domingo, 30 de janeiro de 2011

Todos querem é sassaricar



Sassaricando

Teatro Carlos Gomes

Praça Tiradentes


O Carnaval está chegando - em trinta dias, no máximo, estaremos Sassaricando. Todos, o brotinho, a viúva, e a madame.
Este Carnaval não será como aquele que passou e a hora é portanto, de preparação. Sassaricar exige todo um esquema, e muita disposição. Para esquentar os tamborins, parto para o Teatro Carlos Gomes.
Estou no lugar certo. O ambiente da Praça Tiradentes é privilegiado. Samba e arte por metro quadrado. Gafieira Estudantina, Teatro João Caetano. O Gabinete de Leitura Português é logo ali. Nas redondezas do Teatro do BNDES, das lojas de instrumentos musicais da rua da Carioca. Que mais? Ah sim, pertinho do Saara, para o figurino dos foliões. Todos os paêtes e purpurinas do mundo.

Não levei confete e serpentina, mas devia. Na verdade, devia ter ido com fantasia de gala, orgulhosamente. É um show de luxo, o tradicional do Carnaval em sua melhor forma - dos anos 20 em diante, as músicas contam a história das Marchinhas. Não há um diálogo sequer, e não precisa. É um desfile de composições imortais, inesquecíveis, que mexem com o coração e com os pés. Mexem os quadris.

Somos todos foliões se estamos felizes. Sassaricar é apimentar a vida com com graciosidade - que classe há em ser feliz. Só uma pitada de samba, só para sacudir. A marchinha traz o duplo sentido das letras, das piadas de salão. A malícia da crítica, o gracejo do elogio. É a malandragem dos cariocas, campeões em levar a vida a sorrir; que venham em bonitos trajes, cantando em bailes, em blocos, em noites de gala; que venham em fantasias caprichadas, a vida não é nada sem originalidade e capricho. Damas portanto, caprichem. Os senhores de fino trato estão no salão, e, como se dizia, estão botando para quebrar.

As narrativas e projeções - que saída ótima para troca de figurinos, para enriquecer o espetáculo - ambientam o espectador. Adoro ambientação. É transporte, transporta-nos para a época de ouro do rádio: "Juju, meu balagandã. Te deixo um baú de músicas" Que herança, hein, Juju? Cuidemos bem da nossa herança. São oitenta e nove músicas apresentadas, o baú estava mesmo cheio.

Dussek é Dussek. Vozeirão, interpretação. Bem humorado, faz rir e faz cantar. Posa ao lado da belíssima Juliana Diniz - a formosura da mulata cai como uma luva para o louro alto. A voz e o sassarico ficam por conta de Inez Viana - uma estrela, estrela brilhante. Acredito que tenha um metro e meio de altura e kilômetros de voz. Ivana Domenico, André Dias, Pedro Miranda. Atores, cantores, ambos. A Direção de Cláudio Botelho arruma o palco como um quadro, os cantores como personagens nacarados e coloridos. Os músicos se destacam, não é banda, é orquestra. Orquestra a rigor, e música da melhor qualidade.

O espetáculo está em cartaz há cinco anos. Quantas pessoas assistiram? Nào sei. Mas que sei que todo mundo sassarica, e para usar o linguajar da época: se coça para sassaricar. Porque sem Sassarico, a vida é mesmo um nó.

Dá cá meu balagandã, que eu vou de baiana.

O sonho e o complexo de Cinderela

Cinderela, de gato e sapato
Teatro Vanucci
Rio de Janeiro, Gávea




Entre as responsabilidades da maternidade, há diversão. Divertir-se juntos é cultivar alegria, união. Que bom! Vou então ao teatro infantil com meus filhotes. Eles me levam ou eu a eles, quem saberá? Escolhemos Cinderela, infalível.

Meus filhos e todos os presentes adoraram. Mães, pais, filhos maiores, pequenos, bebês e suas babás, avós, avôs. Quantos adultos na platéia, ensinando e aprendendo a gostar da fantasia. Sonhadora que sou, tive mais recompensas que as previstas. Deparei-me com verdades inesperadas.

O tema de Cinderela é maduro e universal. Nào se iluda com as cantorias e romances impossíveis, há mais conteúdo nessa história.

Sabemos muito bem o que é o complexo de Cinderela - a mulher que responsabiliza seu parceiro pelas suas frustações, ou realizações. Ou ainda a mulher só, que acredita que só será feliz com um parceiro, e de preferência, o parceiro ideal. Tem que ser um princípe, coitado dele e dela se não o for. A perfeição é impossível, e o real a frustra.
Não dá para negar - somos todas um pouco assim sim. Se brigamos com o amado, bico. Se ficamos de bem, sorrisinhos. Em seguida, queremos mudar o sujeito. Educar os filhos dele. Arrumar-lhe outro emprego. Dieta nele, novas roupas. Novos hábitos. Praticamente, uma reencarnação, no molde e formato desejado.

Findamos frustadas, chorosas, reclamonas. O princípe não é princípe, é um homem comum, e cá para nós, também são somos princesas.

Só que Cinderela não sabe de nada disso e sonha. É uma princesa e sonha com uma vida apaixonada, com um belo rapaz, em reluzente palácio. Cantando feliz enquanto é humilhada, explorada, ridicularizada. Conhece alguém assim? Eu conheço, conheço as mulheres da nossa cruel sociedade - lavam, passam, cozinham. Trabalham por trocados. Tem que ser bonitas. Aparentar menos idade. Ter sucesso. Ter serenidade, inteligência. Tem que ser independentes economicamente. Parir. Amamentar. Criar. Pagar contas. Pagar compras. Pagar micos.

Cinderela, aos olhos do fantástico Alessandro Dovalle, criador do musical, leva vantagem. Suas algozes são hilárias. A madrasta (Érika Thomas) e as irmãs (Evelyn Castro e Tatty Caldeira) tem bordões excelentes, e são funkeiras, são grosseiras, são brutamontes. São as melhores personagens, e as meninas estáo perfeitas; novamente aqui me espanto: onde estão além daqui? Linda a Cinderela, (Bruna Cattem) canta como um rouxinol. Suave, leve, fada, boneca, Barbie, o que for, é uma princesa mesmo. As feias e a bonita fizeram ótima parceria.

