sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Divinas, e ponto

Rival,
Revival,
Rive Gâuche

O espetáculo Divinas Divas, sob direção de Berta Loran

Elas são Divinas.
Divinas divas, divinas damas, divinas deusas.
Divinas, ou divinos, e ponto.

Os historiadores dizem que os deuses não tem um sexo. De fato, a maioria dos deuses da mitologia grega (e as entidades da umbanda também) podem apresentar-se sob as formas masculina e feminina, conforme a necessidade da situação.

Aí está. Jane di Castro nasceu Luiz. Rogeria, Astolfo. Kamille, Carlos.

Há anos, décadas, travestem-se com o maior orgulho e coragem. Épocas menos covardes, os homofóbicos (náo havia esse termo), mas enfim, eram homofóbicos e queriam surrar travestis. Sabe-se lá porquê, alguma tara mal resolvida, talvez. Davam-se mal: as divinas os enfrentavam na mão mesmo, e mão grande, coisa de homem para homem, e não havia Orgulho Gay para defendê-las. Não estavam ainda garantidos os tais direitos humanos, e o tal do direito à opção sexual, como se alguém pudesse não tê-lo.

Hoje desfrutam do reconhecimento conquistado através de anos de trabalho sério. Foram aplaudidas mundo afora, e temos a honra de tê-las entre nós, dando o seu recado. Apresentam-se neste espetáculo como deslumbrantes senhoras elegantes. Exageradas, senão não teria graça, pero no mucho, tem bom gosto, tem charme, e distinção. Vestidos em seda, renda, esvoaçantes, longos. Meias finíssímas, jóias. Deixam o aroma de perfume no ar.


Vive la difference.

Em uma sociedade de culto à mulher melancia e outras criaturas, a Sra. Jane di Castro é um exemplo de recato. Sim, e de altivez, de dignidade. Quem dera que estas moças de barriga de fora e piercing pendurado sobre o ventre livre tivessem seu porte.

É fato - as Divinas Divas representam com perfeição os modelos de feminilidade, raros hoje em dia.
Representam a figura feminina, o gostar de ser mulher, se balançar cabelo e pisar leve no salto. Faz falta. A graciosidade feminina enfeita o ambiente. A mulher quis se equiparar ao homem, mas confundiu-se em vários pontos.

Elas náo, não estáo confusas em nada, nadica de nada. Em depoimentos no palco afirmam que sáo homens sim E que adoram se vestir de mulher. E que adoram outros homens. Aplausos.

Além da presença esfuziante nos palcos, além da estética, elas tem talento. Cantam, em vários idiomas e ritmos. Abusam da voz híbrida e possante, afinadíssimas. Desfilam o melhor da música internacional, Nigth and day, Je souvrivais, La vie en Rose, I´ve got you under my skin. Arrepiam com Emoçõs, do Roberto. Rogeria, um furacão. Um arraso, é magnética. Jane cantando salsa levanta um morto do caixão, sairá feliz e sacudido, e a tirará para dançar.

Temos as comediantes. Kamille entra em cena caracterizada de faxineira. Horrorosa e hilária, em nada se assemelhará à chiquérrima senhora que conheceremos, em trajes de Gabbana. É uma atriz de primeira.
E Fujika de Halliway, mignon, cintura de pilão, numa dublagem satírica de ópera. De chorar de rir.
Eloína, que anos a fio apresentou os sarados leopardos, é um doce. Meiga. Suave.

Abaixo qualquer preconceiro, please. O marido de Jane, sentou-se ao meu lado. Um senhor, discreto, simpático, educado. Poderia ser um tio, parente da família. Palmas para ele. Vive seu amor, que já dura 40 anos, sem usar crachá. Não precisa. O que precisa é o carinho que vi em seus olhos, em direçao a Divina Jane - ah, esse carinho vi nos olhos de poucos, pouquíssimos homens ao olharem suas companheiras.

Enquanto assisto-as, encantada, consolo-me. O tempo passa, a vida passa, e o talento fica. O talento, na verdade, amadurece, fica mais saboroso, mais doce. Como as frutas.

Saí motivada. Saí feliz. São pessoas de fibra, de personalidade, de força. E tem suavidade para cantar com todo amor no coração, e coração não se traveste. Coração e alma, nestas senhoras, estão à vista. Sem maquiagem.

