segunda-feira, 30 de abril de 2012

O Pouco e o Muito

Rio
quase feriado
mas ainda dia útil



Infinito















Pouco é só um pouco.

Mesmo que seja um pouco de muito,
ainda não é tudo.

Faltou.
Quase.


E pouco a pouco,
eu sigo

- mas será que é por nada?

E como o pouco é a porção reduzida,

(limitadamente apresentada em menor escala que sua escala plena)

diametralmente falando,

o muito devia ser um quase tudo.

Mas ainda assim o muito não é tudo

senão chamaria-se de todo.

Portanto seria correto afirmar que

pouco é quase nada

e muito é quase tudo?

Não interessa de fato

pois ambos situam-se no quase

(quase nada e quase tudo)

e quase ,conceitualmente falando,

quase é o que não completou-se
o que não aconteceu
e está inconcluído.

Então quase é por pouco,

e pouco e quase nada

são contraditórios conceitos intermediários.

Ambos partiram do zero em sentidos opostos:
O pouco é quase positivo,
e o quase nada, é tendencioso para o negativo.

Mas do zero ponto não passaram tanto assim.
Separando o pouco do muito, eu prefiro o chão seguro dos conceitos absolutos

Terrenos definidos e seguros

do tudo

ou do nada

e se possível, o quê intrinsicamente é só uma suposição viável,

se possível,

o infinito

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Cabelo de boa índole

Graça Aranha

Que graça

de emaranhado


Diana Ross, diva toda vida, e sua corajosa cabeleira black power


A pessoa nasceu com cabelo crespo. Amaldiçoada pelo destino, a família fez de um tudo para modificar sua sorte. A pessoa cresceu esticando o tal cabelo. Esticou, alisou, engomou, grudou, formolizou, selou, defrizou. Chapinha. Hidratação. Dinheirão. Escovas progressivas, regressivas, ativas e receptivas, e claro, passivas.

O cabelo ia morrendo na cabeça. Minguando. Alergias no couro cabeludo. Coceiras nos olhos. Não podia molhar tal dia, não podia lavar tal outro, não podia mergulhar no mar, não podia não secar, não podia passar mais de três meses sem retocar o que nunca estaria concluído. Tinha que adivinhar o clima tempo. Tinha que ter horas disponíveis para salões de cabelereiro indisponíveis. Tinha que ter verba-cabelo.

Um dia a pessoa se liberta, cria coragem, e deixa o sarará balançar. Que maravilha de destino, o cabelo ficou soltinho, igual pipoca, igual arroz de festa, livre, leve e solto, frenético pichaim.

Tão viável. Tão econômico. Tão relax. Tanto tempo livre. Tanta preocupação a menos neste vida-work-flow que levamos apressados nas metrópoles engarrafadas.

O povo gosta. Os filhos gostam. As amigas gostam. A pessoa gosta.

Ah, mas tem um ser que não gosta: o segurança do prédio do Sesi, da Av. Graça Aranha. A pessoa vinha andando, salto alto, saia comportada, colar de pérolas de quatro voltas, mimo recebido em outros tempos. Figurino de executiva e cabelo sarará, balançando de tão feliz. Tinha visto a exposição deslumbrante da Cinelândia. Tinha visto a Terra do Céu, e tinha visto a França preta e branca de Doisneau, no Centro Cultural de Justiça Federal. A pessoa estava cantarolando, enlevada, achando a vida muito boa, e indo ao Teatro, só para arrematar o bordejo.

Assustou-se, doidivana criatura esta, com palavras talvez demasiado sinceras, lançadas ao vento pelo segurança do Sesi da Av. Graça Aranha. Uniforme, crachá, arma, rádio, e em 100 kilos de franqueza anunciou sua opinião, em alto tom de voz: " - Mas que cabelo ruim!"

Estamos numa democracia. Cada um fala o que quer. Cada um usa o cabelo que quer. E cada um responde o que quer.

Sim! Meu cabelo tem caráter. Não passa cheque sem fundo, não promete o que não vai cumprir, não jura em falso, não debocha da dor alheia. Vai trabalhar todo dia, não rouba dinheiro de criancinha, nem merenda de colégio público, nem remédio de posto de saúde. Eu talvez tenha lá meus pecadinhos, que também não são esses, mas meu cabelo não. Segundo o vocabulário dos profissionais do ramo, meu cabelo é virgem. Inocente. Inimputável.

Assustador que um cabelo virgem esteja impregnado de maldade, ruindade, crueldade e indiferença. Talvez eu, em momentos que prefiro esquecer. Mas meu cabelo não.

A pessoa respondeu: " Eu é que sou ruim, senhor. O meu cabelo é bom."

O homem calou-se estupefato. Segui sorrindo, e pensei que Elisa Lucinda ia ter um imenso orgulho de mim.

Mas que cabelinho sem caráter

terça-feira, 24 de abril de 2012

Anunciação de Alceu

Atenção Minas Gerais
Ouro Preto é no Leblon
Atenção Pernambuco
Alceu chegou para Anunciar


À frente da Orquestra Ouro Preto, Alceu Valença, pernambucano, homenageado pelos mineiros, e reverenciado pelos cariocas. Identidade nacional para dar e vender. De costas, o maestro Rodrigo Toffolo. Foto de Ana Schnneider


“Comemorando 40 anos de carreira, Alceu Valença terá, pela primeira vez, suas músicas adaptadas para concerto, sem perder sua essência nordestina. Misturando o popular e o erudito, o cantor e compositor pernambucano e a Orquestra Ouro Preto apresentam hoje o espetáculo ‘Valencianas’, no Teatro Oi Casa Grande, no Leblon. O repertório traz sambas, composições mais sofisticadas e sucessos como ‘La Belle du Jour’, ‘Tropicana’ e ‘Coração Bobo’
. (Divulgação, em 23 de Abril)


Meu coração ficou bobo de vez.

Coração balão subiu ao céu do Brasil, e lá de cima, viu a Belle de Jour na Praia de Boa Viagem, a Morena Tropicana subindo e descendo as Ladeiras de Olinda e Santa Tereza. Coração São João viu Alceu atracar no Porto da Saudade, e era mês de Junho de seu tio Geraldo. Coração de aflito, clamou pela Anunciação dos Novos Tempos.