As músicas são deliciosas. Aí vem. Música é revelação - o refrão do tema ecoa: 'Não há mal que te atormenta, pois o sonho te acalenta, e ele pode se realizar"

REPITA. REPITA ALTO. OUÇA ESSAS PALAVRAS.

Isso é a receita da vida inteira: Diga um mal, eu digo o sonho que o aplaca. Mal no amor? O sonho de uma vida em paz aos pombinhos. Pouca grana? Vou trabalhar mais e estudar mais. Um dia melhora. Filho doente? Darei meu sangue para fique bem. Gorda? começarei vigilante na segunda.

O sonho é o contraponto. Senão, enlouqueceríamos.

Arrume uma criança emprestada e leve ao teatro. Deixe-se levar. Vai rir com as irmãs e a madrasta, vai cantarolar com a platéia, vai curtir o sonho.
Lembre do refrão e aumente seu sonho, para que seja maior que sua dor.
Eu? Eu sonho sim, sonho alto. Também danço com o principe, mas já não perco o sapatinho.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Meu amor, Bandeira, a Lapa, e eu

Vamos relaxar um pouco
Vamos Lapear



Meu amor que me desculpe,
hoje é sexta feira.
Hoje não quero ir ao teatro.
Não quero shopping nem cinema.
Hoje eu sou da Lapa,
E quero Lapear sem problema.
Meu amor que me entenda - o amor náo é compreensão?
Sexta-feira é dia de Lapa ,
Dinheiro no bolso e alegria no coração.
Quem quiser venha junto,
para quem fica, boa noite
Não há nada igual nem parecido e quem souber, aponte.

Nêga que é nêga tem seus truques,
e escutei o que queria: "- Pode ir, minha nêga, vá e volte sem remorso"

(Sou mulher de sorte.
Tenho meu amor na vida, ele é bom, bonito e forte.)

"-E se é para ir, vá direito, olhe sua reputaçao.
Bote a sandália de prata e não me arrume confusão."

Assim parti, na ciência da condição: preciso sambar com jeito,
prateada na sandália,
trabalhada no juízo e na disposição.

Parecia de novo sonhadora, menina tola.
Queria Passárgada
Queria ir com Bandeira.
Passárgada voou,
Bandeira foi, náo me levou.

Entáo, meu amor, me desculpe.
Chega de fala.

Vou-me embora para a Lapa,
lá sou amiga do Rei.
Tenho todo o samba que quero
Mas é com você que eu dormirei.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Deixemos o BBB para os inimigos

Big Brother - desvie esse olhar



O número 13. Dizem que dá azar. Ah, deu, isso deu, deu azar geral.

Não tem jeito. Hoje não serei suave. Não. Serei repetitiva, não como o refrão da música preferida, mas como um mantra de exorcismo. Vamos boicotar, ou, vamos com Gil, "Vamos fugir, para outro lugar, baby..."
Somos sádicos? Sim. Somos masoquistas? Sim. Somos fofoqueiros? Sim. Voyeurs? Sim. Insaciáveis? Sim. Mas espectadores do BBB não, isso não. Será ofensivo demais se o formos...

Robespierre, por favor, acuda-me: "Não concordo com uma palavra do que dizeis, mas defendo até a morte vosso direito em dizê-lo". Podem produzir, são livres para isso. Podem colocar no ar, é democracia, é exercício de liberdade. O urgentemente preocupante é que milhões escolhem assistir.
É melhor dormir, gente. O sono recupera células nervosas, faz bem à pele e uma boa noite de sono traz, bem, hum hum, disposição, se me fiz entender, para as ações do dia que começa.

Defendo até a morte a liberdade de exposição do corpo, e porque não, dos pensamentos. Mas não posso aplaudir a comercialização do comportamento que ofende, agride, magoa. Entristece ver gente jovem e bonita em atitudes tão negativas. São maiores, capazes, imputáveis até. Podem fazer o que quiserem. Entristece mais ainda reconhecer que os compradores do pacote Pay per View (aquele pacote da TV Fechada que você vê o BBB on line, full time, such a terrible time it must be)são cidadãos das classes com bom poder aquisitivo. Tem acesso a outras opções. Querem esta. Há um sociológo que afirma que as elites intelectual e econômica estão desencontradas. Preciso acreditar no contrário - que a elite intelectual está dispersa por toda as nossas disfarçadas castas. Estudei para isso. Trabalho para isso. Assusta-me o oposto.

Não falemos de moral. Não quero bons modos, bom senso ou bom gosto - como diz Adriana Calcanhoto, eu não quero. Falemos de ética. Falemos de música, de prosa, de verso, de amor, ou de sexo. De samba. De suor. De swingue. Falemos de todos os nossos escritores, cantores, compositores, pintores, escultores, poetas, coreógrafos, bailarinos, músicos, atrizes, atores, acrobatas. Falemos de Carnaval, de política, de religião. Falemos de nada. Falemos até ao esgotamento da voz, revelemos as mais sórdidas preferências duramente ocultadas, mas não vejamos BBB. Voltemos ao famigerado Bruno, ex- goleiro do Flamengo, que soterrado pelas desgraças nacionais que sucederam a tragédia Elisa, sem dinheiro, sem fama, é um marginal como qualquer outro. Caiu no esquecimento de uma cela, quiçá lembrado pelos seus iguais. BBB sem audiência é isso, um nada. Abandonado pelo público,não valerá um real sequer.

Deixemos para nossos inimigos, poucos, pouquíssimos. Mas enquanto tiver platéia, quórum, e vender Pay Per View, vale um milhão e meio. No mínimo. Haverá outras edições - até quando meu Deus - e será produzido e vendido. Desesperados enviarão vídeos e comemorarão sua participação.
Tenhamos conjuntivite coletiva. Fechemos os olhos físicos para abrir os olhos da alma. Lavar o olhar, com o colírio do respeito e da auto estima, e mostrar que brasileiro não é massa de manipulação. Não mais.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

HAIR - amar, invadir e libertar

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H A I R - 2011, Rio de Janeiro.
Oi Casa Grande.

Falar de Hair é falar do invasor, porque Hair é isso: invasão. Em nome da liberdade, claro, mas invasão.