Esta que vos fala e Kamille

Com a esfuziante Jane di Castro

Honrada pela aproximação com a musa, Rogéria, cheirosíssima.

Com a doce, dulcíssima Eloína

Vale Tudo

Rio
Leblon
Eu e Você Você e Eu
Juntinho


Prepare-se para uma viagem ao mundo redondo de Tim Maia
Foto: Divulgação.
Tim Maia: Vale Tudo
Texto: Nelson Motta, Direção: João Fonseca



Eu já sabia que era bom.  Excelente até. Muitas reportagens sobre a temporada de TIM MAIA:Vale Tudo no Teatro Carlos Gomes. Lotação esgotada, brigas na bilheteria. Sucesso. Tiago Abravanel superando  expectativas, cantando, dançando, incorporando.

Mas não esperava o que vi no Oi Casa Grande. Eu vi Tim Maia.  Seu vozeirão. Seu swing. Suas maluquices.

Vi o Tim da infância, entregando marmitas, beliscando petiscos das marmitas dos fregueses. Engordando...O Tim boa praça da adolescência, cheio de amigos, botando a galera para dançar no meio das ruas da Tijuca.

Vi quando foi para os Estados Unidos, quando foi preso por porte de drogas e dirigir veículo roubado. Deportado, retorna,  e solto, e livre, se joga na música, criando um som irrestível e inédito no Brasil.

Assustada. Não sei se estive na platéia do teatro ou se estive no mundo espiritual, guiada por sua música para uma visita ao passado. A presença de Tim é real, e não há nenhum toque mórbido ou póstumo, é Tim ao vivo. Não me falem em Tiago Abravanel. Falem de Tim Maia.

Amparado por elenco de talento, o ator-revelação impressiona tanto quanto a personalidade que incorpora, reconheçamos,  interpretar, cantar e dançar como Tim não é para qualquer um mesmo. Abravanel contracena com feras - Isabela Bicalho ( como canta! E já foi Narizinho!), Lilian Waleska, ("É com esse que eu vou"), e os maravilhosos Pedro Lima, André Vieri, Bernardo La Roque, Reiner Tenente, Evelyn Castro, Pablo Ascoli, Aline Wirley (Rudge / Hair)e Leticia Pedroza, que representam as feras Roberto Carlos, Imperial, Nelson Motta, os amores e a família de Maia. Roberto Carlos é uma figuraça, um comédia. Aliás, a direção consegue manter um tom debochado, nessa história de triste fim. Mais: consegue um tom descarado, como era Tim. Debochado.

As quase três horas de espetáculo são livres, leves, soltas, embora temperadas pelo uso de drogas e pela solidão que o acompanhava; por sua busca sôfrega pelo amor. Busca vã. Sua ironia, que fazia piada da vida e de si mesmo. Piadas amargas, que são nossas também: "Aqui nesta platéia 99,9% é corno, não é não?" Desminta quem puder. "Gordo. Ou beija, ou penetra."  Houve controvérsias na platéia.

Compartilhamos, agoniados, da impotência de seus amigos e de suas mulheres diante do descabimento de suas ações, loucas e incrivelmente coerentes com seu descompromisso com a vida.
O fascínio deste gênio é sua coerência extremada. Para ele Valia Tudo, mesmo. Sem ressalvas ou meios caminhos. É droga? Então é droga, muita, todo dia, misturadas, desmanchadas no whisky. É música? Então é música, a melhor, o melhor timbre, o melhor som. È amor? Amor, porrada, paixão, entrega. Solidão? Solidão. Para valer? Para valer e doer.

Tim cria uma conduta desregrada para si e para seus próximos. Acompanhe quem puder, ou caia fora.

Esse foi o mundo de Tim. Um mundo de brilho, de sucesso, e de solidão. Fora do mundo possível. Impossível sobreviver. Ele era de outro planeta, e fez o planeta Brasil dançar até o último minuto. Muito. Com tudo.

O resto? O resto, caríssimos, o resto vale.

Nota: neste momento você deve ouvir a metaleira da Banda Vitória Régia. Ouça. Vale tuuuudo...vale.... vale tuuuuuuuuudo....