Como fui ao céu? Fui de violino, caríssimos, violino de Matheus Freire. Coisa para voar longe, suspensa pelos arranjos que este prodígio compôs para as Valencianas, trabalho da Orquestra Ouro Preto sobre, simplesmente, Alceu Valença. No meu cavalo, peito nu e cabelo ao vento, eu fui longe, segurando na batuta do Maestro Rodrigo Toffolo. Para chegar assim ao Pernambuco afetivo do coração de Alceu, passei por Ouro Preto, pelo atalho do Leblon

Matheus Freire, violinista, arranjos para Valenciana, e asas para gente voar. Mais um click de Ana Schnneider


E tem quem reclame da vida, caríssimos, que pecado.

Somos brasileiros, temos Alceu Valença, e temos a Orquestra de Ouro Preto, a tocar Porto da Saudade, Acende a Luz, Coração Bobo, Morena Tropicana, Anunciação. Explicam em seu site que no ano de 2000 Rufo Herrera e Ronaldo Toffol criaram a Orquestra Experimental da UFOP, que é hoje a Orquestra Ouro Preto. É formada por cerca de 20 músicos, e em função do repertório , recebem músicos convidados. A Orquestra, sob a regência titular de Rodrigo Toffolo, vem atuando em consonância com seus objetivos institucionais, claríssimos como o seu som. Querem a latinidade. E tem. Querem explorar o ineditismo e o experimental. Querem a fusão, o diálogo, e porque não, a dialética resultante da mistura de universos da música clássica e popular. Metas superadas. Viajam difundindo e espalhando a sua, a nossa música, em fartas porções e abundante qualidade. Criaram com suas Valencianas um som novo, o tal do ineditismo, tão difícil e raro, aconteceu, nasceu. Pai nordestino e mãe mineira.

Patrocinados por grandes empresas, apresentaram-nos com toda a dignidade de uma grandiosa orquestra o poema singular do Nordeste, com sua cor peculiar, seu tom de lamento e de certeza, seu cheiro de terra e o murmúrio do rio. O cavalo de pau, o sol que quára a roupa dos varais. A herança católica do sagrado domingo, que é o dia que Alceu avista sua Belle de Jour e anuncia a chegada do Amor nos sinos da catedrais.

A orquestra, um show no palco do Oi Casa Grande, e sua inovação com o forró clássico - click? Flávia Metne

Alceu é um dos maiores compositores nacionais, e traduz a tipicidade de sua gente nordestina. Sua música tem aviso, profecia. Tem dor que não dói, que se constata, e que nos toca adiante, mais fortes e sábios. O coração dos aflitos, por exemplo é pipoca dentro do peito. Aflição é dor, mas pipoca não, é alegria. O poeta apresenta o coração aflito com essa imagem branquinha, saltitante, que traz coisas boas da infância só de lembrar. Chega a ser surreal, mas não é melhor assim? Ele meio que ri da agonia. Tem um quê de amor e de desejo, de venha viver comigo, de venha ver o Brasil comigo, venha ver meu coração. Quem, caríssimos, quem não iria?

Sua palavra é de profeta, anunciando que novos tempos estão chegando, e o Amor vai brincar no quintal. Vejam, caríssimos, outra imagem linda e simples da vida. Amor é para brincar no quintal, ao ar livre, é coisa de casa, de paz, assim, perto da vista, perto do olhar, ao alcance da mão, mas distraído em si mesmo.

Viva a Ouro Preto, com Alceu e o maestro à sua frente

Sua voz altiva e imponente poderia conclamar o povo a uma revolução, com seus longos cabelos de Antonio Conselheiro. É líder, sem dúvida, um líder louco, um cientista louco da música, engraçado e certeiro. Está feliz no palco, ouvindo preciosos violinos de Minas entoarem suas preciosas composições. Deve ser um presente para o compositor assistir uma orquestra deste nível, sob a regência de exímio maestro, executar com brilhantismo as palavras que saíram de sua alma. Mais, o coro do Leblon, que ele mesmo regia, embevecido.

Estou contigo, Alceu. Eu e meu coração bobo, meu melão maduro e meu sapoti joá – vamos escolher a música brasileira, temos direito de optar sobre o que vamos ouvir no shopping, no restaurante, no táxi, já que pagamos a conta. Se eu puder escolher mesmo, quero sua Morena Tropicana, quero a Anunciação, a Estação da Luz. Eu quero a bruma leve da paixão que vem de Recife, e quero em Ouro Preto.

Eu, meu coração bobo, e o Leão do Nordeste, Alceu Valença

sábado, 21 de abril de 2012

Patricia Costa, Carioca e Brasileira

Rio
Só podia ser do Rio


Deixa ela cantar
Patricia Costa, em interpretações majestosas no Mulata Sou, no Centro Cultural Carioca
Foto:divulgação

Ver é comigo, e digo porque vi. Mas ver e ouvir é bom demais, e deixa comigo também.

A primeira vez que vi e ouvi Patricia Costa foi em Noel, Feitiço da Vila, dirigida por Eddie Nunes. Sua entrada inicial em cena foi travestida de Aracy de Almeida, calças retas e óculos fundo de garrafa. Estava igualzinha. Depois ela vem de musa, cantando O Apito da Fábrica de Tecidos e depois não sei mais, porque o brilho da atriz no palco hipnotizou-me.

O destino quis que eu a visse na platéia da estréia da Peça Em nome do Jogo. Sou fã, e fã se aproxima. Fã quer ver de perto, quer olhar, quer falar, e eu fui, olhei e falei.

Patricia é muito educada. Voz suave, postura de princesa. Falou comigo com essa voz que Deus lhe deu sobre o show no Centro Cultural Carioca. Ah pronto. Não precisou mais nada. Meu bem do lado, lá fui eu para ver e ouvir mais.

A cantora, em gesto de atriz. Talento múltiplo em um único espetáculo
Click meu

Samba? Jazz? Mpb? Tudo junto e muito mais. Patricia entra reinando no palco, e sua estatura miúda, mignon, atinge uns 2 metros de altura sobre o solo sagrado do palco, inexplicável pelas leis da física, mas justificadíssimo pelas leis da arte. O repertório demonstra seu bom gosto. Temos Paulinho da Viola, Noel Rosa, D.Ivone Lara, Caetano Veloso, Tom Jobim, e Jackson do Pandeiro. Acompanhada pelos músicos Cláudio Costa (violão e direção musical, e seu irmão), Gláucio Martins (sax e flauta), Maurício Piassarollo (teclado), Rodrigo Ferreira (baixo), Wallace Santos (bateria) e Michel Nascimento (percussão) ela consegue paralisar a platéia. Fez um samba jazz, um som brasileiro, tamborim com sax, som para ouvir e assistir. É a apresentação de uma dama da música, exige respeito.