Hair invade, conquista e domina o espectador. Cenário, figurino, trilha sonora, coreografia e elenco. Hair triunfa cantando e dançando, e claro, fazendo amor.

Sabe o que é um palco cheio de vida? De vida comemorada e pulsante? Juventude, rebeldia, beleza, força, cor. Tudo que a maioria de nós queria desfrutar.
Quem resistiria? Deixe-se invadir, e feliz. E mais - faça como eles, faça amor à vontade. Eles querem, podem, e fazem. Quantas vezes quiserem, com quem quiserem. Drogam-se. A droga, em Hair, parece um bálsamo para a mente e para o corpo, na Nova York de 1968, quando ainda não enriquecia os traficantes e alimentava a violência. E sonham. O sonho lindo da paz, que acabará com a guerra do Vietnã. Sonham que poderão viver em paz.

No desfecho da história de Hair o hippie vai para a guerra. O rapaz é enviado para matar e morrer, por imposição do Estado e de seus pais, e ele não consegue livrar-se. Vai, como um kamikase, servir até o fim, ao que não acredita.

Fiquei ali sem saber o que fazer. Queria dizer a ele para não ir. Queria bater em seus pais. Queria dizer que fugisse com seus amigos. Sua dor me invadiu e queria poder defendê-lo, e a mim, e aos meus filhos, e aos meus amigos, inúmeras vezes obrigados a cumprir, dolorosamente, deveres que não contraíram.

A montagem de Charles Moeller e Claudio Botelho deslumbra. O elenco é divino, esteja nu, (ficam nus sim, como nas montagens anteriores), quase nu, ou não. A esta altura do jogo, a nudez me impressiona menos que a morte. Voto na cena da morte coletiva como a mais impressionante - todos morremos um pouco quando um amigo se vai. Aonde andavam esses atores? Onde cantavam ou dançavam? Não encontro um senão sobre eles, seria injusto e invejoso de minha parte. Na saída do teatro os vi passar. Gente comum na calçada, estrelas no palco. A magia da arte.

Não sou hippie - no Brasil, hippie é mendigo - mas sou rebelde. A peça passa-se um ano antes do meu nascimento, portanto, quando nasci, a atmosfera já era de liberdade - talvez por isso eu ame a liberdade profundamente, estava pelo ar e a absorvi. Os hippies modificaram a cara e o coração do mundo. A relação das pessoas ampliou-se, podemos hoje misturar-nos, cores, religiões e profissões, na cama e na vida. Continuamos a batalha pelo respeito às diferenças, ao que hoje chamamos de diversidade. A insatisfação pacífica que pregaram e praticaram está impregnada de Ghandi, de Jesus, de Buda. O amor tem as mesmas marcas em todas as culturas.
Suas lutas são as atuais. O furor imperialista dos EUA é igual. O domínio econômico é igual. A burocracia e a política são iguais. A vontade de viver do homem é igual. Acho que lutaremos para sempre.

Invadida, dominada, e libertada por quem prega a paz. Poderei usar túnicas coloridas no sonho visível dos guerreiros, e as tirar se mudar de idéia. Imagino-me no galpão frio, onde trinta amigos se protegem e se aquecem. Quero cantar todas as músicas de Hair, e quero, como quero, quero deixar o Sol entrar.

Defendendo a Marcela

A Bela e a Fera, ou ao contrário...




Prezados, sinto discordar da opinião pública. Tenho recebido mails irônicos sobre nossa vice dama. Hoje levanto a bandeira das possibilidades do coração. Sou a voz que defende a Marcela. Confesso que quando avistei sua figura na posse da presidente, intriguei-me: Michel Temer é feio, baixo e tem idade para ser avô ou pai da ex-miss. O contraste visual é evidente.

O povo fala, o povo fala mesmo e sabemos que foi ela que tomou a iniciativa e o procurou, declarando-se. A iniciativa da sedução teria partido dela, em direção a ele.

Compreendi. Lógico, uma mulher bonita, que deve ter ouvido cantadas a vida inteira, algumas certamente desagradáveis - os bossais são os mais afoitos diante de uma mulher bonita - fascina-se diante da possibilidade de escolher, e não mais ser a escolhida. Tomar assim a dianteira da coisa, digamos. Avançar.

Desprender-se do padrão moça jovem com velho rico e assumir que o tal velho é inteligentíssimo, poderoso, e tem experiência para conduzir habilmente a maioria das situações. Provavelmente, deve desdobrar-se para agradá-la. E aí, ela quer agradar também, e aí, a coisa vai, um agradando o outro...Isto devia acontecer em todos os relacionamentos, em qualquer idade e status social, mas como diz Cartola : isso não acontece.

Defendo Marcela. Para quê garotões narcisistas, sarados e vazios? Nada dizem, nada construíram, nada fazem, e desfilam com as bonitas para reafirmar que são garanhões e exibirem-se mais ainda. Nem pensar em proporcionar bons momentos à eleita. Marcela descobriu isso ainda jovem, é mais sábia que as demais beldades de sua geração.
Não precisa ser fotografada ao lado do desejado por todas. Pode ser ao lado do desejado por ninguém mesmo, ela o deseja e ponto.

Perguntarão: se ele não fosse quem é? Se ele não fosse quem é, não adianta. Ele é quem é. Se Michel é corrupto, ou não, não entro no mérito. Se foi correto em sua vida pública ou não, também não falarei sobre. Estou falando da Marcela.

Posa ao lado dele e não está nem aí para idade, falatórios e nomenclaturas.
Aproveitando a fala de grande amiga, inteligente e sagaz - Ana Maria Braga? Suzana Vieira? Elza Soares? Ivete Sangalo? Madonna? Ligam para falatórios? Claro que não. Escolhem o que melhor lhes apetece. Ficam com seus galãs, dê no que der.

Cada um sabe de si, onde aperta seu calo ou sua solidão. Cada um sabe o que deseja e para onde seu desejo o conduz. Os saudáveis buscam ser felizes.

