domingo, 27 de novembro de 2011

O talento de todos nós

Rio
mas é profundo
então é oceano
Oceano inteiro


Tornar-se

ELIZABETH GILBERT, em um video fantástico sobre o gênio que todos temos dentro de nós, assistam, é imperdível

Não sei quem nos manda recados lá de cima. Se é Deus, Jesus, Maria, ou o Espiríto Santo. Pode ser que venham sinais de Krishna, ou de D'us, como dizem os judeus.

Mas que existe uma Central de Recados Astral e funciona 100%, 24 horas ao dia, de segunda a segunda, ah, isto existe.

O primeiro recado chegou para mim na peça Alma Imoral. O rabino Nilton Bonder, através da deusa mundana Clarice Niskier, nos conta a parábola de outro rab, cujo temor, na hora de morte, era que Deus lhe perguntasse porque não foste quem era.

O segundo recado chegou no livro velho, da faculdade, cheio de poeira, onde reencontrei o famoso conselho de Nietzche: "Torna-te quem tu és."

E o terceiro recado chegou hoje. Especialmente hoje. Assisti a escritora Elizabeth Gilbert em seu video sobre o processo criativo, disponível a rodo pelo you tube. Poderia tê-lo assistido antes, mi hermana o havia enviado hace tiempo, pero nó, solamente hoy, o video rodou sob meu olhar hipnotizado. Parei para ouvir, ver e acreditar.

Eu estava me preparando, ou sendo preparada, pela tal rede de conspiração universal, certamente. Era chegada a hora em que as palavras da autora genial acertariam meu coração.

A bela escritora fala com fluência e tranquilidade sobre o processo criativo. E sobre o momento seguinte ao sucesso da obra - a cobrança do público, da mídia, e de si mesma, por mais arte, com mesmo valor e qualidade da obra maior. Desenvolve o tema, e ao fim, e foi aí que vi, e digo porque vi, que o tema dizia respeito a todos nós, que não somos bem gênios da criação, mas temos nossos talentos - "quem baila, baile. Quem escreve, escreva. E no dia seguinte faça de novo. Alegre-se pelo que criou, e que isto seja bom para você."

E eu digo que isto é muito, muito maior que parece. É fazer o que se gosta, da melhor forma, e constantemente. Encontrar satisfação espiritual no que se faz. Fazer o que Deus te deu para fazer, fazë-lo bem, sempre, do melhor jeito e com a maior entrega, sem meias palavras ou meios termos. Ser quem se é - bailarino, escritor, cantor.

Sem medo de ser cobrado. Sem medo de ser vaiado. Sem medo de não ser compreendido.

Jogar-se para fora de si. Tornar-se, entregar-se a si mesmo. Chegar ao melhor de si, com leveza, com verdade, tocado por Deus.

Aos artistas, criativos, tocados por dons especiais, o conselho da mestra.

Os queridos leitores podem agora dizer: " - Bem, isto não é para mim. Não sou artista, nem pretendo."
Engano, claro engano. Todos somos talentosos. E se ainda não descobriram seu talento, caríssimos, não se preocupem. Posso jurar que existe ao menos um, o mais importante e decisivo talento, que nos compromete e nos persegue enquanto não se realiza.

O maior talento que temos, caríssimos, é o de ser feliz.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Voando para o paraíso

Rio
Mar
Rio
Flor
Rio
Rio de Amor


Que loucos caminhos nos levem ao paraíso
Foto: Revista Geográfica Universal
É preciso asas para chegar até aí



Que passe por mim esse Rio,
porque já náo tempo para nada,
que náo seja Amor.

Cansada de ver dias passando iguais
Tediosos dias
Dias imensos, explicados por palavras iguais e suas 24 horas iguais

Dias táo lentos que náo conseguiam partir
tão arrastados que náo conseguiam passar pelas suas próprias 24 horas

Que venha o beijo,
porque hoje o que interessa é o sabor do beijo
Não tenho tempo para nada que náo beijos.

Os problemas insolúveis foram rasgados
E eu fiquei olhando os mil pedaços cairem no cháo
e misturando-se ao pó da estrada.

E como tudo se transforma,
eu quero também me transformar.

Em um ser mais leve, com asas
Criatura necessariamente mais livre
Pois são essas as mais recomendadas para voôs sobre paisagens cinematográficas.