Em interpretações impecáveis ao ouvido e ao olhar, Patricia se supera em Sonho Meu, Odara e Só Mente, perfeitas para seu tom. Faz viajar. Gostaria de vê-la cantando Águas de Março, pois tem a mistura do tom cristalino com o swingue da voz, coisa das divas. Sua voz atinge notas altas com suavidade, muito altas com muita suavidade, segurando no balanço. Mãos nas cadeiras e samba no pé, tudo junto, com harmonia.

E sempre foi assim. Está há 18 anos na vida artística. Estrelou “É samba na veia, é Candeia”, “Divina Elizeth” e "Orfeu". Pesquisando trabalhos anteriores e entrevistas, percebe-se que Patricia sempre mostra a que veio. Seu trabalho é caprichoso, não bastasse o talento, ela é primorosa nas suas declarações em público, sempre com enfoques positivos e de incentivo. Uma diplomata do Samba.

Com Jorge Maya, na obra que homenageia o grande Candeia
Foto:divulgação

No Carnaval deste ano, representando a diva Clara Nunes, na Portela
Foto: O Globo

Atriz, cantora, dançarina e apresentadora. E carioca, Brasileira, segura o público com categoria. Conta um pouco de si e da sua história. Explicou que o nome da banda é MU.LA.TA - Músicos Unidos para Lazer, Treinamento e Apresentações, e dividiu com o público passagens de sua vida como passista. Soubemos então que estreiou na Portela e ganhou o Estandarte de Ouro como revelação, por pura reação a um empurrão que recebeu de um diretor de ala. Provocada pelo gesto do tal senhor, superou-se no samba no pé.

De passista revelação em 1992, a Rainha da Bateria da Viradouro - trajetória de respeito no Reino do Samba
Foto: O Globo

Na verdade não precisa de empurrão algum, seu talento é seu passaporte, e percebe-se que é uma profissional que investe na vocação. Formada em pós graduação pela Faculdade de Dança Angel Vianna, muito bem colocada como atriz e cantora, é destas artistas que quanto mais buscamos informações, mais encontramos, de tão consistente que é o seu trabalho. Consistente e lindo, sim, ela está fazendo um lindo trabalho pela arte brasileira.

Eu desejo, caríssima Patricia, que o destino prossiga te empurrando para cima, onde é o seu lugar. No Brasil e na Europa, onde acredito que também será rainha. E eu, que não sou ruim da cabeça e nem doente do pé, estarei pronta para sambar, cantar, e aplaudir.

A diva e esta que vos fala, que fã é fã e tem que ter foto

Amor Exato

Rio de Janeiro

Exatamente na Lapa
Exatamente no Leblon
Exatamente em Copa


" O amor precisa da sorte, e de um certo trato com o tempo, para que o momento do encontro seja para dois o exato momento" (Zé Ricardo, em Exato Momento)

Estou com esse post incomodando no peito há dias. Hoje é o momento exato para que saia de mim, e eu nem fiz trato com o tempo.
As palavras tem destino e movimento traçados, e são tão exatas. Enquanto me incomodavam, eu não as entendia.

Eu não ia aceitar isso assim não. Como? Amor precisa de momento para os dois, ao mesmo tempo, encontro marcado pelo tempo?

Não. Amor precisa de Amor, Amor somente, o encontro pode ser marcado e desmarcado, porque se for de Amor, será impossível fugir dele. Adiar, talvez. Mas o Amor permanecerá lá. Firmão.

Exatidão? Claro que não. Ama-se mais, ou menos, há dias em que o Amor é maior, poderoso, infla o peito, arrebita a bunda e a auto-estima, e ainda faz brilhar a inteligência. Em outros, é melhor fazer de conta que não se ama, tamanho seu estrago. Por isso diminuiu? Claro que não. Pelo contrário. Ficamos avisados da imensidão da sua presença.

E nada de exato para os dois, isso é mais difícil ainda. Amar a criatura na medida exata em que se é amado, é outro parto. Um dos dois amará mais. Amará com mais certeza, com mais força. Como uma balança onde um dos pratos suporta mais peso sem rachar. Que Deus nos desse a graça de amar na medida igualzinha em que somos amados e não sofreríamos por falta ou excesso. Que Deus nos desse um amorzinho prêt-a-porter, experimentou, gostou, levou, acabaríamos por confundir Amor com Utilidade Amorosa...ou é amor, ou é conveniência, não andam juntos. O amor exige por si só, questionamentos, movimentos, mudanças.

E diante da minha curiosidade pelos versos da música tema da novela das sete, beijinhos mis, fui conferir a letra na íntegra, a fim de esclarecer se o moderno compositor, voz contemporânea, vai insistir em entregar o amor à própria sorte. O amor depende de sorte? Depende de tudo, menos de sorte. A Sra.Sorte sozinha não faz amor nenhum nascer, crescer, viver, reproduzir-se e morrer. Quem faz isto é sua amante, a Coragem.

Encontrei o que eu queria. Gol. A última estrofe, antes do último refrão, avisa: "Se o amor quiser mudar as leis do que é certo, ele faz que o improvável aconteça"
E para arrematar: " Talvez só seja assim para mim, e para você não seja nada disso. Mas eu prometo tentar aprender a te amar do jeito que for preciso"

(os últimos avisos costumam ter mais peso)

O poeta tem sua regra do coração - o tal do Dever Ser, de Kant. E a possibilidade de não ser bem como devia ser, mas ainda assim, Ser. Sim, essa é a possibilidade maior do Amor: impor-se, ainda que contrarie o Dever Ser. Mudar o provável, o esperado, mudar os atingidos pela flecha do cupido. Mudar o Destino. Com medos e acertos, com esforços, com voluntários e inevitáveis movimentos, com afinações ou descompassos.