Viva quem sabe de si, quem vive e deixa viver. Seja a bela, a fera, ou ambos.

domingo, 23 de janeiro de 2011

Amores, Perdas, Vestidos

Teatro do Leblon,
Sala Fernanda Montenegro

"o que escrevi era muito pessoal. O editor publicou. Era pessoal para várias pessoas também!" ( Ilene Beckerman, autora do livro Love, Loss and What I Wore, que deu origem à peça)

Amores, Perdas, Vestidos
Teatro do Leblon, Sala Fernanda Montenegro


Mulher só pensa em roupa. Não. Mulher pensa em roupa porque quer impressionar. Ou conquistar. Ou ser vista. Ou ser bonita. Ou dizer o que quer, ou esconder o que quer. O fato é que estamos sempre querendo alguma coisa, e perdidas nos truques que nos ensinaram. Quando eu fazia dança de salão, me disseram que usasse os sapatos de dança nos bailes. Aqueles pretos, tipo boneca dos anos 20. Falei que não, credo, eu tinha sandálias lindas, prateadas, douradas, vermelhas, altas, e que chamavam a atenção para minhas pernas. Não, Bettina, os sapatos pretos indicarão que você sabe dançar, ou que pelo menos está em aulas de dança. Deu certo. Fui com eles e não saí do salão, o recado foi dado e entendido, e as lindas sandálias ficaram no armário.
A sociedade lê as mulheres pelo visual. As ciganas casadas tem que usar um lenço no cabelo para indicar seu estado civil. Usamos terninho no trabalho, queremos mostrar seriedade. Um vestido decotado na festa, para provocar. Pintamos e colorimos nossa figura para provocar uma leitura. No entanto, vários lerão um mesmo livro e concluirão diferentemente entre si - a sociedade portanto, poderá se equivocar quanto às nossas intenções. Mais sábio que os de hoje, Manuel Bandeira, de outro tempo e de outra sensibilidade, escreveu "ninguém imagina os mundos que ocultas sob tuas roupas...". Não há mais Bandeira por aí, então é melhor caprichar no figurino.
Só que o espetáculo traz mais que um diário de figurinos. Esqueça os suspiros sobre o vestido que usei quando conheci fulano ou beijei ciclano. As citações das roupas são só um gancho para um mergulho no universo feminino, suas intenções, suas expectativas, suas críticas, suas desculpas. Sim, o universo feminino é assim construído. Haja terapia para suavizá-lo.

As quatro maravilhosas - Arlete Salles, Carolina Ferraz, Ivone Hoffman e Thaís Araújo - contam momentos especias, especialíssimos. Expectativas de amor. Amores vividos e desmanchados. Ironia, tristezas. Dores de separação. De paixão e de desprezo. De superação. As difíceis relações familiares. A melancolia da menina que só se lembra do penhoir azul turquesa da mãe falecida. A mulher jovem que supera um câncer de mama. O casamento homossexual. As maldades da madrasta. O espetáculo é rico de mensagens para quem quer ver e ouvir. Para quem não quer tanto sentimento, pode só rir mesmo, relaxar, também é engraçado. Tenho reparado que as comédias estão aproveitando e dando ótimos recados: ame, seja amado; seja sincero; seja bom, e um pouco louco. Uma pitada de loucura muda o mundo para melhor. Será a receita para ser feliz?
A melhor surpresa da noite foi Carolina Ferraz. Arlete, sabemos que é divina. Na alegria e na tristeza. Ivone, idem. Thaís dá seu recado à altura das demais, mais experientes que ela. Mas Carolina... Carolina é tudo. Bela, elegante, engraçada,e louca. Novamente a loucura fazendo a diferença. Sem freio, entrega-se, e conquista. Torcemos pelas mulheres que representa. Sua voz é tão especial quanto sua interpretação, alta, cheia da verdade do seu personagem, e vem com uma força que não cabe no seu corpo esguio. Uma atriz com essa voz não deve sair de um palco; é um presente ouví-la pessoalmente. Ao vivo, Carolina é melhor, muito melhor que reduzida a uma tela plana.
Amores, perdas, vestidos. Ouso carinhosamente batizar de Amores e Vestidos. Esqueça as perdas, elas ganharam em todas.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Solidão, a Comédia

Solidão, a Comédia.
Teatro Cândido Mendes, Ipanema.

"Juntar pessoas em um teatro e não rir? é um desperdício de vida"
(Vicente Pereira)


Os outros bairros que me desculpem, mas Ipanema é fundamental.
Terra que acolheu, fomentou e divulgou o Besteirol. Terra dos libertários, e do por-do-sol mais lindo.
Assim predisposta às coisas boas da vida, chego à exposicáo Assim é o Besteirol, uma homenagem emocionante ao autor Vicente Pereira. Frases memoráveis, ensinamentos do mestre, instalações, fotos. E tesouros: textos seus, e de outras maravilhas do besteirol, ali, ao alcance das mãos. Pode pegar, manusear, aliás, no besteirol, pode manusear mesmo. Vamos manusear a vida, para que nos faça rir.
Aqui a Solidão é uma comédia. É para rir das nossas mazelas, das nossas compulsões, das nossas teimosias. Assisto Mauricio Machado desfilar cinco personagens, cada um mais só e mais teimoso que o outro - não desistem de buscar companhia. O rapaz apaixonado por cinema, que aguarda a namorada que não vem; a prostituta, esquecida pelos antigos clientes, que pede um entregador de pizza, ops, que pede uma pizza; o playboy do jet set, de sexualidade dúbia, aguardando a esposa para exibí-la como a um troféu; a melindrosa alcóolatra, em seu primeiro e talvez último encontro; e a velha, em companhia da morte. Fazem de tudo para não enxergarem-se sós, e findam por render-se, sem pudor, a esta realidade.
O desafio do ator é imenso. Diogo Vilela marcou o teatro com sua interpretaçao nesta peça. Sua atuação foi inesquecível. Mauricio Machado fascina com os personagens femininos. Chego a ver seus pares, seus pretensos pares no palco com ele. As dimensões do teatro aproximam muito o público do ator, vemos o esforço físico derreter sua maquiagem. Bem, ele fica mais humano assim. As mulheres aparecem sob sua pele, e suas decepções, previsíveis ou não, nos fazem rir. A prostituta encontra uma saída, um consolo, um pequeno remédio para aliviar dor. A melindrosa dança e cai e bebe e dança e cai, e se revela. Tenho a impressão de que a conheço de algum lugar. A velha é uma sábia, sabe viver. Cumpre seu papel de cuidadora, de vigia, de amiga, e sua solidão tem a consciência tranquila.
Mauricio volta ao palco com o quimono da morta - simbólico isso, não? - para nos ensinar a saborear a sopa da vida - com imenso prazer, um gole delicioso por vez.