E eu de fato quero chegar ao paraíso,
ainda que por loucos caminhos.

E assim transmutada hei de escapar de mim sendo quem ainda náo fui.

Eu mesma, a quem a vida quis ensinar
e que teimosamente não quis aprender.
Eu que sou móvel e estive imobilizada.

Não tenho mais a minha idade nem a minha dor.
Sou mais jovem que ontem e mais sábia que há anos.

E não tenho mais tempo nenhum para dor.
Urge que eu seja mais feliz.

Urge que eu tenha asas.

Eu não tenho tempo
nem vontade
nem nada

- em mim náo tenho nada que náo seja Amor

terça-feira, 22 de novembro de 2011

A pele que habito

Rio
Flamengo
Bandeira
Banderas


Antonio Banderas e Elena Alaya, em cena do filme "A Pele que Habito", inspirado no livro "Tarântula", de Thierry Jonquet

Nesta vida, há dor.
Curada, fortalece.
Cultivada, enlouquece.

Almodóvar vem nos falando das dores e das loucuras da alma humana. O ponto de partida e as suas consequências, sendo a mais comum, a a vingança. Assim, sob o cenário da normalidade, o fantástico espanhol vem nos convencendo que o ser humano ferido não perderá a oportunidade de vingar-se, e é bem capaz de planejar e executar planos mirabolantes com a maior tranquilidade. Sua obra é assustadora por revelar as possibilidades de vidas invísiveis sob a vida cotidiana. Como identidades secretas. O ser humano mais pacato e gentil tem uma segunda personalidade. Tem uma loucura que corre sob sua pele.

Mas neste filme, há mais fantasias que loucura. A loucura tem lógica, e as fantasias não.

A loucura tem motivos e objetivos, e é muitas vezes mais certa que a razão: presente, forte, perseverante, empurrando o indivíduo vida afora.

A fantasia não. A fantasia é coisa que não se explica, que não se realiza, que existe e não sabemos onde. A fantasia é coisa que distrai, que atrapalha, que engana.

Neste filme briguei com Almodóvar: ele filmou a fantasia alheia, outro autor, outra mente. Faltou a certeza simples de sua loucura, loucura boa, que a gente entende e até acalenta.

A arte imita a vida. Quando assumimos nossa loucura, há convicção, há entendimento. A loucura alheia não nos convence, não nos cabe - como uma pele que não é nossa.

Não me convenceu. Não dá para um cirurgião plástico transformar o estuprador de sua filha na mulher que ele um dia amou e que morreu em trágico acidente, na fuga com seu amante que vinha a ser seu cunhado, irmão de criação do cirugião. Na esteira desse samba do crioulo doido, o elegante Doutor é um cientista que usa o ex-rapaz como cobaia para operações de mudança de sexo. Neste meio tempo percebe que a vítima o deseja e entrega-se então. Há elementos demais nesse emocional, e algum deles precisava ser cirurgicamente removido. Não.
Não dá. Não dá para um homem transformado à força em mulher ficar tão delicada e suave quanto a pétala Elena Alaya. A feminilidade não reduz-se tão somente ao físico. Preferia ter visto um ator travestido neste papel, preservando algo de masculino, que nenhuma cirugia e nenhum confinamento pudessem ocultar.

São muitas afirmativas incoerentes num mesmo filme. Incompatíveis loucuras.

Bem, olhando assim, a arte imita mais uma vez a vida.

Então devemos assistir por Banderas. A visão de Antonio, trajado como um príncipe, saindo de uma mansão para um jardim noturno vale cada minuto da loucura, da fantasia, com nexo ou sem nexo. As mulheres devem ir para suspirar. Os homens, para aprender com ele.

Confesso que fui por Banderas. E fiz bem. Entre Banderas e o mundo, Banderas.

Ele, Antonio Bandeiras. Aí sim, motivo, loucura e fantasia

terça-feira, 15 de novembro de 2011

VAMOS CASAR

Rio de Janeiro

2011

Qualquer bairro
Qualquer cançáo
Mas tem que ser na primavera


Um casal e os Dois Irmáos, amores verdadeiros, como Ipanema, como a Primavera
Foto de Ana Schneider, clicando o amor espalhado no ar


Caríssimos, vivemos ingrata época de amores vãos.
Ama-se em váo, visto que amor sem amor é em vão, é besteira, é masoquismo, é esquizofrenia. É frustração. É tanto, tanto, quanto menos amor.