Aí eu me apaixonei pela música. Aí eu me aliviei, e as palavras de Amor Exato saíram, coração afora. As palavras repetiram o mecanismo dos sentimentos contraditórios, vividos plenamente quando entendidos e aceitos em sua contrariedade.

Alívio...

O Exato Momento do Amor não obedece a regra nenhuma. Não é Exato, é diário, diariamente variável e inexato. Não precisa de dois juntos, concordando, adestrados, nada disso. O primeiro pode ir na frente e esperar. Ter bolhas nos pés e sustentar-se nessa espera. Esmorecer, duvidar, até entregar os pontos. O segundo pode adiantar-se, atrasar-se, desistir, seguir, voltar. Chegará. Chegarão.

Se é Amor faz o momento. Não faz trato com o tempo; faz o Tempo. Faz acontecer. Determina.
E ainda que seja assim só para mim, o amor promete tentar do jeito que for preciso.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Tatyana, Débora, e eu

E lá fui eu
Fui encontrar com Déborah Colker


Os personagens do poema Tatyana, na árvore genial criada por Gringo Cardia. À frente, de negro, o herói Oniéguin

"Tatyana é a heroína do célebre romance de Alexander Pushkin, nos versos do livro Eugene Onegin.O poema foi e continua a ser extremamente popular na Rússia, desde sua publicação, em 1830"


Um encontro com Colker é sempre algo de outro mundo: o mundo paralelo da dança. Já foi OVO, ou é. Já foi Rota, já foi tanta coisa diferente, mágica, entre dança e acrobacia, entre performance e vôo, entre mímica e coreografia.

Mas hoje Déborah é pas de deux. Pas de trois, de quatre, de cinq. Nunca pensei. A coreógrafa que fez bailarinos escalarem muros, em shorts de couro, acoplou exímias bailarinas clássicas em sapatilhas de ponta e deu-lhes elegantes cavaleiros para bailar. Mais de um para cada, e mais de uma para outros. Entre coreografias primorosas e ousadas, Colker apresenta um clássico da literatura russa, com músicas de Rachmaninov, Tchaikovsky, Stravinsky e Prokofiev.

Nossa Almodóvar da dança comprovou com sua Tatyana que seu talento não está engessado pela estética do contemporâneo; é maior, mais flexível, e mais amplo. Ela cria um contemporâneo com toda a base clássica, nos passos mais tradicionais, entremeados com contorções de extrema habilidade e bom gosto.

O resultado é que você assiste, caríssimo, a uma peça de ballet encenada em cima, por baixo, e pelos galhos de uma árvore meio assustadora, morta, imensa, uma escultura a ser premiada. Desta árvore mãe saltam e se encondem os campesinos russos, bailando como seres mágicos. As moças, todas, com cabelos a la garçonne, o que é ousado para o clássico, andrógino até, em figurinos curtos, leves, perfeitos para a agilidade e a velocidade da coreografia. Graciosas. É lindo vê-las em ação. E os rapazes, temos um de cada etnia, a humanidade está exemplarmente bem representada nos quesitos vigor, precisão, e elegância. Saltos, piruetas, vôos, aterrissagens. Tudo e qualquer coisa farão. São de elástico, isso são.

Mas o melhor de tudo, caríssimos, é ver que temos um gênio brasileiro, que se desdobra em possibilidades distintas, e nelas sucede com brilhantismo.

Tatyana é uma obra de arte, e imortalizará Colker, se as anteriores obras ainda não o tiverem feito; quem pensou em encontrar vanguarda encontrou um clássico. Quem não acreditou que ela podia inovar o padrão que ela mesma construiu, errou. A dama oferece uma obra distinta - e melhor - que as anteriores. Tem mais nexo, mais contexto, tem começo , meio, fim. Tem amor, romance, encanto, duelo, morte, dor. Brinca com sombras e projeções, e laser, a serviço do entendimento do tempo, do dia, da noite, do frio, da morte. Brinca com o os corpos de seus personagens, e os duplica, clonando os protagonistas, sob a explicação poética de que também nos duplicamos mediante as variações do amor...

Irretocável.

O público não respira. Está no mundo do sonho, e tem a duração exata para que nos esqueçamos do mundo real, e da vida real muitas vezes sem poesia ou dança que nos espera lá fora. Vimos o sonho, e cada um imagina seu fim. Sonho bom, que dura o tempo necessário para querermos mais da poesia e da dança.

Mais da Tatyana, mais da Débora, mais da vida.

sábado, 14 de abril de 2012

Nina e Lamartine

Oi,
Ipanema...

Nina Becker, bela e extravagante, em Oh,Nina! Homenageando Lamartine Babo


Nada como uma Ipanemazinha para inaugurar o fim de semana.
Sexta, lá fui eu, Oi, Ipanema, cheguei.

Eu tinha encontro marcado com Nina Becker, que marcou encontros mil Brasil afora como vocalista da Orquestra Imperial.
Em seu trabalho de cantar Lamartine, Nina deve marcar outros mil encontros, mil gols, e provavelmente não apresentará nenhum cartão vermelho: o trabalho é lindíssimo. Escolheu marchinhas a dedo, e as vestiu com sua elegância moderna, de rock, de marcha, até de bolero.

O trabalho traz música de qualidade, até para quem nem sabe quem foi Lamartine. As canções ficaram gostosas de ouvir, com arranjos e músicos de primeira. Sua voz, é uma das mais bonitas e potentes vozes de sua geração, pode cantar qualquer coisa, que canta bem, canta alto, canta com vontade. Ressoa.

Inteligente também na escolha do repertório: tal qual Teresa Cristina homenageia Roberto Carlos escolhendo aquelas canções que não fizeram assim taaaaanto sucesso, a espevitada Nina faz novo arranjo para marchinhas pouco conhecidas. Não ouviremos Linda Morena ou O teu cabelo não nega. Danada essa menina. Pronto. É o lançamento destas pérolas, como Inês. Posso mais? Seu trabalho relança Lamartine. Vamos ouvir felizes, sem nenhuma nostalgia: ela atualiza o velho Lalá. Quero o Cd, para deixar rolar e sacudir o ambiente.

O ritmo pode também convidar a uma dança de rosto colado, sua especialidade, afinal, ela cantava em bailes; chama para o salão quando canta Sonhei que tu estavas tão linda , e para o aconchego, saudoso, com Rancho Fundo, em dupla com Moreno Veloso. Quase teve entrega de cartas de candidatas a consolar o coração do pobre Moreno, de noite, no sereno.