Descobri porque rimos. Porque a solidão é inevitável, e já que é inevitável, relaxe e aproveite.

Oi Casa Grande - 4 Cabeça e um Pensador

Teatro Oi Casa Grande - Leblon, um mundo à parte.





Nós cariocas somos índios. Caciques, guerreiros, caçadores. Índias criadeiras.
Formamos tribos,litorâneas ou do interior, e sobrepostas. Misturadas.

Com essa idéia de que estava indo visitar outra tribo, carioca como eu, fui ver o 4 Cabeça (é no singular mesmo, e com o 4 em número). Tribo amiga, da paz, do violão. Mais jovens, mais crédulos,e tem mais a dizer que os demais de sua geração. Muita letra para entender. Muita música que todo o mundo sabia, tem seguidores fiéis. Brincam tanto com as palavras mais sérias que não sabemos se é tudo sério, ou se é tudo brincadeira. Raul Seixas fazia isso com a gente. Sob a ironia, grandes verdades.
Somos cariocas, somos do Rio. Queremos mar, amor, por do sol, Lapa, uma cerveja e mais amor. Luis Carlinhos, Gabriel Moura, Rogê e Baia, os quatro do 4 Cabeça cantam isso, querem mostrar o Rio cantando, que lindo. Os violões, os solos vocais. Onde estão que não tocam na rádio, onde escondem tudo isso? Não são de brincadeira não. Afinados e debochados. E cariocas. Nào sei se são surfistas, ou hippies contemporâneos, ou ambos, ou não, mas são irresistíveis.

Fomos presenteados, todos nós, com a elegância inesperada de Gabriel, o Pensador. Elegante? Sim, e muito. Juro que não sabia. Sabia que era dançante, irreverente, simpático, sim, mas elegante? Ele é. Como diz Gloria Kalil, ser chique é ser feliz, e ele é chiquérrimo. Que bela presença, solto, comunicativo, o palco é dele, a luz vem dele. Canta, conversa, explica as músicas, seu carisma escorre platéia adentro. Gentil com os colegas de palco, com o público. Melodioso quando a música pede, preciso nas letras, críticas e necessárias. Muito bem acompanhado, vê-se que é exigente nas parcerias e suas quatro músicas enchem a noite. Dá pena quando termina. Fez bonito. Aliás, sua música nova é sobre os feios que são muito mais interessantes que os bonitos. As mulheres apoiam em massa, quantas já sucumbiram ao poder de sedução do feio? Muitas. Número um: é feio. Baixa-se a guarda, não há o que temer. Lêdo engano, a conguista se dá então, sem resistência, por imperceptível persuasão, mais eficaz que o convencimento puro e simples. Nada como um feio inteligente para encantar. A beleza é uma qualidade egoísta, exige a companhia de outras muitas para que se mantenha interessante. Gabriel sabe, e quem assistiu seu show,também.

Gabriel, o Pensador

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Senac Fashion Business - Marina da Glória

Janeiro, no Rio de Janeiro.

Quem disser que moda é coisa de patricinha, está enganado. Moda é coisa de trabalhador. Não sei quantos são ao todo no Rio, mas são muitos , e bons. Logo na entrada stands enormes do SENAC mostram o trabalho de qualidade desenvolvido em suas escolas - o tema era ALQUIMIA. Transformaram pedaços inertes de tecido cru em roupas com movimento e estilo. A técnica chama-se MOULAGE, vejam bem, é coisa francesa. Modelar no corpo. Gente, que maravilha - pega-se um pano sem graça nenhuma, enrola daqui, trança dali, joga para trás. Aperta dacolá; franze, espreme, fixa, corta. Solta. Perfeito. A vida bem podia ser assim, feita a mão por anjos, do jeito que coubesse exatamente em sua alma. Seria impossível impor aos outros o que nos cabe, e o contrário também em nós não caberia. Alegando exclusividade, seríamos únicos por natureza e convicção.

Voltando à moda. Uma artesã me explica que cortou fios de cobre, cobertos por plástico escuro, até que ficassem simétricos. Transformou-os em jóias. Lindas, parecem egípcias. Alunos aplicados transformaram rascunhos infantis em croquis de estilo. Sigo fascinada com a possibilidade das mãos humanas: se treinadas, orientadas e direcionadas, farão qualquer coisa. Brasileiro é mágico, faz do feio, bonito; faz do neutro, o colorido; faz do estagnado, o balanço. Isto empolga qualquer um.
Pelas vidraças, a Baía de Guanabara, limpa ou poluída, não importa, é estonteante.
O clima é de ânimo e de prosperidade. Griffes desfilando, música ambiente. Admiração mútua. Promessas de parcerias, compromissos assumidos, empresários fecham negócios, vejo sorrisos e apertos de mão. Os ricos tem dentes bons e unhas feitas, já dizia minha avó. Os bem sucedidos saltam aos olhos, mas ao falar são humildes, prestam atenção no que pergunto. Lembram que um dia começaram pequeninos, tostões contados, sonhos sofridos. Hoje comemoram o esforço e multiplicam empregos e lucros. Realizaram e realizaram-se, que pensamento reconfortante.
Viva a moda. Se a vaidade sustenta algo de bom, é a indústria da moda.

Estilhaços - Eduardo Wotzik

Rio de Janeiro, Gávea.
Em cartaz no Planetário, Museu do Universo.


Estilhaçar - despedaçar objeto de vidro ou metal com violência, através de arremesso à distância, ou ao chão. Acreditei, portanto, que a peça teria algo de agressivo, de destruído. De destroços.

Como enganam as palavras.

