados. Ora com filhos pequenos a cuidar, ora sem filhos, ora com dívidas, ora abonados.

A dor, a que corta o peito e faz sangrar, essa é nossa intercessão. É única e nos equipara, humanos, terráqueos, paridos do barro. Somos e seremos todos iguais em nosso desespero. Chegada nossa hora, partiremos desta terra deixando lixo e histórias, talvez meritórias, talvez vergonhosas. Talvez herança, talvez o bom exemplo, talvez nada. Aí sim, diferiremos. Pelo legado, pela obra; pelas transformações que tivermos provocado e contribuído; pelo bem ou mal que tivermos causado.

Seguirei na caminhada e no pensamento. Afora nossa casca, caríssimos, o coração é sempre o mesmo.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

A Luiza, o BBB, a UPP, e o Politicamente Correto

Rio de Janeiro
Torre de Babel
Babilônia Geral

Precisamos de um media center cerebral


Impressiona-me.

Temos jornais eletrônicos, facebook, orkut, twitter, temos de um tudo para espalhar notícias. Sobram formas e facilidades; temos à nossa disposição as metralhadoras giratórias e as serras elétricas da comunicação; falta, no entanto, conteúdo.

A rala informação vem moldada por quem a emite - hoje o Globo fala da UPP no Vidigal; o SBT fala da tal Luiza que vem sei lá da onde; os fanfarrões do BBB ao meu ver estão estampados na mídia inteira. Estuprou? Não estuprou? Ela gostou? Ela gozou? Eles que se danem.

Paremos.

O único debate saudável que assisti hoje deu-se, creiam, no Facebook, a ilha de caras virtual, onde somos todos lindos, felizes, e bem amados. Uma facie friend traz à tona sua crítica, filosoficamente embasada, sobre o conceito do politicamente correto. Pegou fogo. Bombou. Aí está. Uma moça, pessoa física, com alcance individual limitado ao seu número de amigos, provoca uma discussão saudável, agradável, útil, e agregadora, e obtèm mais de trinta opiniões consistentes de gente pensante, em coisa de 15 minutos. Sedentos, seus friends queriam se manifestar. Queriam se expressar, justificando-se, levantando e derrubando posições ideológicas, opções sexuais, reiterando os sentimentos socialmente aceitos e aposentando os ultrapassados.

A facilitadora, delicada e hábil, devia estar observando tudo aquilo, e optou por entrar na discussão. Digamos assim, o fez com chave de ouro, apresentando-nos uma aula sobre o conceito. Explicou sua visão conceitual, precisa, filosófica, crítica e analógica, do conceito em questão e de outros a ele interligados.

Caríssimos, eu vos pergunto, sinceramente: - Se elazinha, sozinha neste mundo internético, se ela sozinha pode, o pessoal da cultura não pode? Será que o aparato da comunicação, seus orçamentos, seu Ministério, sua Secretaria, Produtores, Patrocinadores, será que não há interesse em direcionar o cidadão para o raciocínio útil? Será que é impossível oferecer a sociedade temas de relevância intelectual, ou no mínimo, humanitária?

Não. O BBB ocupa horas de TV. UPP repete-se em páginas impressas e tecladas, um eco de versões já vistas: é uma ocupação sem ideologia. Onde não há ideologia não pode haver desenvolvimento. É só armamento pesado, a imposição da ordem pela força, nada mais que isso. Sai a força voltará a desordem. Os moradores não estão na pauta da UPP, e estão sem as armas necessárias: não tem educação, saúde, transporte. Estão totalmente desarmados para enfrentar a vida, dentro e fora de suas comunidades.

Disse-me meu benzinho que as pessoas são muito burras. Que não pensam. Que o indivíduo, por isto, não tem significado relevante diante da complexidade do universo, e que se não temos aqui na Terra uma finalidade clara para nossa existência, nada conseguimos usufruir. Tampouco cumprimos com nosso dever de conservação e extração das melhores substâncias do meio em que vivemos.

Eis que ele tem razão. Enquanto perdermos tempo com balelas de BBB, Luiza, e aplaudirmos essas UPPs demagógicas, nada acresentaremos ao nosso universo, próximo ou distante. Nada extrairemos de nós mesmos enquanto não nos debruçarmos sobre o tesouro desta vida: a inteligência. Todo o resto é papo furado.

Ou o ser humano começa a raciocionar em cima de idéias mais qualificadas ou entraremos, manipulado rebanho, cabisbaixos, na câmera de gás da ignorância. Ficaremos semelhantes ao gado, conduzido ao pasto e conduzido ao matadouro, e tirarão o controle remoto da nossa mão.