Conhecemos pilhas de histórias de amigos de amigos, de amigas de amigas, e primas e vizinhas e próximos e distantes, que se estreparam, literalmente, em recentes tentativas de amor. Conhecemos também as nossas doloridas histórias.

Mas é primavera.
E eu soube de uma história. Náo vi. Mas ouvi, e foi pessoa séria quem falou.

O sujeito, assim, ainda meio cafajeste. Queria evoluir, mas muita tentaçao o afastava de sua nobre intençao. Conhece uma... bem, uma periguete. Coisa de noite e meia, no máximo, mais um telefone na agenda e mais uma noite na curta memória.

Mas é primavera.
E o amor, caríssimos, está no ar.

E ele inspirou fundo. Encheu os pulmóes de ar.

O namoro engatou. Ele esqueceu que foi um dia, distante dia, um cafajeste, e ela, encantada com a possibilidade de amar e ser amada - a única possibilidade que de fato importa e modifica as rotas do ser humano - rendeu-se, e abdicou de velhos hábitos.

Em três meses, conheceram-se, namoraram, e casaram-se.

Mais náo digo.
É primavera.

Seguiráo? Sofreráo? Seráo felizes?
Náo sabe-se. Sei que neste mundo de tantas ressalvas e duplicidades, e confusões, e mal entendidos, péssimas explicações e justificativas capengas, há um casal que derrubou as regras da contemporaneidade do amor - casar. No papel, sem festa, com pressa, com convicção.

Antes que cheguem os problemas e os questionamentos eternos que nada esclarecem.

Antes que passe a lua-de-mel.

Antes que passe a primavera.

Em primeiro lugar, a dignidade

São Conrado
São Beltrame
São Sebastiáo do Rio de Janeiro


O Camelódromo da Rocinha
Foto: blog olhar direto

" RIO - Sem pagar impostos ou oferecer garantias trabalhistas aos seus funcionários, 90% dos cerca de 6.500 empreendimentos existentes na Rocinha hoje são informais. O diagnóstico é do superintendente do Sebrae Rio, Cezar Vasquez. Para ele, a pacificação derruba uma série de barreiras e abre oportunidades para empresários, de dentro e de fora da favela." (O globo on line, em 15 de Novembro de 2011)

Eis a questáo.
Saiu o tráfico, entrará a Receita Federal.

O comércio informal (ilícito) da Rocinha movimenta milhòes. E o Leão, Dilma e seus camaradas estão fora deste saboroso bolo.

Pela sua privilegiada posição geográfica, com farta condução para Zona sul, Centro, Barra, Zona Oeste, a Rocinha tem um altíssimo contingente populacional empregado na economia formal. É empregado que interessa ao empresário, seu vale transporte é barato, então bóra assinar a carteira do pessoal. São milhares de trabalhadores, que saem do gueto para trabalhar e voltam com dinheiro no bolso para casa, (pouco ou muito, náo interessa), dinheiro no bolso, e àvidos para consumir. Pagavam bem para morar em meio ao tiroteio - os aluguéis eram relativamente caros, chegando a equiparar-se a preços de bairros bastante disputados pelo asfalto afora. Lugar privilegiado, São Conrado, vista deslumbrante. Com a dominação policial e militar valerá mais ainda.

E o Estado já identificou uma galinha gorda, imensa, com ovos de ouro incubados.
Ainda náo vi reportagem alguma sobre projetos (concretos) de saúde e educaçao; mas já vi esta belezura: a Rocinha pode se tornar o maior pólo comercial da Zona Sul, um Saara da Zona Sul. Receberá incentivos fiscais? Tarifas diferenciadas? Estímulos?

Ai, Jesus. No Rio, recolher e conferir impostos envolve mais agentes públicos (muitísimo bem remunerados) que a Saúde e a Educaçáo ( muitíssimo mal remunerados).

Acudam, Santos Cariocas. Deixem o camelódromo da Rocinha lá embaixo por ora.
Em primeiro lugar, as primeiras coisas, como diz sábia amiga. Comecemos com as Escolas e Creches em tempo integral. Com um Posto de Saúde equipado, bem lotado com ótimos profissionais. Com saneamento, com limpeza, higiene. Essas sáo as garantias de dignidade do cidadáo.