Nada disso. Pura ocasião para indagações. O ambiente interestrelar convida a refletir como somos infímos diante do universo. Sabe que dá uma certa leveza entender-se como uma partícula sem importância? Senti-me de fato bem leve naquele momento, retirado o peso das dúvidas. Sou humana, terráquea, um grão de areia diante do universo, portanto, invisível aos olhos de toda a galáxia! Sentindo-me assim, protegida pelo anonimato, acompanho convidados ilustres a uma sala, onde não imaginei que seria o espetáculo, aguardei por uma palestra sobre meteoros estilhaçados, sei lá. Não. Era lá mesmo que teria lugar um belo, moderno e envolvente espetáculo. Entremeados ao público, salpicados estrategicamente pelos puffs brancos, os atores iniciaram a peça. Orquestrados, levantam, recitam, interpretam, atravessam a sala pelos espaços disponíveis. Sucessivos, ritmados. Vez em quando nos olham nos olhos, e nos tocam, como fazemos em uma conversa informal. Suas vozes ressoam potentes e claríssimas. Não sabemos falar como eles. Não sabemos dizer como dizem, gesticular como fazem. Como é prazeroso assistir o exercício da arte tão de perto! A proximidade aumentou a absorção das palavras, escolhidas a dedo. São palavras coloquiais, mas parecem revelações. Arrancam risos, concordâncias, exclamações. O talento do escritor imprimiu especialidade a situações rotineiras. Ele fala daquelas coisas, sabe, aquelas coisas, em que pensamos durante o dia, e não falamos, porque não são lá muito nobres, ou porque são nobres demais e fugiremos ao tom de despojamento que cai tão bem atualmente.
Da palavra estilhaço fica o significado de pedacinhos, mas muito bem destacados de um livro bom. Pedacinhos a colar nas agendas, e armários, como pensamentos para o dia que vem. E pensamentos engraçados, fáceis de serem seguidos, sem o tom grave que dificulta a ação. (ninguém gosta do que é grave).
Os estilhaços da vida, assim dispostos, formaram um mosaico, harmonioso,luminoso, um enfeite de cores variadas. Nada como a a inteligência de um texto para colorir a rotina.
Gostei. Saí melhor do que entrei, mais à vontade comigo e com meus pequenos pensamentos.

domingo, 16 de janeiro de 2011

Simonal - ninguém sabe o duro que eu dei

"Simonal - ninguém sabe o duro que eu dei"




Alguém leu "Fogueira das Vaidades", de Tom Wolf? Um jovem político, em carreira promissora para o partido, atropela, em rua escura,deserta,e tomada pela neblina, uma criança negra. As consequências deste ato acabam com sua vida política. Mas quem, quem enxergaria uma criança pequena e negra na neblina de uma rua deserta? Todos poderíamos ter cometido o mesmo trágico erro.
Simonal errou. Estava no auge. Sucesso, sucesso e mais sucesso. Era o rei da cocada preta. Fazia 340 shows por ano, amigo de Pelé, tinha três Mercedes e uma cobertura em Ipanema. Dominava a massa. Tudo tem custo, o custo era alto, para onde foi o dinheiro? Mandou dar um susto no contador. Errou na mão. O contador abriu o bico. Carregou nas tintas. Fez-se de muito vítima, mas para onde foi o dinheiro? Simonal perdeu o rebolado. O Rei do Swingue foi crucificado vivo, seu pecado multiplicado. Pagamos o preço por ter calado o maior cantor do Brasil. Como diz Miele, quem puder aponte outro. Ninguém apontou.
Mas era a Era do Medo. Todos tinham medo. O medo imobiliza e torna a ameaça maior do que é. Domina-se um amedontrado facilmente, mas não há exército que domine um corajoso. Não havia corajosos no Brasil dos anos 70, estavam sendo torturados nos porões, por outros, que não o Simonal.
Os cruéis adoraram. Os sádicos apoiaram. Os invejosos endossaram. Os racistas, bem, os racistas gozaram. Simonal era um debochado, e debochava da pretensa seriedade da época, o que não agradava a todos. Gostava da malandragem e de parecer malandro. Era um negro que não queria ser branco. Escalou a montanha do Sucesso muito jovem, e ficou lá em cima rindo, dançando, e regendo o povo. Outros queriam reger, não eram obedecidos. Orquestraram portanto, o silêncio.
Cale os bons, imobilize os bons, e o mundo acaba. O ídolo volta a ser a criança humilhada que comia escondida. Conveniências atendidas, o negro volta ao seu lugar de cativo.
Sinto-me em dívida com Simonal. Uma vez perguntei aos meus pais quem era. Mandaram que eu me calasse, e eu, como todos os outros, calei-me.
Mas vivemos a Era da Liberdade. Posso colocar Meu Limão Meu Limoeiro BEM ALTO, para invadir a casa dos vizinhos. Posso cantar MAIS ALTO AINDA QUE mamãe passou açúcar em mim; canto, e digo que adoro o som da pilantragem, e posso ainda ousar dizer que a pilantragem deixou filhotes, e influenciou o samba rock sim. Quem esteve na festa Soul da Fundiçao Progresso dançou, e nem sabe, dançou a pilantragem.
Posso ousar dizer que Simonal foi o melhor cantor sim.
Não repetirei o erro da geração que nos privou dessa alegria, alegria.
Vou dizer para todo mundo que adoro o filme, adoro o cantor, e adoro a possibilidade de aplaudir, ainda que tardiamente,o talentosíssimo Simonal.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Tempos de Paz

Rio de Janeiro, Copacabana.                     


Rio de Janeiro, Janeiro de 2011.

"Tempos de Paz"

"Que lei, justiça ou razão pôde recusar aos homens privilégio tão suave, exceção tão única que Deus deu a um cristal, a um peixe, a uma fera e a uma ave?"  (Calderón de la Barca)