Vamos mudar com o voto - enquanto há voto - essa conversa para boi dormir.

E falando nisto, boa noite, Bial.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

O beijo seu

Rio
da Zona Norte a Zona Sul
É tudo Zona Érogena

Não digo, porque não devo


Eu bem provei do beijo seu.

Se roubei ou se foi roubado,
não sei.

Mas experimentei,
e se experimento eu digo,
Justamente por isto tenho um blog, caríssimo.

O quê depois sucedeu, assim, eu e você, você e eu,
aí, confesso: não direi.
Uma, porque o blogspot me suspende
e porque quem leu até aqui, já me entende.

E por outra: o motivo de calar-me quanto a sucessão natural dos fatos
é evitar a frustação de tentar descrever o que não pode ser descrito

Só sentido

evitar o fiasco de tentar reproduzir com palavras
o que se faz melhor em concentrado silêncio

Seriam, caríssimo, palavras vazias
desconexas imprecisas
dispensáveis, portanto.

E que por força da moral haveriam de ser, sem dúvida, genéricas e evasivas
dessas que usamos quando temos medo de afirmar
ou de negar
ou de fugir

- a fuga é a mais covarde forma de negativa

e eu não quero nada que se assemelhe a isto
não quero a triste palavra vazia
nem a afirmativa oca
a negativa egoísta tampouco

prefiro o silêncio emocionado
o silêncio que paralisa o tempo
que pára o relógio que pára o dia
o calar que suspende, com seus dedos firmes, o véu da noite e o céu azul do dia.

Eu prefiro.

Nada de posts descritivos.

Não, caríssimo.
depois do que sucedeu ao beijo seu
eu quero só o melhor - a verdade das palavras, a verdade sua, a verdade minha

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

RetroPerspectiva

Rio
Começo de Ano
Recomeço de Mim
RetroPerspectiva

Boas perspectivas


A maioria das pessoas evoluídas faz uma retrospectiva em dezembro. Empresas, Famílias, Indivíduos, a Tv Globo. Relembram feitos e desfeitos e traçam metas. Serão suas bússolas para o Ano Novo.

Sou uma criatura naturalmente transgressora, Deus me conserve assim. Esperei dezembro ir-se.

Foi-se.

Veio janeiro. Nada. Janeiro está aí, virando suas folhinhas diárias, e hoje, atrasada pelo cronograma padrão, revejo o ano que se foi, e não tenho a menor vontade de falar sobre ele. Seria exposição demais, até para quem tem um blog, onde posta seus mais íntimos e sinceros pensamentos.

Então minha retrospectiva haverá de ser também transgressora. Ótimo.

Farei uma perspectiva para o ano de 2012, e através dela estará implícita a minha retrospectiva. Isso fortifica a máxima filosófica de que um conceito se explica pelo seu contrário.

E mais: inclusive a data deste registro, em adiantados meados de janeiro, ultrapassa datas aceitáveis (o primeiro, o segundo e no máximo o terceiro dia do primeiro mês do ano), e vem afirmar minha mais atual crença ferrenha: a desordem cronológica só faz é aumentar a riqueza de conteúdo e da integridade dos fatos. O Encontro Marcado, por exemplo, não obedece à linha do tempo terrestre - Aquele encontro, que banha sua vida de paz, ah, este é marcado pelos deuses, que ignoram solenemente nosso calendário. As almas não tem a idade das certidões em cartório, e não estão disponíveis para agendamentos de relógios; relógios são máquinas, e as máquinas jamais controlaram as almas.

E como minha alma - atrasada, que bom - permite esse vôo sobre o ano de 2012, deixa eu dizer o que vejo. Ainda não vi, mas verei.

Vejo um ano de muita paz. Um ano de consciência tranquila e de muita paz.

Um ano de fartura emocional. É hora do banquete, servido com gosto, com capricho. Flores na mesa e as melhores iguarias, as mais saborosas. As que nutrirão o olhar, o sonhar, o sentir;

Um ano de liberdade, de livre escolha. Sem crime e castigo, sem esconderijo, sem culpados, feridos, sem condenados;

Um ano de caminhadas prazerosas, terapêuticas, caminhadas sob o sol, sob nuvens, sob estrelas; caminhadas sob anjos.

Um ano de respiração.