Priorizar pólo comercial, inverterá mais uma vez os valores: duvido que os impostos ali arrecados revertam para a comunidade. Nunca reverteram, e os traficantes se fortaleceram: o dinheiro tem que aparecer, e se náo vem de fontes legais, virá de fontes ilegais.

Que o Estado providencie o que é de sua prerrogativa providenciar. Não se preocupe com o pequeno comércio; o mundo ocidental aprendeu, desde 1751, o laissez faire, laissez passer. Estamos atrasadíssimos.

Não é hora de contar os tostóes da Rocinha. É hora de libertá-la da sujeira e das barreiras de acesso ao conhecimento e capacitação, impostas à sua populaçao por um Estado omisso e cruel. A comunidade 'roceira', educada e saudável, enriquecerá orgulhosa. Passará de mào de obra barata para mão de obra qualificada, estou certa disso.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Um conto chinês

Flamengo
Vai, Darin
Me conta um conto, que eu te conto...


Darin e Ignacio Huang, em seu conto chinês

Os deuses tem várias formas de nos contar o que precisamos ouvir.
E repetem seus recados enquanto acreditam na gente - é melhor portanto, ouvir logo o conto do Darin, e sair do cinema com a leveza e a surpresa dos que presenciaram uma preciosa revelaçao.

A vida tem de fato sentido. Há sentido, nexo, causa e efeito em tudo, em absolutamente tudo que existe, existiu e existirá ao nosso redor. Chineses e argentinos, americanos e árabes, judeus e alemãos, a humanidade náo tem raça, a humanidade tem gente, e gente que precisa de gente.

Gente que precisa aprender a amar. Gente que precisa aprender a deixar-se amar.

Descolar dos sofrimentos, ultrapassá-los interiormente, desprender-se de idéias arraigadas, que arrastam a energia solo adentro.

Escolher novos caminhos e partir por eles, seguir, caminhar, respirar. Avançar.

Transformar-se em uma pessoa mais feliz.

O destino coloca as peças sobre a mesa. É o jogo da felicidade.
O tabuleiro é o tempo, e as peças estáo à sua disposiçao. Tem a peça em forma de chinês, tem uma vaca, tem uma porcaria de uma caixa de parafuso. Tem o sorriso da moça, e tem o jornal velho com uma notícia trágica. E tem o tempo passando, dia após dia, noite após noite, sem que o homem mova uma peça sequer.

Inspirei-me.

Inspiradores sentimentos tomam conta de mim. Posso até culpar os olhos azuis do argentino. Posso culpar meu coraçao mole, minha tendência a romancear tudo. Culpa também desta língua espanhola que imprime música e poesia aos aos diálogos mais simples.

Assim deu-se com as palavras simples e diretas de Mari, como devem mesmo ser as palavras e o amor: "Você é ranzinza, rabugento, ermitão, justo, bom, corajoso, e tem esse olhar que me mata". Mari, sí, sí, escolheste muy bien. Esse texto em espanhol arrebatou o rapaz. Suas palavras quase cantadas ficaram em seu coração resistente, como devem mesmo ficar as palavras e o amor.
Muriel Santana, Mari, prática, oferecendo o que há de melhor nesta vida

Sinto-me obrigada a confessar que a cena de Darin caminhando pelo campo ao encontro de sua amada, pronto para amar e ser amado, tirou-me o fôlego.

Mas o que me inspirou está além disso - o filme alimenta o senso de que os justos seráo felizes. Para os que duvidarem, os deuses mandarão mensageiros, que talvez nem falem sua língua, e tenham outra cor e outros modos, e outra idade, e sejam também sobreviventes.

Talvez nem falem, só desenhem.

Os mensageiros estáo por aí, cairão em sua frente, perseguiráo seus pensamentos. Náo temos como escapar.

Escutem o aviso do destino e estejam atentos - o Amor vai chegar, chegou, e está por aí.