Sua expressão corporal é a de uma bailarina clássica, de postura impecável e gestos refinados, de efeito. Braços brancos, mãos brancas, é como uma boneca de porcelana dentro da caixinha de música. Os movimentos terminam suaves ou precisos, conforme o ritmo da música, na ponta de seus dedos. Roqueira inocente, parece uma criança brincando de bailarina.

Teve convidados ótimos - Moreno Veloso e Rubinho Jacobina - e conta com ótimos músicos no palco. Tudo ótimo portanto. A banda que acompanha sua carreira autoral está lá, firme e forte, guitarras, baixo e bateria. Pedro Sá (guitarra), Bartolo (guitarra), Eduardo Manso (baixo) e Thomas Harres (bateria e percussões)merecem sinceros elogios.

Enfim, o show é excelente, ela é excelente, tudo muito bom, tudo muito bem, repertório, arranjo, interpretação, acústica. O resultado é leve, alegre, romântico, engraçado. Ok.

Mas Nina, Oh, Nina! Vamos melhorar estes modos. Não entre no palco caindo de rir. O público fica sem entender se faz parte da música, da performance ou se é de nervoso. Era riso de nervoso mesmo, emendou ela, e ficou pior a emenda que o soneto. Palco é solo sagrado. Exige concentração e respeito. E o público jamais perceberia sua falta de ar, se não tivesse avisado por umas três vezes que perdeu o fôlego por causa da pequena pessoa em seu ventre. E jamais, jamais nesta vida, Bela Nina, uma artista deve avisar ao respeitável público que está indo fazer xixi, e sair, ligeirinha, pela acustia.

A irreverência exige uma certa etiqueta, caríssima.

Aí, não tem Lamartine, Moreno, Jacobina ou banda de primeira que possam salvá-la. Falei. É. Digo porque vi, e ouvi.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

A Peça do Casamento

Ipanema
Laura Alvim


Saudações aos que tem coragem

Comédia ou drama? Dudu Sandroni e Guida Vianna conduzem o espectador por uma viagem de três décadas de núpcias


Segurem-se.

Começaremos uma daquelas viagens das quais voltamos diferentes de quando partimos. Modificados. Se não melhores, mas certamente mais atentos.

O passaporte é o casamento de Jack e Gillian, um casamento de 30 anos. A esposa está esperando o marido chegar, como faz há 30 anos. E ele chega, mas não como há 30 anos, e nem como chegou, em algumas poucas vezes, nos últimos 30 anos. O marido anuncia que está deixando a esposa, assim, como quem diz boa noite.

Daí em diante testemunharemos um diálogo fictício, entre personagens fictícios, sobre a realidade concreta de um casamento. O texto, brilhante, traz notas do Teatro do Absurdo, sutis e suficientes para que entendamos que a vida a dois é de fato bem Absurda. Entenderão melhor, creio, as criaturas que foram casadas, que viveram a dois sob o mesmo teto, dia após dia, vendo e não vendo, calando e sufocando, cuidando do jardim, da casa, dos filhos, e descuidando um do outro.

E os muito felizes no casamento gostarão? Ah, sim. esses gostarão também. Verão do que escaparam, e podem se orgulhar disto. São especialmente hábeis e sortudos. Sei que há amores que sobrevivem ao casamento, mas são raríssimos e fogem à explicações. Há casamentos que perpetuam lindamente o amor, mas são também raríssimos e da mesma forma fogem à explicações. Os motivos que unem alguns casais afastam outros, ou os mesmos casais em outro momento.

É preciso dizer que A peça do Casamento é espetáculo de ida obrigatória. É indispensável para chegarmos a poderosas constatações, que serão diferentes e utilíssimas para cada um de nós. Enfim, um mix de diversão e análise, bem dentro do estilo do dramaturgo Albee, que acreditava que "Toda arte deve ter sua utilidade, se é meramente decorativa ou escapista, é perda de tempo... Esta utilidade está ligada à consciência. Ela deve nos engajar numa reflexão e reavaliação dos nossos valores para encontrar aquela coisa que nós estivemos acreditando pelos últimos 20 anos e descobrir se ainda tem alguma validade".

Edward Albee, dramaturgo, nascido em Virginia, em 1928. Autor de "Quem tem medo de Virgina Woolf", vencedor de três prêmios Pullitzer. Joga a verdade dos fatos em cima do palco, lindo ofício o seu

A inteligência de Albee, excepcional, conseguiu reunir em único texto amor, indiferença, raiva, traição e condescendência, comédia e drama, intimidade e aparência, pontos cruciais da nossa vida na Terra, entre os quais vagamos, conscientes ou não. O casal, e sua última conversa no estado civil de casados, nos engajam mesmo numa profunda auto crítica. Os últimos 30, ou 15, ou 3 anos, voaram ou se arrastaram? Ainda há (algum) amor? Que amor é esse? Sua qualidade? Faz bem ou não? Faz-nos melhores e mais felizes, ou sentimos um grande vazio? Somos mais um dos bossais, ou preservamos nossa exuberante personalidade? Vivemos de recordações, ou do que um dia fingimos ser?

A interpretação e direção do espetáculo são irresistíveis. Arrebatam a platéia, coletiva e individualmente, nesta reflexão. Coragem, caríssimos, estamos falando de Guida Vianna e Dudu Sandroni; estamos falando de dar vida a letra escrita; é o espiríto do texto em 3D. Dão forma, volume, cor e voz aos personagens imateriais. São os personagens, e não somente parecem sê-los. Acho que deve ser trabalhoso, e até dolorido, saírem do teatro e retomarem suas personalidades,como a separação de dois pares de gêmeos siameses. No cocktail de estréia, os dois estavam por ali, misturados entre nós, vis mortais, mas eu não consegui mais enxergá-los depois de tudo que vi. Via somente o marido Jack e sua esposa Gillian, tentando salvar o que tinham de mais valor. Para ela, a vida a dois. Para ele, ele mesmo, e seus próximos anos de vida.

É, caríssimos, agora eu pergunto: quem embarcará nesta viagem?

