quinta-feira, 21 de julho de 2016

Neuro Terrorismo












Ipanema na mira
Será?


Caríssimos, ando preocupada.

Bombas, assaltos, balas perdidas, doenças, explosões. Arrastões. Loucos armados que matam centenas.
A impotência coletiva diante da covardia acaba nos fazendo medrosos demais. É grande a sensação de desproteção. Minha mente anda ocupada pelo medo.
Ando apavorada. Tão apavorada que tenho medo até de temer em vão.
(não tenho medo de amar em vão não. Amar nunca é em vão)
Mas esse estado de alerta constante é um desperdício de adrenalina, meu compadre. Entro no ônibus e temo o assalto. Não fui assaltada. Temi em vão.
Em vão?  Não. Por massificação de ideias mesmo. Temos sido treinados para desconfiar. Problemaço, pois onde termina o medo e onde começa o preconceito? Temo o negro jovem e não temo o homem branco de meia-idade. Temo o mendigo e não temo o executivo. No entanto, todos podem, em tese, estuprar, aliciar, e outras misérias. Escolho alguns para me afastar e outros para papear. Quer preconceito maior que este?
Mundo cruel o nosso.
Tiraram nosso sossego e privaram-nos de nossas predileções. Por exemplo: sempre encantou-me a cultura árabe. Sua estética rebuscada, sua riqueza de detalhes, suas mil e uma noites, seus provérbios, seus mosaicos, suas lendas. Seus nômades. Depois de tantas bombas mundo afora, acrescentemos um negativo à essa encantadora lista: seus terroristas. Não posso avistar um vendedor de esfiha que desconfio.  " - Será mesmo refugiado? Será do Bojo Karan?", penso.

A vida testa nossas reações, e me presenteou então, com  novos vizinhos. Árabes puros sangue.
Sim. Um dos apartamentos do pacato prédio onde resido foi alugado ou vendido e eles estão lá. Vestidos a caráter ( ou quase), uma família inteirinha. Pai, mãe, criança maior, criança pequena e bebezinho.

Meu pseudo sossego acabou.
Temos ampla variedade de terráqueos no prédio. Portugueses, índios, negros. Uma russa. Portadores de necessidade especial, portadores de down, nordestinos, judeus, espíritas, evangélicos, surfistas. Intectuais, policiais e por aí vai. São 56 apartamentos e custa-me lembrar de dois flats com o mesmo perfil de moradores. Uma homenagem à diversidade e à convivência pacífica entre as tribos.

Mais ou menos. Agora temos os árabes.
Fechados. Resistem a um cumprimento. Falam entre si em árabe. São diferentes dos descendentes de libaneses que conheço, muito amigaveis e hospitaleiros. A pele deste grupo é bem escura e esverdeada. O tom de voz é seco. Ríspido.  Nada da simpatia e eloquência dos turcos da Rua da Alfândega; a mulher é calada e não cruza o olhar com o meu. Usa roupa comum, e não tem os enfeites da minha fantasia. Traz a cabeça envolta numa echarpe escura.  O homem é sério, calou-se quando entrei. A criança maior é uma criança, gente, que eu queria saber o nome, ouvir seu riso, fazer alguma gracinha, mas esse infanto foge também de meu olhar. o menor apertado junto à mãe, parece ter medo da porta pantográfica, e de mim.

Corajosa que sou para diversos medos, entrei. Os andares que seguiram foram de silêncio e mal estar. Sinto que em minha legging justa e batom carregado eu os incomodo. Eles me incomodam também com tamanha sisudez. Eis aí o ponto que é necessário refletir. As mútuas diferenças ofenderam-se. Desconfianças. Eles perceberam. Ofenderam-se. Quem não se ofenderia?

Sou mesmo muito proviciana. Tenho-me em conta de moderna, cabeça aberta, up dated. Tudo mentira. Ando desconfiada que nem  uma caipora do mato. Se sinto cheiro de queimado, acho que vem da casa deles. Se ouço barulhos, acho que vem da casa deles. Tem um carro carissimo. "- Da onde vem o dinheiro? ". Penso em tráfico de armas. Ai nāo, meu prédio seria muito simples. Bem, pode ser para despistar. Cochicho com o porteiro. A vizinha israelita junta-se a mim: "- Não quiseram entrar no elevador porque eu estava", afirma, com a dor dos séculos de guerras. Minha mãe ofendida pois não retribuem seus cumprimentos. De fato, os cumprimentos de mummy são um tanto efusivos demais ate' para a nossa descontraida cultura.

Que vergonha de mim. Em nome de acusações semelhantes cometeram-se crimes  horrorosos na história da humanidade. Estudei tanto para derrapar feio assim na armadilha do preconceito. Tento convencer-me que não podemos julgar ninguém por sua origem. Em seguida me lembro do descendente de afegãos que matou 50 gays no ataque de Orlando. Tento pensar que somos todos irmãos. Sim, mas Caim traiu Abel.