Ano de ouvir e cantar novas músicas. Nada de refrões repetitivos, nada de estribilhos conhecidos; quero novo fundo musical, novo cenário, novo figurino; nesta nova cena, viver novo enredo, improvisado, espontâneo, irresistível;

Quero acampar ao ar livre de meu ser. Esticar meu corpo sobre o nada, sobre o chão, longe das cidades habitadas, longe do personagem público, urbano. A sós, dentro de mim, de minha natureza taurina, enraizar-me, expandir-me, colher-me, desfrutar-me;

E nesta paz, sonhar mais e buscar mais. Que os sonhos tornem-se fatos, e que eu possa crer, e ver, esses sonhos nítidos, possíveis, e que os realizando, sonhe mais, e viva mais, que sonho sem vida é loucura, e vida sem sonho é amargura;

E que possa eu, meu bem, dar-te o que ninguém ainda te deu. Dar-te a fruta doce do amor maduro, na boca, e que te sacie; e que o gosto do meu ser agrade teu paladar e desperte em ti a vontade de mais, de mais de mim, de mais de nós;

Quero seguir contigo um caminho novo, florido, e que seja caminho, jamais um atalho perigoso. Caminho esse onde possamos plantar, e colher, e experimentar o fruto permitido, semeado, liberado, desejado; por onde sigamos, de olhos abertos, para apreciar o mundo e nós mesmos, inocentes, mãos dadas, corações novos, recém nascidos de dores curadas. Honrosamente portando nossas cicatrizes, estampas do aprendizado e dos quilômetros trilhados com pernas fortes e passos firmes.

Caminhemos, portanto, passos suaves no chão, ou no paraíso, suspensos por asas, balões, que nos tornem leves. Leves, iremos mais longe e nos movimentaremos mais amplamente por este mundo, imenso, mundo lindo, um mundo assim especial, em 2012, para nós dois.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Flavia Negra Braga

Madrid
Olé
Rio de Janeiro
Ôba

Viva Flavia Enne Braga

Flavia Enne estreando no Rio. Vocal, percussão, flor, Cheichu Sierra no baixo, Leandro Freixo ao piano. Os Arcos da Lapa fazem côro

Ela saiu do Brasil e está pelo mundo há 23 anos.
Soltou-se em vôo para Europa e de lá soltou-se pela superfície do planeta. Espalhou-se pela Espanha, Alemanha, Leste Europeu.

(há gente que viaja; há gente que espalha fragmentos de si pelo planeta, sementes, flores, movimentos, canções. É o caso)


Vez em quando vinha a nossa terra adorada, mas não para cantar. Aterrisava nestas bandas do Brasil para visitar, para passear, para encontrar seus entes queridos. Mas calava para si sua música, que precisávamos buscar nos artíficios modernos. Volta e meia pedíamos um cd, assim, timidamente, queriamos saborear um pedaço de sua voz, paladar brasileiro que faz falta neste cenário tão eletrônico em que vivemos.

Neste mês de janeiro ela retoma sua bandeira na Terra Brasil. Veio cantar. Vem ela, Flavia Enne Braga, pitada de Clara Nunes, pitada de Sonia Braga Gabriela, etnias, orixás. Meus ouvidos leigos identificam Djavan, João Bosco, Jobim. Tem, voz, balanço, tem flor, tem canela, tem chocalho na canela. Pousou sobre um carron, seu banco, seu instrumento, seu pedastal.

Encantei-me. A musa é ao vivo, mais musa.

Faz ouvir-se com clareza e profundidade. Comunica-se ao espectador, apresenta sua personalidade feminina cheia de sinuosos significados. A platéia segue seus pedidos de côro, de backing vocal, de tudo o que pedir.

Sua voz ampla, de mar, de brisa, de sopro, espalha-se entre nós como ela própria faz com sua arte; está diluída no som de sua voz. É enfeite, enfeitou a Lapa, o Semente, enfeitou a noite com sua presença e suas composições. Sim, ela compõe! São letras sinceras de um coração sincero, melodias que balançam nossas alminhas e fazem dançar até os pés mais desajeitados. Composições precisas, palavras fragmentadas, palavras reagrupadas, palavras ritmadas pela métrica e pela sua percussão - sobre um carron, com chocalho na canela, tem triângulo, tem pandeiro, tem ela, e ela sabe o que faz.

Eu dancei. Vi, ouvi, dancei.

Em "Coração Estupefato", percebo e concordo: que um coração só é pouco. Muitas vezes nem mil corações darão conta de tanto amor que se experimenta, amor que nos reorienta em rotas novas de mais amor...