Eu embarquei, fui, e voltei. Garanto minha presença na viagem do teatro de Albee, e na viagem do casamento. Com a cara e com a coragem. Sei que ambas conduzem a lugares inesquecíveis.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Perigos da Mente

Praia de Botafogo



Eficazes métodos


"O fascinante diretor David Cronenberg (Senhores do Crime) revela um episódio pouco conhecido mas muito marcante na vida dos dois mais importantes psicólogos de todos os tempos. O jovem psicanalista Carl Jung (Michael Fassbender) começa um tratamento inovador na histérica Sabina Spielrein (Keira Knigthley) sob orientação de seu mestre, Sigmund Freud (Viggo Mortensen). Disposto a penetrar mais afundo nos mistérios da mente humana, Jung verá algumas de suas idéias se chocarem com as teorias de Freud ao mesmo tempo em que se entrega a um romance alucinante e perigoso com a bela Sabina." (Cineclube)


Caríssimos, se desejam um filme leve e divertido, partam para outra sala. Na sala em que estiver rodando Um método perigoso assistiremos um embate intelectual entre dois dos homens que mais influenciaram a humanidade - Jung e Freud - e um duelo, nem tão racional, entre um homem e ele mesmo - Jung.

O inconsciente, misticamente, conduziu-me à sala 6 do Unibanco Arteplex, e de lá eu avistei Viena, nas nas primeiras décadas do século XX. Tudo muito suave e elegante. E homogêneo. Lagos e mulheres, todas claras e iguaizinhas, inclusive no vestir.

Mas o conteúdo é heavy, caríssimos. Começamos com o masoquismo histérico, a ser tratado através de terapia (talking), da Fraulein Spielrein, paciente judia-russa do jovem Jung, discípulo de Freud. A moça tinha seríssimos problemas emocionais, de origem sexual, mas se olharmos bem, quem não os tem, não é mesmo? Semelhantes ou não, os terráqueos dificilmente estão 100% de bem com seu consciente e com seu corpo. Fazer as pazes consigo mesmo exige coragem e dedicação. Dá trabalho. Ela conseguiu e teve brilhante futuro como psiquiatra. Com um terapeuta com Carl Jung deve ter sido mais fácil, desde que a paciente não se apaixonasse por ele.

Em crise histérica, Sabina S., defendida por Keira Knigthley

E aí, não tem Freud, Jung, ou casamento calvinista que impeça a conjunção carnal, e adentramos na parte 2 do mesmo livro, o embate do homem contra ele mesmo. Um pesquisador de primeira, um gênio, que não resiste a sedução perturbadora de sua paciente. Um desejo tal que feriu a ética e pôs em risco a relação entre o mestre e seu seguidor. Jung teve sua reputação abalada pelo tal romance, e sua coragem inflamada para que assumisse outro, posterior ao seu término. Jung, no começo do século, repete em atos e pensamentos a bigamia que homens de todos os séculos praticam. Uma santa em casa e um furacão na rua. Mas estamos falando de Jung, homem que mudou o rumo da psicanálise, gênio, gênio, e poderíamos pensar que seu comportamento amoroso e suas reações frente ao desejo tivessem outra forma, mais sofisticada, mais racional. Mentira. Homem comum, que quer tudo: a esposa rica, os belos filhos, e a amante, quente na cama, e parceira intelectual. E ele só precisou de um empurrãozinho. Veio de outro paciente - "não passe no óasis sem parar para beber". Foi-se. Bebeu e fartou-se.

Sabina S, publicamente uma lady, aguarda seu amor, Carl Jung

As cartas trocadas entre esses três gênios (aqui farei justiça, Sabina Spielhein era também um gênio) são de causar inveja aos nossos mails e msns. É de chorar perceber que perdemos o hábito de redigir, e assim organizar melhor os pensamentos e sentimentos. Era muito mais chique e eficaz. Podia-se dizer de mão cheia o que ia pela mente e pelo coração, com toda a classe e categoria gramatical, e riqueza de conteúdo, sem pressa, e com aquela formalidade que um bom lacre confere a um envelope.
Mais que a forma, as cartas são amostras do turbilhão produtivo destes cientistas. Cada um na sua linha de raciocínio, e com seus elementos de observação, defendem com maestria absoluta teorias da mais complexa natureza. Defendo mais uma vez Sabina e sua teoria fascinante sobre o efeito evolutivo que as forças conflitantes exercem sobre o ser humano. Traços da dialética hegeliana. Compreendi melhor a teoria do rabino Bonder, sobre a imoralidade necessária da alma.

As cartas reúnem provas de que o rompimento do trio estava repleto de elementos límpidos de um caso de amor: paixões defendidas, conceitos, fundamentos, justificativas e decisões. Dores , e resignações.

As divergências conceituais entre os pais da psicanálise foram assim, exaustivamente discutidas, e digamos, encerradas, cada um com sua razão e cada um para o seu lado. Mas a inquietação de Jung não. Essa força conflitante entre a moral e a vontade prosseguiu empurrando-o. Encerrado o affair com Sabina, ele encontrou outra amante, Toni, com que viveu até sua morte. Vem a Guerra, a primeira, a segunda, ele foi reconhecido, seguido e reverenciado pelo planeta. Eternamente casado com Emma, sua esposa bela e fértil, que com sua fortuna pessoal permitiu-lhe luxos vários, e tempo livre para dedicar-se integralmente à pesquisas, científicas ou não.

Em seu derradeiro encontro com a amada amante Sabina, ele explica: fazemos coisas imperdoáveis para continuar vivendo.

Sabemos disso, Jung, sabemos disso.

sábado, 7 de abril de 2012

Relevâncias da Páscoa

Ipanema
Irreverente
Independente

Relevante

A máquina

Tenho muita sorte nesta vida, caríssimos. Tenho amigos inteligentíssimos, espalhados pelas Artes - canto, dança, cinema, fotografia. Venho observando, pois observar é meu serviço preferido no momento, a arte da fotografia. E estou encantada, principalmente, com os clicks da amiga Ana Schnneider.

A imagem é a palavra fotografada. Muitas palavras, ou poucas, eruditas ou vulgares, ácidas ou doces. A fusão da foto com seu significado varia de pessoa para pessoa, porque cada um atribui valor à imagem conforme o valor que atribui ao objeto fotografado. Esta é a armadilha da fotografia, habilmente explorada pela mente irriquieta da homenageada do dia.