Foto: divulgação.
Tiago Abravanel, Isabella Bicalho, Lilian Valeska, Pedro Lima, André Vieri, Bernardo La Roque, Reiner Tenente, Evelyn Castro, Pablo Ascoli, Aline Wirley, Leticia Pedroza

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Cadê o meu saquinho?

Rio de Janeiro
Zona Sul


Quero um saco bem cheio

Os tradicionais saquinhos, quem vai?


Caríssimos, tem coisa mais gostosa que um saquinho cheio de doces?
Aqueles doces de São Cosme e São Damião, os santos católicos cultuados também na umbanda, médicos na antiquidade, e a quem a crença popular atribui poderes miraculosos e curativos.

Mas esse ano as crianças ficaram de dieta. São diabéticas? Não, a Igreja Evangélica e sua esmagadora maioria de seguidores acha que são doces do demônio.

Quem disse que o demônio quer doces? Onde está este pedido? Alguém o entrevistou? Alguém já avisou ao coisa ruim que doce engorda?

Por favor, caríssimos. O Rio de Janeiro, Zona Norte a Zona Sul, sempre curtiu seu saquinho. Eu era menina pequena, meu pai trabalhava no Centro da Cidade, e ele voltava para casa dia 27 de Setembro cheio de saquinhos. Era açúcar por todo o lado. Fartura de jujuba e paçoquinha, maria mole, doce de leite, doce de abóbora. A faxineira de minha casa trazia os seus saquinhos, tinha muita pipoca doce, e era uma delícia.

Minha mãe, católica apostólica romana, que foi criada assistindo missa em latim com o terço na mão, distribuía saquinhos de Cosme e Damião bem recheados aos vizinhos, e todos recebiam com o maior sorriso no rosto. As guloseimas eram separadas com cuidado para não faltar para ninguém.

Na zona norte então, a festa era mais ampla, mais ao ar livre, a distribuição das delícias pelas praças, pelas ruas, bem ao gosto brasileiro: à vontade.

Mas inventaram o não, em rede nacional. Não pode. Não deve. Deus não quer isso, Deus não quer aquilo. Repito: alguém tem essa procuração? Alguém foi eleito porta voz? Por quem, caríssimos?

Não devemos cultuar o demônio. Qual? O dos saquinhos? Ou o demônio ganancioso que leva montanhas de dólares fiéis para seus cofres?
Ou o demônio doido que temos dentro de nós e que não está nem aí para paçoquinhas, quer coisas mais pesadas?
Ah, tem também o demônio que quer dízimos, terças partes, metades. Carros. Apartamentos. Noitadas.

Não vamos acabar com as tradições brasileiras. De uns cinco, seis anos para cá, vejo muita gente (gente que avisa: sou cristão) renegar festas caipiras, bailinhos infantis de carnaval, presentes de Natal, ovos de páscoa, saquinhos de São Cosme e Damião. Não são de Deus, afirmam.
Ah, não são de Deus. De quem são, por favor?
Cadê a lista dos pertences do Senhor?
Moisés, nos acuda. Deus enviou-lhe as tábuas dos dez mandamentos.
Consta que não pode dar saquinho de doce, uma vez por ano, para crianças, em sua maioria pobrezinhas?
Tem certeza? Vale a pena tal privação? Que mal fará para uma criança um pé de moleque? Não pode também usar vestidinho de caipira? Fantasia de bailarina? Uma serpentina, uma marchinha?

Temos cabeça e coração.
Temos cabeça para criticar e coração para querer.

A palavra do homem não privar-nos de alegrias assim inocentes.

O que se sabe é que ninguém ficou pior porque comeu doces de São Cosme e Damião, tampouco porque os deu. Ninguém tornou-se mentiroso ou corrupto porque foi a um bailinho vestida de cigana ou dançou uma quadrilha. Mas conheço muita gente que se corrompeu jurando por Deus.

Atenção a adesão às causas proibitivas. Atenção àqueles a quem todos obedecem tão prontamente. Desconheço argumentos legítimos para imposições taxativas, em massa, para massas. Argumentos com essas características levaram nações ao holocausto.

Ninguém há de me convencer que o saquinho é do demônio.
O demônio está em muitos lugares, a maioria deles invisíveis. E, longe, muito longe, dos prazeres inocentes e dos corações generosos.