Estamos nas mãos de Deus, afinal, em nossa ignorância e pecado.  Que nos proteja da guerra, do sofrimento, e de toda a sorte de preconceitos. Que com sua imensa piedade  nos ensine a perdoar  o conhecido e o desconhecido. Conspirar, julgar e condenar? Sabemos decor.


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terça-feira, 19 de julho de 2016

Calendário Escolar



Botafogo
Um frio danado
Manhã de Inverno


                   
É ou não é para comemorar Agosto?
Claro que é


Dois anjos me olham. Não falam nada.
Um anjo cria coragem: "Teacher, como falo que nasci em novembro ?"
Eu não resisto. Tenho que aplicar o que aprendi: ofereça mais do que os pupilos pedem.
Vejam bem, caríssimos. Pedir-me para dar mais do que foi pedido é pedir-me para ser eu mesma. Se há algo que eu não fiz nesta existência foi poupar-me.
Preparei plaquinhas coloridas. Uma para cada mês do ano. Letras bem cheias e caprichadas, que os símbolos das palavras devem ser generosos como os seus significados.
Os anjos pegaram as plaquinhas com suas mãos de anjo e colocaram em seus cadernos de anjo.
Para cada plaquinha, deveríamos, juntos, escolher um feriado que se comemore naquele mês.
Abrimos nosso ano com Janeiro. As promessas e os fogos de Ano Novo estamparam a folhinha, em traços simples como as promessas boas de se cumprir, e em cores vibrantes como o coração que recomeça; muito bem.
Fevereiro, Carnaval. Máscara dos charmosos disfarces, confetes da agitação, notas musicais das marchinhas. Março: retorno às aulas. Percebi que os anjos ficaram meio murchinhos. "não é bom voltar à escola? " perguntei. É, mas a gente fica com saudade da mãe. Que triste isso. Divididos entre o aprendizado e a vontade de ficar no colo de mummy. Tão pequenos. Tantas tarefas. Será necessária esta privação?
Sigamos, que temos o ano pela frente. Abril? Páscoa. Coelhos, ovos, poucos, não gostam de doce e os recebem em fartura; não é um sonho de consumo. Peça a um menino da comunidade para desenhar um ovo de páscoa. Enche a folha. Colorido, caprichado, é coisa que desejam, que não tem, que imaginam em detalhes. Que venha Maio, mês das mães, muitos corações e flores para as mummys tão delicadas e atenciosas com as quais  a vida lhes abençoou.
Junho? dia dos namorados. Festa Caipira. Bandeirinhas, milhos, fogueira. Julho? Ferias.
Agosto.... Bem, nada em agosto. Pulamos este. Setembro? Primavera, independência do Brasil. Outubro, dia da criança. Novembro? Proclamação da República, Zumbi.  Dezembro??? Covardia. Natal!!!!!
Agosto lá. Em branco. Olhando para gente. Dois anjos e uma parva. Sem saber o que poderia haver em Agosto. O anjos tristes...." deve ser  triste para o Agosto"
Eis que as teachers tem família também, embora os pequerruchos, em sua inocente egolatria, sequer imaginem; e eis que esta teacher tem uma irmã, que faz aniversário em Agosto.
Pronto!!!! Agosto é o mês do aniversário da minha irmã Marina. Ela é bailarina e mora em Madrid.
Que baixeza de minha parte... subitamente os meses do ano perderam suas cores. Irmã bailarina? que mora em Madrid? Já a viram vestida de vermelho e na ponta dos pés.
Com muita satisfação e uma letra bem bonita, escreveram:
August  " Marina´s Birthday". Desenharam balões coloridos. Bolo com o nome da aniversariante.
O calendário ficou feliz.
Os anjos ficaram felizes.
A teacher ficou muito feliz.
Num mundo machucado pelo desamor, a beleza encontra seu caminho para consolar os humanos: no sorriso do anjo,  por onde o tempo caminha mês a mês. Nas alegrias espalhadas pelo ano. Nas cores, nas letras, nos desenhos, no poderoso imaginário infantil.
Na maravilha de celebrar o aniversário de quem amamos.
Comemoremos sim. Um ano a mais de um ser amado devia ser mesmo feriado universal. Amar o próximo é coisa rara.
O amor é raro, o bom ser humano é raro, a vida é rara.
Vida que não se compara, vida que não se esgota, vida que dança.
Vida do Brasil a Madrid. Passando por muitos outros sortudos pontos do mapa mundi.
Merece mesmo o sorriso dos anjos. Merece mesmo estar no calendário.



       Bailarina, atriz e professora
       Marina Santo
       Foto: Eva Vieira