Suas fotos são palavras com flash. Sim. Ilumina e imprime nova relevância à palavra comum, e ao objeto fotografado.

Por exemplo: peixe. Substantivo concreto. Peixe é um animal marinho, limpinho, quase sem sangue. Olho de peixe morto - olho sem expressão. O cardume não ataca ninguém, é um povo pacífico, mas se o peixe ataca é por que é tubarão ou barracuda. Muito que bem, peixe tem de monte por aí, e peixe é só peixe. Mas veja a foto abaixo:


Foto: Ana Schnneider, da série Preto no Branco. Gentilmente cedida

Estamos falando dos mesmos peixes, dos mesmos substantivos? Claro que não. Sob o olhar artístico, os peixes tem mais carne, mais escamas, e mesmo mortos, tem mais vida. São voluptuosos, vejam que rabões! Podem alimentar dezenas de terráqueos, estão aí neste balcão para essa missão. São fonte de renda para o pescador e o feirante, e são lindos seres prateados.

A artista do click tem outras pérolas, muitas, e para todos os objetos e seres alvos de seu flash, consegue o tal efeito. É a lente da relevância, na verdade, esta é a relevância da Arte. Revelar o valor oculto em fatos que aparentam pouco ou nenhum valor, e para o qual não teríamos a consideração de um segundo olhar; acrescentar significados ao significado comum de uma palavra. Poderá incomodar, talvez, mas sempre, sempre, deve causar reação. Senão não tem função social, o que seria um pecado imperdoável. Nossos atos precisam contribuir para a melhoria da sociedade, filha pródiga dos nossos tempos.

Este post não é unicamente para elogiá-la. É também para afinarmos nossos olhos nesta Páscoa.

Para que os mantenhamos em foco no que há de mais relevante no mundo, e assim, reverenciar qualidades ainda não percebidas neste mundo louco que nos abriga. Como estamos nos festejos pascoalinos, sugiro um zoom, um belo zoom, na palavra LIBERTAÇÃO, difícil de ser fotografada, difícil de ser registrada; palavra fundamental para que vivenciemos a verdadeira Páscoa judaico-cristã.

É hora de lembrar dos judeus vitoriosos que mudaram o rumo da humanidade e conseguiram dar uma banana para os seus exploradores. Hora de lembrar de Cristo, que veio pobre, sobre um jegue, trazendo um discurso revolucionário e uma nova possibilidade de vida; porque a liberdade não está no dinheiro e no poder, e muitas vezes, bem longe de ambos. Que olhemos bem, tudo que nos cerca, e nos libertemos das imposições e padrões socias; das imposições midiáticas e das regras consumistas, e respiremos, profundamente, o ar de uma nova era, fértil, produtiva, e autônoma. Que consigamos olhar para nossas virtudes e não para nossas compulsões, fotografando nossos bons predicados sob a lente da ampliação.

Coloquemos o tal zoom em ação. Tem mágicos poderes - com sua ação de aproximar o que é importante, acaba por sequência minimizando todo o resto, que se torna fosco e longínquo.

Nesta Páscoa, eu desejo a todos vocês, caríssimos, que o ovo de chocolate venha com o brinde invisível da lente da relevância, sem a qual os peixes são tão somente bichos marítimos, limpinhos e quase sem sangue. Mas se colocarmos a tal lente para trabalhar, aí sim, veremos os peixes brilhantes da foto de Ana Schnneider.

Nota: Peixe no Antigo Testamento, é um dos nomes de Jesus Cristo

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Z.É. - Zenas e Micos

Yes,
temos Z.É.
Temos Zenas Emprovisadas

Ki Mico



"Ninguém reclama de rir" (Chico Anysio)

O elenco fixo: Marcelo Adnet, Fernando Caruso, Rafael Queiroga,e Gregório Duvivier


O negócio do Riso é um negócio muito rentável. O Z.É Zenas Emprovisadas está aí para provar. Teatro lotado. Gente pelas escadas e cadeiras extras, todo mundo a fim de rir - sai para lá, Solidão. Nada de pesares e lamentos, é hora de rir fartamente deste deboche.

Rindo, esquecemos, e esquecendo, rejuvenescemos. Temos nóia de parecermos mais jovens e felizes do que somos, e a comédia nos auxilia diretamente; o resultado benéfico é certo. Espante a tristeza da sua vida, ganhará muitos e melhores anos no planeta, se abrir a janela e deixar a alegria entrar.

Em Z.É você vai rir do Mico alheio. Porque o grupo paga mico fazendo comédia de improviso, com muito deboche e esculhambação. Esqueça textos: o grupo faz cenas e músicas com base em pedidos da platéia. Às vezes melhor, ás vezes pior; são uma equipe do improviso, o resultado é imprevisível. Um pega o gancho do outro, e os estilos diferentes de cada um convergem para a mesma cena, todas muito loucas.

Exemplo: sopa. Cada um dos cinco elementos da trupe desenvolve um texto para o tema sopa, que será cantado e musicado por Marcelo Adnet. O cantor pode ser vivo, morto ou inventado - Bethania, Renato Russo, Sorriso Maroto do Moleque Travesso, que o debochadíssimo Adnet os imita hilariamente. Todo o resto são variações deste tema. O público ou o apresentador dão a deixa, e os comediantes criarão suas pândegas em cima do que foi pedido. É dinâmico, é simples, e não tem repetição. Cada apresentação é única e tem um novo convidado. Nada a reclamar, eu ri horrores. São palhaços de cara limpa, e uniformizados.

Estão ganhando dinheiro forte com Zenas há seis anos. Fazem o adolescente e o jovem saírem de casa para ir ao teatro, e este mérito é valioso. Ainda que para assistir esta maluquice esvaziada de maiores valores literários, este hábito é totalmente saudável e recomendável. Ir ao teatro, caríssimo, pode salvar sua vida. O que é dito em cima de um palco reverbera diretamente no seu coração, e dentro deste músculo involuntário, o positivo da vida se potencializa.

Afinal, quem quer cultura se temos a boa e velha risada? Às vezes não queremos críticas e reflexões mesmo. Chegou disto. É dia e noite de auto análise, auto estima, auto julgamento, descobertas, decisões, ai, parei. Tem dia que é dia de riso, riso só, e riso é riso e não tem explicação.