Em "Azureando" assistimos a um transbordo de cores e de paisagens. Desfilam alegres visões em suas expressões criadas para melhor multiplicar esse olhar; são lascas de azul, deste tom encontrado em viagens, pelas janelas de carros e aviões, pelas proas de barcos. " - Dá tempo?, ela pergunta, como se o tempo não estivesse também em sua platéia, parado, para assistí-la. "- Então vamos fazer "Colorimar". E vem. Palavra composta, palavra linda, que tem mar, tem cor, que tem ela, Flavia Braga Clara Nunes Gabriela.

Tem consigo músicos de primeira: Cheichu Sierra, cordas. Toca seu baixo, seu violão, toca para a musa sua arte inteira. Ou muito me engano, ou é paixão verdadeira. Tem um piano, classudo, e seu pianista, Leandro Freixo, teclado de mão cheia. Flavia nos explica que o objetivo é divulgar seu trabalho, mas que cantará Águas de Março. Cantou mesmo, e isso é que é cantar. Eu sabia que em sua voz cada palavra teria novo sentido, lama é lama, corte no pé dói, coração é coração pulsando, promessa de vida é vida em abundância.

Ao fim da apresentação, a divina mistura-se a seu público. Desce de seu carron, e repercute sorrisos, beijos, abraços, fotos. Simples, é despojada, está ali, vestido branco. A rosa vermelha de seu microfone agora no vestido, no echarpe, no cabelo; a rosa que enfeitou o palco em pé entre nós, após ter-nos conduzido música afora. E eis eu que sou surpreendida pelo pianista. Moço galante, beija minha mão e a segura entre as dele. Segue em elogios, elegantes, logo para mim, senhora de avançada idade e coração comprometido. Ai. Esse moço entende de piano, de galanteios, e de canção.

E Flávia entende de música. Vamos aproveitar a presença de Flávia Enne Braga em nossas terras antes que o vento a leve para longe; usufruir deste talento brasileiro, deste som, deste carron. Os europeus a tem há anos, em festivais, em recitais, em espetáculos. Covardia. Estávamos nesta fila, e chegou a nossa vez, privilegiados que somos. Temos artistas de primeira que voam pelo mundo, e voltam, pássaros ainda mais coloridos, para voar no nosso Brasil.

Flávia Negra Braga. Que venha para ficar, que venha para cantar, que venha para brilhar.

A musa, em seu sorriso de estréia

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

O esquema

Rio de Janeiro
Zona Norte

O esquema da malandragem


Parei em um boteco. Boteco mesmo, birosca, coisa assim de pé sujo. Pernil, ovo colorido, kibe. Cheiro de cerveja.

Preservando uma distância respeitável do balcão, disparo em tom de desespero:

- Moço, onde é o banheiro? Pelo amor de Deus.

Quem me conhece sabe que sou assim. Tem uma hora que um banheiro vale mais que a pose.

Parto como louca para o fim do corredor sujo. Alívio, fim da agonia. Respiro melhor, ouço melhor.

Passo próxima a uma mesa. Respiração pesada. Cheiro de cigarro, de loções de barba, de gel de cabelo. Não olho, mas ouço. Uma voz masculina, de idade, idos anos de malandragem.

- É,eu andei te observando. E você não está no meu esquema.

Ôpa ôpa ôpa. Aí tive que olhar. Esta sentença forte vem de um senhor de mais de sessenta. Porte militar, ouro pelo peito e pelas mãos. Bermuda de linho, camiseta branca para dentro, com cinto. Chinelo branco de couro, bigode tingido.

A senhora destinatária da afirmativa, em gestos nervosos, levanta, pega a bolsa e sai do boteco. Finjo atender o celular, assim posso ouvir mais, e sossegada.

- Mais uma aí por favor, diz o velho malandro para o atendente.

O atendente o serve, em silêncio.

Ele prossegue - É rapaz. Sou velho mas não sou bobo. O papai aqui está de olho vivo.

O atendente continua seu serviço, parece surdo. Eu não. Eu sigo para fora em choque. Silêncio. Constatação.

Eu nunca tinha presenciado um desenlace como esse. Poucas vezes nestas décadas de vida ouvi uma frase tão objetiva, resultado de conclusões quase que exatas: - 1.saber qual é o seu esquema; 2. observar; 3.enquadrar; 4. não enquadrar 5. comunicar. Quase um desligamento, um comunicado da gerência: você não está no perfil para o cargo.

E pensei: qual o meu esquema? Não sei, é para existir esquema?

Esquema de quê? Aprendi a duras penas que uma relação é feita de sentimentos mútuos, não de tópicos. Não há uma lista de requisitos. Devemos sentir, e perceber, e deixar fluir. Conhecer, assim, aos poucos, e gostar, aos poucos. Ceder, conceder, solicitar. Trocar. Se possível, construir.