Ricardo Darin, o Roberto, atento

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Um homem para chamar de seu

É
Parque Lage
Para lá se vai
Espantar a Solidáo

Foto: Anna Schnneider, da série Domingueiras da Primavera

Caríssimos, não sei quem é a moça da foto, e espero que ela náo se ofenda. Deve ter nome, endereço, identidade, profissáo, claro, mas nesta foto e neste blog ela náo tem um nome. Tem muitos, de muitas e muitas brasileiras. Lista longa.

O olho mágico da fantástica Ana, em suas aventuras dominicais, registrou seu breve enlace com o homem de ferro. De metal, homem sem sangue e sem coraçao, uma mera forma masculina sem alma, tal qual congêneres disponíveis no mercado. Um segundo olhar descreve melhor nossa protagonista desta cena rotineira: é uma pessoa de um certo trato, no mínimo. Cabelos brilhantes, pele alva, vestido longo (está na moda), pés claros em sandálias aparentemente novas.

Um terceiro olhar assusta. Ela está encostada, com a displiscência dos que sentem-se muito bem e à vontade, em um homem que náo tem vida. Aprochegada, como dizem por aí. Cena de um casal em manhã de domingo, aquela horinha morna ainda preguiçosa em que um lê jornal, o outro comenta. Depois trocam de cadernos, conversam, minutos passando aos poucos, váo aproveitando que náo tem hora, nem criança, nem mercado, nem banco, nem trânsito,nem chateaçáo. Só que neste domingo, e neste banco, a moça é real e o homem náo.

A moça é de carne e osso, e o homem náo.

O homem aí da foto, náo tem vida. Náo se apercebe dela. Vantagem, pois indiferente que é, não reclama que ela encostou no ombro doído, nem que está com calor, e nem que ela está amassando o jornal. Nem que ela náo esteja dando-lhe sua táo merecida atenção. E mais, meio que oferece o jornal para que leia. Vejam, ele está discretíssimamente inclinado em sua direçao. Ela entáo continua, feliz, no mesmo banco, ao lado deste homem calado. Homem fake. Homem que náo existe para ninguém, a náo ser para ela e para o departamento de parques e jardins de nosso município.

A estátua é fria, inerte, inútil, mas serviu para iludí-la. Náo há, neste aspecto, tanta diferença para os demais representantes (animados) do gênero. A maioria deles, inclusive, estaria dormindo neste horário, pois a primeira criatura a quem deve satisfazer, é sem dúvida, Elezinho mesmo. E você, caríssima, tinha a ilusão de que seu namorado faria-lhe companhia.

Há outras moças solitárias no domingo. Incompreendidas fêmeas, que nessa manhã, e em várias outras, adorariam ter um representante do sexo oposto, vivo, inteligente, e interessante, que náo reclamasse ou impusesse condições para breves momentos de paz. Que deixasse o domingo passar sem muito esforço, assim, como quem lê um jornal em boa companhia.

Os próximos capítulos seriam especulações dessas suas colegas, as formandas da Escola Solidáo. Sós, e mui perspicazes senhoras. Afirmam, com a propriedade dos observadores: independente de todo o resto, a moça da foto, no banco da praça, no domingo de primavera, no Parque Lage, numa linda manhá de sol, ah, ela tinha um homem para chamar de seu.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Ri, Palhaço

Leblon
Passos
Montes Claros
Selton
Mello

Selton Mello, Palhaço Pangaré


Vi Selton de Palhaço.
Vi Paulo José de Palhaço.

E vi o Circo Esperança, esperança e certeza, e já sinto saudade. Psssou por mim, vi o circo passar, pedi para ficarem, náo me ouviram.

O circo seguiu para Passos, e eu segui os meus passos, mas levei Esperança comigo.

Pensei que fosse filme, mas náo é. É poesia.
A poesia simples, de poucas palavras e valiosos olhares.
A poesia do jovem cineasta e do velho ator, os cavalheiros Selton e Paulo José, homenageando velhos ídolos esquecidos pelo público, tantas vezes ingrato. Um toque de classe. Esses palhaços elegantes váo misturando atores de hoje e de ontem, e oferecendo-os ao espectador aos pouquinhos, um pouquinho aqui, e ali. Quem náo quer um pitaco de Ferrugem, de Jorge Loredo, de Moacyr Franco? Quem náo quer Tonico Pereira e Teuda Bara? Um bom pedaço de Jackson Antunes? Na homenagem prestada, quem ganha é o filme.