E quem vai jogar a primeira pedra? Temos grandes produções em cartaz pelo Brasil afora, que sob o pretexto de traduções e montagens e produções, revelam somente o ego dos produtores, que compraram os direitos e estrelam os espetáculos. Não oferecem grandes perólas da dramaturgia e atuação. Você vai atrás de cultura, será que encontra? Ego nao é cultura.

Não sei. Acho que o poder aquisitivo de produtores está arruinando a independência da Arte. São os patrocinadores de si mesmos. Compram os direitos autorais e estrelam peças que outros artistas fariam melhor, e não haverá teste para o papel. É o poder aquisitivo determinando o elenco.

Quem vai reclamar de Z.É? Eu é que não. Eles é que façam rir, e que o povo goste. Merecem, até porque só esses doidos tem a cara de pau para topar esta idéia.

E cá para nós, estão ganhando a vida honestamente. Não estão vendendo gato por lebre não. Oferecem maluquice pura, de crachá, e é de chorar de rir.

Formidable

C´est si bon
You are the one for me
For me
Formidable


Marcelo Abduh, em cartaz com seu espetáculo FORMIDABLE
Direção: Marco Marcondes
Direção Musical: Liliane Secco
Teclado – Liliane Secco
Baixo – João Mario Macedo
Bateria – Omar Cavalheiro


Caríssimos, entendem os fenônemos da comunicação? São misteriosos.

Frequento bastante os teatros do Shopping Gávea, que Deus assim conserve, e ainda não tinha visto um cartazinho sequer sobre o Formidable.
Pouco ou nenhum espaço na mídia.
Recebi o convite pelas mãos de um novo amigo, recém conhecido, e já tão gentil, e sua deixa foi esta aí: um ótimo espetáculo, pouco divulgado. O anúncio no site do teatro informa horário - 19 horas , preço - 50,00 - e o desafio de misturar dramaturgia a fatos insólitos e canções francesas.
Fui para conferir.

Aportei no Teatro das Artes, segundo andar. Cartaz imenso de Leandro Hassum. Cartazes menores do infantil. Continuei a buscar a publicidade, e nada. Se está por lá, eu não vi, e peço que me mostrem. Indaguei a bilheteria: Formidable é aqui? Era. Entrei, e surpresa, a casa estava cheia. A divulgação correu pela mídia transparente e altamente eficaz, de última tecnologia, chamada boca-a-boca.

A platéia estava formada, em peso, por animados e elegantes representantes da terceira idade. Esta que vos fala estava mais para debutante que para quarentona, estatisticamente falando. Encontro querido casal amigo, e nós três éramos a ala jovem do público.

Então eu entendi, e não entendi.

Entendi a presença dos queridos septuagenários: Marcelo Abduh cantou a trilha musical dos seus anos de ouro. Aznavour, Piaf, Brel, e os americanos Tony Bennet e Sinatra, que entraram na roda por imortalizarem canções escritas por franceses. O piano impecável de Liliane Secco. Som límpido, para fechar os olhos e rodopiar pelo salão de baile sob o brilho de candelabros de swarovsky, em longos sedosos e em black tie. É a envolvente música francesa, que marcou época, e cá para nós, não encontrou substituta à altura no gênero. Músicas eternas de uma era eterna, que não existe mais, caríssimos. A coragem que tinham os seres humanos... amavam descaradamente, e declaravam seus amores, sucessos e desilusões com toda a classe e talento musical.
Que c´est triste Venise, Fly me to the moon, Et Maintenant? Formidable, C´est si bon, e a minha preferida: She, ou tous les visages d´amour. Abduh recebeu a convidada especial Simone Centurione, voz privilegiada, que duplou com ele, em parcerias brilhantes. Ao lado de Claudia Netto, a estrela de Judy Garland, está entre as vozes mais lindas dos últimos palcos, e devem ser mais exploradas nos musicais, atenção produtores. São jóias raras.

Abduh e Simone Centurione, rara beleza vocal

Tive o impulso de levantar e dançar, não podia, mas confesso que ao encontrar meu par, horas mais tarde, o efeito da chanson d´amour persistia: eu estava terrível. Inspirada dos pés a cabeça, passando pelo coração. Não foi à toa - o repertório, os intérpretes, e os músicos eram de primeiríssima qualidade. E se tem coisa neste mundo que gera reações positivas no próximo, esta coisa é a qualidade da Arte. A Arte é o melhor remédio, já diziam os antigos. Se não disseram, bem, digo eu mesma.

O que não entendi, e prossigo sem entender, é a descrição do espetáculo, disponível no site do Teatro. Ao contrário do que anuncia o site, não há nenhuma dramaturgia. Não há narrativa de fatos insólitos. Marcelo Abduh se mostra como cantor, e fantástico cantor. Ele canta as músicas de francesas de maior sucesso do século XX e pontilha, aqui e ali, histórias engraçadas de sua família tijucana, que foi viver em Paris na década de 70. O confronto amigável dos brasileiros com os franceses traz 3 ou 4 histórias alegres de se ouvir, mas que não são insólitas, longe disto, e tão pouco constituem-se como dramaturgia. Este é o espetáculo de um entertainer, e não de ator; apresenta um belíssimo show de música ao vivo. Não podemos ir esperando um monólogo musicado, não encontraremos.

Sob a proteção da Tour Eiffel, Marcelo, recordando sua Paris

Ah, sim, entendi mais ainda, sobre o porquê das cadeiras, todas ocupadinhas pelos simpáticos velhinhos: Abduh canta o amor da época do amor com muita classe, não mais entre nós. Remonta a tempos idos. O tema é o amor, o amor romântico, entregue, gentil, enebriado pelo próprio amor e seus mais nobres rituais. Valorizado por quem viveu amores assim, formidáveis, ele merece os aplausos e segue, casa cheia, sem cartazes pelo Shopping.

Encerra agraciado, e pedindo ao seu entusiasmado público que prossiga recomendando-o; explica que foi graças a recomendação dos que o assistiram que a temporada será prorrogada até 28 de abril. Eficiente comunicação.

Caríssimos, sou defensora do amor, de todas as épocas e de todas as formas. Recomendo Formidable para todas as idades. Recomendo cantar o amor, que é sem dúvida, um formidável espetáculo.