Engano. Existe sim um esquema a aderir. E talvez muito do que eu já representei e ou que foi para mim representado tenha se perdido por não ter claro, em minha cabeça, o tal esquema. Os tais pontos dos quais não abrimos mão. O desejável enquadramento.

Minha permissividade comigo e com o próximo levou-me a alguns descaminhos.
Faltava o esquema a seguir. O regulamento do coração.

Não sei de quantos esquemas tomei parte, e de quantos saí, desistida ou desistindo. Sempre quis fugir do padrão, e acabei fugindo de mim.

Mas há um senhor, um velho e bom malandro que não segue esse riscado. Ele tem um esquema, e mulher para estar com ele, tem que se enquadrar.

Senhor, não sei seu nome nem nada, mas tiro o chapéu para sua pessoa. O senhor em seus muitos anos está dando um banho de objetividade. As coisas são, ou deviam ser, simples assim. Saibamos bem, de cor e salteado qual o nosso esquema. O que podemos oferecer e o que queremos receber. O que nos faz bem. O que necessitamos.
Como gostamos de passar dias e noites. Como gostamos de sonhar e de acordar. Se queremos passear de mãos dadas, se queremos namorar no cinema, se queremos dormir abraçados. Se queremos dormir sozinhos. Se queremos sair ou ficar. Se queremos mais intensamente, ou menos, descompromissadamente. Onde começa e onde termina o território do bem querer.

Se o outro não pode dar o que queremos, ou se exige adaptações aí meio sofridas, nada de mágoas. Não está no esquema. Comuniquemos, com toda a calma e firmeza.

Um xixi urgente me ensinou tanto. Gostei do exemplo. Gostei da sabedoria. Gosto da malandragem antiga, talvez mais honesta que a diplomacia atual.
Gostei do pensamento lógico e direto. E da decisão.

Precisamos todos definir (e redefinir) nosso esquema. E ficar de olho vivo.

E caríssimos, cá para nós: se não está no esquema, aquele abraço.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

O Terceiro Elemento

Rio
Brasil
Terra
Via Láctea

Vamos dançar a dois



Quem tem um não tem nada, já dizia minha avó. Mas ela falava de sapatos.

A moça tinha um namorado, um único. Brigavam. Voltavam. Choravam. Ficavam de bem.

Bem, mais ou menos bem.

Traíram-se. Culparam-se. Reconciliação sem perdão. Perdão é coisa que nasce onde não há culpa, e a culpa da traição persegue o traidor. Mais que o traído, é o traídor o grande perseguido...

As moças não são rapazes. Não se desvencilham das dores. A dor batuca. É cuíca insistente no coração de ressaca.

A dor empurra. Como um parceiro cruel da contra dança, conduz a moça por passos de nível demasiado avançado. Ansiosa por acertar, tenta seguir. Tropeça, tropeça em mais dor.

Elegeu um terceiro elemento para ampará-la. Auxiliar nos momentos de hesitação.
Para consolar, acudir. E mais, para desempatar. O terceiro gol, o terceiro voto, o terceiro milênio.

Mas o amor não é partida com regras claras. É jogo com dois vencedores.

O terceiro elemento atropelou-se. Acabou por confundir. Descompassou o canto desafinado de um amor em seu fim, canto sem refrão, sem emendas, sem soneto.

Canto triste, lamento.

Com todo o carinho de meu coração ressucitado eu aconselho a moça a tirar o time de campo. Não há elemento terceiro, quarto ou quinto que venha resolver. Eles vem é complicar.

Uma equipe inteira de amantes apaixonados não conseguirá esclarecer o que uma alma sozinha não pode entender - compreender o amor é prerrogativa das almas sinceras e dedicadas à causa egoísta de amar. É tesouro de privilegiados, sábios, que conhecem o tempo exato de agir, momento preciso de escolher, de ficar e de partir. A hora da aposta e da retirada; da espera e da desistência.

Finalmente a teoria da salvação pelo terceiro elemento cai por terra: esse molde de sobrevivência emocional da nossa histórica sociedade machista é uma grande armadilha. Quem o seguir, mais cedo ou mais tarde se enroscará em pernas demais, em braços demais, em beijos demais. Em sonhos disparatados demais. Perde o ritmo deste pas-de-deux.

Quem quer ter par, tem que dançar com um por vez. Segundo o estatuto da gafieira, tem que esperar a música acabar para trocar de cavalheiro. Esse é o esquema da malandragem, e não é à toa.

Quem tem um pode não ter nada. Mas quem tem dois, tem menos ainda. Menos amor e mais desilusão...