Filme náo, poesia. Poesia ainda mais sonora com a música de Plinio Profeta, música de realejo, de artista de rua, de fanfarra. Música que rima.

O filme é arte pura, do enredo à sua realizaçào. Dos percalços que garantiram o sucesso - Wagner Moura náo pode aceitar, Rodrigo Santoro náo quis. Selton entáo, pegou o palhaço para si e fez o melhor palhaço que já vi. Misturou Chaplin e Oscarito, e trouxe o Chicó, do Auto da Compadecida. Pangaré é o palhaço talentoso do circo pobre, neste Brasilsáo pobre, nessas estradas pobres. Pangaré há de ficar na história, ele e seu sonho simples de um ventilador, de um amor, de uma carteira de identidade. De dormir em paz.

E fez também um homem no picadeiro, brasileiro como nós, buscando ser feliz neste país imenso, pobre, vazio. Buscando ser feliz ele mesmo.

Quem quiser que vá ver. Mais náo digo. Quem souber que responda, onde está o Circo Esperança?

Pangaré e Puro Sangue

Quero vê-los mais uma vez, quero ver a menina princesa da lona, sentar ao lado da mulher do prefeito. Quero esconder meu dinheiro da cigana traiçoeira. Trago a Esperança de ir ao circo com meu amor, comer paçoca com ele. Esperança de rever Pangaré e Puro Sangue.

Esperança para rir de mim, de meus sonhos esquecidos. Rir do que náo fui, do que eu náo soube ser.

Quero rir da dor que me atormenta o coraçáo.

Porque sem rir, o sonho é amargo, e a vida é estrada empoeirada.
É estrada longa, canavial afora, que vai dar em nada, nada do que se queria encontrar.
Sem riso a vida é cansaço, a vida é pinga barata. É bolso vazio, é só calor sem ventilador,sem beijo, sem namorada.

Mas se há palhaço no circo há a certeza - ou esperança - de que cada coisa está no seu devido lugar.

Náo adianta palhaço querer ser atendente de loja, e dormir sozinho no quarto vazio. Lugar de palhaço é no circo. Palhaço é palhaço e náo é ladráo de mulher.

E Selton náo é Woody Allen nem Almodovar. Mas está deixando seu nome no cinema, e no coraçao do espectador brasileiro. Gato bebe leite, Rato come queijo, e Selton faz cinema.

Selton

Que descansem em Paz

Dia de Finados
Feriados
Findados

Rio de Paz
Descansem livres


Dia de Finados. Falecidos, enterrados, lembrados.
Dia dos assuntos encerrados.

Dia dos perdoados.

Os que foram bons, viverão para sempre, livres, pelo espaço sideral.
Os que foram maus devem estar pagando, um a um, seus cruéis pecados.

E aqueles que náo foram de todo bons, nem de todo maus, que foram humanos, simplesmente humanos? Por onde devem andar? Maioria. Não somos classificáveis, como os pássaros, que pertencem a esta ou aquela categoria.

Somos misturados.

Dentro do corpo, ou por fora, ou por cima, vivem as almas. Latejam.
Quem conhece a Lei das Almas? Como julgá-las, quem as julgará? Deus? Conhecemos sua infinita bondade. Sim?
Neste mundo de guerras e doenças e injustiças? Sim?

Não sei. Nesta Terra há gente viva que merecia ter morrido, há muito tempo. Como diz meu amigo juíz - "Conheço a maldade do mundo". Eu também, caríssimo amigo, e ela está solta sobre a superfície, visível, e entremeada nas entrelinhas, disfarçada, conspirando. Há muitos maus que estáo vivos.

E no céu, se há céu, há gente morta que merecia ter vivido mais. Nós, ainda vivos, merecíamos tê-los mais um pouco por aqui. Sua obra era importante, seu exemplo era importante. As Leis da vida e da morte, suas datas e tolerâncias, essas náo sáo conhecidas.

Enquanto esses pensamentos batem asas, desejo que o melhor que há em muitos viva para sempre, e possa combater o mal; e que o pior de todos nós se vá, o quanto antes, batendo asas, para outros e distantes mundos.

E que entre vivos e mortos nos salvemos todos, e estejamos em paz, aqui, lá, sei lá onde, onde seja possível voar.