Muito já se disse sobre a Liberdade. Mas não com tanta beleza e poesia como neste filme.
Já sentiu-se impedido de ir onde quiser? De ficar? De partir? De comer? De acordar ou dormir? De falar? De calar?
A escolha é um grande privilégio. Ir,vir. Plantar, colher. Amar, deixar de amar. Atuar.
Não sei para que serve pensar e dizer, mas sou livre para isso. E se uma única pessoa ler, e gostar ou não gostar, está ótimo. Atingi meu objetivo. Aprendi no filme, sou livre também para aprender.
Em Tempos de Paz, o ator que se disfarça de agricultor consegue fazer um homem chorar. Não um homem comum,  mas um homem cruel. Mau. Cumpridor cego de terríveis ordens. Absolutamente insensível. Sua atuação é seu visto para uma nova vida. ( Nossa  atuação também!) Consegue ficar no Brasil. E ele vai além, os gênios sempre vão além. Com suave maestria compõe sua platéia de homens, bons e maus, sua platéia atenta. Leva-os onde ele quer. Atravessou o oceano para isso.
Outros, outros gênios fizeram de nós todos, bons e maus, seu público. Atravessaram o oceano para isso e  transformaram corações e mentes. Levaram-nos onde quiseram e conquistaram para si e para outros o exercício da  Liberdade.
Escolheram ficar no Brasil e nos presentear com seu talento.
Nosso ator, o fugitivo de guerra, terá alcançado a paz? Tomara. Conquistará definitivamente a Liberdade? Terá feito a melhor escolha? Esse país o acolheu com amor. Prosseguirá atuando e exercitando seu talento.
A Liberdade é uma metáfora - exige, para sua legitimidade, o exercício da escolha.

Marina Bruno - Em movimento pelo mundo


O nome do meu blog é Digo porque vi.
No entanto, esta postagem foge à minha afirmativa.
Não vi pessoalmente o espetáculo, aliás os espetáculos. Mas gostaria muito. Assisto à distância, e vibro. Vejo que essa carioca faz bonito. Faz por ela, pela dança, pelo teatro, pela ética. Faz bonito pelas mulheres imigrantes, misturando nacionalidades e culturas.  Faz bonito pela causa da liberdade de expressão. Faz bonito por todos que passam pelo seu caminho.
Sou contra aqueles que publicamente elogiam e pedem audiência para seus pares e seus parentes. De novo fujo à regra. O coração faz com que fujamos às regras. Hoje é dia de fuga!
Respeitável público, peço que acessem os links abaixo. Se há uma coisa bonita neste mundo, é Marina em movimento. A tecnologia nos permitirá assistir. Vivemos uma era de liberdade e poder, e precisamos tirar proveito disso. Nossos olhos ficam mais possantes, enxergam léguas a mais. Nossa voz se escuta ao longe e os pensamentos não conhecem fronteiras. Podemos ver esse movimento de corpos, (dança? acrobacia? interpretação? tudo junto?) que desafia as regras da gravidade e as da sociedade.  Esse não render-se, não desistir, prosseguir, prosseguir, prosseguir. Atingir.

A Europa conhece seu trabalho. Nossa Terra Adorada precisa conhecer.
Somos brasileiros, e de crachá. Somos guerreiros, e como Marina, não queremos parar.

Na primeira foto, por Naama Sarid, maravilhosa fotógrafa israelense
Abaixo, cartaz de Boyfriend, tudo que uma mulher precisa, espalhado por Madrid.



 
http://www.youtube.com/watch?v=FjmFaQcm8Sg


http://www.youtube.com/watch?v=R4shKT6AHsc

http://www.amecopress.net/spip.php?article5750

www.marinabrunoenmovimiento.wordpress.com

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Minhas mães e meu pai

                            http://www.saladacultural.com.br/imagens/upConteudo/minhas-maes-e-meu-pai/cartazes/small/SaladaCultural.com.br-minhas-maes-e-meu-pai-cartaz.jpg  
 
 Rio de Janeiro, Ipanema.
 Casa de Cultura Laura Alvim.

O título em inglês "The kids are right" despertou meu interesse. As crianças estão certas? Tenho dois filhos e digo: é improvável. Em que situação tem razão? As crianças são criaturas naturalmente egoístas. A educação ainda não anestesiou seus impulsos possessivos, e o egoísmo é o passo um para náo termos razão.

Porém, surpreendi-me. Tinham razão? Podem ter sim. Há uma  família feliz na tela do cinema. Duas mães e dois filhos.  Sim, são lésbicas, e  conseguiram o que muitos casais de distintas orientações sexuais fracassam ao tentar repetidas vezes, e aí, só para garantir, trocam de par e tentam mais uma vez: conseguiram viver em harmonia. Alegria em estarem juntas. Sonhos, planos. Contornaram as limitações naturais, partiram para a inseminação e  engravidaram.  As crianças nasceram e cresceram na casa aconchegante, com compreensão e orientação. São adolescentes, e os problemas rotineiros são resolvidos com carinho. Não há drama algum até aqui. Paz, amor, mais paz, e mais amor.
Mas Ele chega. O reprodutor. O bicho homem. Belo, dono de si. Livre.  Vem para querer o que nunca teve - os filhos e a família. Mas quer mais ( os homens tem em si uma fonte de quereres): quer para si a moça bonita, e a quer ali, na ilha de estabilidade que jamais avistara. Não interessa o que pagará por isso. Ele oferece o que tem, irreverência, prazer,  jantares deliciosos, velhas músicas...como um animal se exibe e oferece suas qualidades.

Se há um lado bom em ser macho, ele demonstra, e elas se abalam: uma por ciúme, uma por desejo. Há especial prazer no proibido. Resistirá?  Quer o homem? Perderá a ilha de harmonia. Quer a ilha? Perderá o homem. Há perguntas que temo a resposta, normalmente não as faço. É o caso.

Não digo mais nada. Os cinco atores - maravilhosos - dizem o que precisa ser dito, com e sem palavras. Há silêncios, há paisagens, há olhares. Embarquei no clima de amor, e se disserem que o tema é comum demais, e que não foi explorado o tema lésbico, diga que o tema é o amor. Se é o amor é comum, que bom, que ótimo, deve haver mais amor por aí do que sabemos.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

O Deus da Carnificina


Rio de Janeiro, Centro.
Maison de France
Janeiro 20111.
Divulgação

A superficialidade não me interessa.
Quero a verdade invisível aos olhos
Quero o que se revela às 3 da manhã - quero o impronunciável.

Tenho esse sentimento. Sempre tive. Desprezo a futilidade, o comportamento socialmente aceito. Quero conhecer o que se tenta dominar, a selvageria natural do ser humano. O que para muitos é vergonha, para mim é um sinal de humanidade. Sou viciada na verdade, e bem, foi o que tive.
Uma sala comum, numa casa comum, com livros, telefone, flores. Cenário? Sim. Podia ser um escritório, um salão de leitura. Mas é um rink.  Dois casais no palco, sóbrios e contidos. O diálogo inicia-se civilizadamente,  discorrem sobre uma tentativa de conciliação entre as duas famílias, motivada por uma violenta briga juvenil entre seus filhos. Uma das crianças foi espancada, com sérias sequelas físicas.  O decorrer do diálogo modifica a cena.  O confronto verbal traz as entranhas à tona. Revela as vísceras e as chagas, mágoas acumuladas e silenciadas. Horrores comuns a todos nós. Revela os pecados, não os prazerosos, mas os pecados que de fato nos condenam. Quem jogará a primeira pedra? Quem é melhor que Veronika, Alan, Michel, Anette? Ninguém. Somos todos assim, cheios de segredos e de medos e de vícios, vícios que nos enganam mas nos mantém vivos.
A carnificina da aparência de moralidade. Vômitos, tapas, acessos. As reações que em algum dia evitariam um enfarto, mas não tivemos coragem, seguramos. Enfartaremos. A paciência é uma virtude que se alimenta da sua prática. Vamos praticar, vamos sorrir para a foto. Somos hábeis em sair bem na foto, não em sair bem das brigas.
Vá. Assista. Reflita.
Verá que não somos melhores que ninguém. Após anos de terapia e de educação formal, estamos controlados só por hoje. Puxe o fio certo, e cortina da sua alma se abrirá. Não é  bonita, não importa; desfilará descalça e nauseada, sobre rosas despedaçadas, mas estará livre.

Baloji e o Dia da Consciência Negra

Rio de Janeiro, Ipanema.

Novembro, 2010.


Semana da comemoração da Consciência Negra, sábado, fui assistir ao BALOJI, no Oi de Ipanema. Funk, rap, reggae. Uma banda fantástica, música da melhor qualidade.
Estranhei desde a chegada. Dia da consciência negra sem negros na platéia. Faltaram. A maioria era de estrangeiros e de senhoras, brancas.  Os presentes sim, prestigiaram o BALOJI e, é claro, ouviram boa música.  Uma palavra diz tudo sobre o som: irresistível. O som cresce, invade, toma conta. É impossível ficar sentado, ou em pé, ou em qualquer estado que não o de dança.
E a elegância do Baloji? Lembrei-me da voz de Elis em black is beautiful.  E é bom ouvir sua música, que exalta as vitórias e a luta dos negros. O grito de paz vem de Maman Zezé, como carinhosamente anuncia Zezé Motta, citando e recitando Nelson Mandela:  "Ninguém nasce aprendendo a odiar a cor da pele ou a religiáo. Se aprendeu a odiar, vai aprender a Amar", e Zumbi, "dai alforria ao meu coração". Mediante este comando de liberdade, o show seguiu quente, eu quero saber quem veio primeiro: o negro ou a música. Acho que são gêmeos, andam juntos, encantam, sempre.

A fagulha e o fogo da Revolução


Rio de Janeiro, Copacabana.
Novembro de 2010, próximo ao primeiro turno das Eleições Presidenciais.

Estava eu pensando sobre o poder do voto e sobre como muitas vezes tenho vontade de largar o conforto da minha rotina e aderir a algum movimento revolucionário... Exageros  à parte, resolvi rever um, ou melhor, dois filmes sobre a fagulha e o fogo da revolução. A fagulha está em "Diários de Motocicleta" e o fogo, em "CHE". Assisti-los separadamente é mutilar o guerrilheiro.  O CHE que conhecemos é o Ernesto, que rasga a América em cima de uma motocicleta, estarrecido diante da doença, da pobreza, da tirania; diante das inconsoláveis dores  do povo latino americano (nós brasileiros náo nos enxergamos como parte da América Latina - fomos separados ao nascer).  Essa viagem planta no coraçao do jovem a semente da transformação. E ele se transforma em CHE GUEVARA. E reconheço no líder o jovem viajante, o jovem médico, o jovem namorado, fiel à sua luta e aos  seus companheiros. Sem conforto, sem calor, sem alimento. O jovem em meio aos camponeses explorados, aos leprosos, aos abandonados. Anos depois, o líder  em meio aos guerrilheiros, resistente a batalhas e a traições.
São filmes que se completam, que justificam a luta e a entrega do homem à sua causa. Formam a introduçao, o desenvolvimento, a conclusão. A sucessão dos fatos fascina. A entrega crescente do ser humano ao que era irresistível - reagir, conquistar, ampliar.  E tudo se completa tão simplesmente. Eu só entendi CHE porque viajei com ele em  sua motocicleta...
Vale a pena ver, rever, pensar. Deixar vir a sensação de que podemos ser o (melhor) resultado de longas viagens.

Me respeita que sou sua mãe

Rio de Janeiro, Leblon. Novembro de 2010.


Para gostar dessa peça é preciso saber rir de si mesmo.  Ou melhor, enxergar com bom humor os dramas cotidianos. Só o tempo ensina, e há dez anos eu não assistiria  Me respeita que sou tua Mãe como assisti: enxergando naquela família fragmentos de várias famílias. Há dez anos não sabia o que sei:  nós mulheres, mães, esposas, noras, sogras, somos todas heroínas. Seguramos a barra mesmo. Erramos? SIM. Acertamos? SIM. Não há erros e acertos. Há sobrevivência. Convivemos com problemas de grana, de saúde, de amor, de sexo, de filhos,e sorrimos! Queremos mais! Meu Deus, seria louco se náo fosse belo, aliás é belo e louco. A loucura confunde a moral. A moral não resiste aos sufocos do dia-a-dia. Mas ela, a Nalva, ela resiste.E eu, eu que não amava Claudia Jimenez, que vergonha. Achava que era sempre a Edileuza do Sai de Baixo. Não. Hoje grito: é uma GRANDE atriz. Expressa com exatidão a ternura da mãe, o amor da esposa, a dedicaçao da nora; com a mesma clareza vemos a decepção da mãe, a amargura da esposa, o cansaço da nora. Faz rir. Faz chorar. Nos leva onde quiser, e como sua personagem, vamos felizes. Exige respeito, náo precisa exigir; tem o respeito e admiraçao da platéia e daqueles que tiverem coragem de se reconhecer. Para outros, demorará alguns anos, ou algumas dores.