E digo mais - quero o meu saquinho. Lotado, açucarado, melado. Nenhuma paçoquinha há de me levar para o inferno, tenho certeza disso.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

O forte a ponta o porto o norte

Ventos Oportunos


Ponta do Forte Posto 6 - aqui o vento é mais poderoso e o mar é maior


"Os romanos tinham, na Antiguidade, o hábito de dar nome aos ventos.
E um vento que eles apreciavam imensamente, que levava o navio
em direção ao porto, chamava-se op portus.
Daí vem o nome oportunidade, o que te leva em direçao ao porto."
(Mario Cortella, em "Qual é a tua Obra?")



O mar é a pele molhada e salgada da Terra.

Há um Forte que espeta longamente o mar,
como a querer romper sua membrana azul.

É um braço longo esticado mar a dentro.
Braço inabalável, imóvel, inflexível,
suportando ondas e peixes e canhóes.
ressacas
passeatas
tufões.

Erguido sobres pedras crespas
encrustradas nas profundezas,
o Forte é forte fortaleza,

as pedras que o suportam poderão ser implodidas, explodidas,
mas jamais removidas.
Nunca sairão do lugar, a não ser destruídas.

Acomodei-me na ponta do Forte, onde a pedra mais dura fura a pele do mar.


Estrondos.
Mar bravo batendo pelos dois lados de mim,
à direita, à esquerda,
batendo nas pedras perto de mim.

Ao redor e por cima de mim,
maresia
sem bússola procurei o norte
encontrei o vento
o frio
senti presságios de boa sorte

Pensei no vento que levam os navios aos portos
os ventos oportunos
Pensei no Forte como um porto
E no porto como porta
na porta como entrada

como passagem saída caminho destino opçao

Adentrei.

O Forte como um Porto
Teu beijo como o Porto
e resolvi aportar.

Vim aproveitando o vento para navegar
mar afora, terra à dentro

Para aceitar o convite do vento
empurrando meu coraçao como um farto navio
para dentro de seu coraçao de pedra e mar.


Na mureta histórica que divide terra e mar

sábado, 24 de setembro de 2011

Viu o Fio

Rio

tudo está por um fio

Um fio de luz


Cada terráqueo adulto

Precisa, no mínimo, de três fios.

O do carregador do celular

O do plug do computador

O do microondas.

Temos os fios todos elétricos em nosso lar - ar condicionado, tv, geladeira, fogão.

Telefone sem fio, com o fio da base

além da internet sem fio, quer dizer, mais ou menos - se a bateria acaba, tem que espetar um fio.

Os espiritualistas dizem que o corpo está preso à alma por fios de prata

que se romperão horas após a passagem pelo túnel da morte.

E os espanhóis explicam que os hábitos sáo fios. Com os anos, tornam-se arames farpados.

O louco do Zé Celso Martinez pratica no palco o fio terra.

Cientistas acreditam que o universo esteja suspenso por fios invisíveis

E os religiosos, que o Senhor tenha mãos hábeis para conduzir o equilíbrio.

Há momentos em que tudo está por um fio,

Se for fio de aço, fique tranquilo.

Um fio de calda para o ponto do doce,

um fio de alma para os desumanos.

Um fio de luz na escuridão.

Quem irá cortar os fios que machucam os punhos dos encarcerados,

e libertá-los?

Sim, porque todo fio começa ou termina numa parede.

Fios de ouro e aço, em anéis de compromisso, podem virar algemas,

E poucos, muito poucos tem a chave da verdadeira liberdade.

Não há mais fio que prenda-me,

desconectei-me.

Fugi para dentro de mim,

onde náo há tempo de duraçao contado para o fornecimento de energia

nem mau contato

nem liga desliga nem toca silencia apita esquenta esfria

nem alarmes alardes avisos luminosos

nada disso.

Cortei, com tesoura afiada, os fios duros que prendiam minha circulação.

E retomei o fio da meada.

E por isso tenho hoje um fio de esperança.

Um fio d'água nesta terra seca.

Irrigando devagar o chão que tinha virado poeira.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

O abraço

Rio

Ressurreiçao

Arpoador


O abraço da infância


Hoje fui a um compromisso muito triste. A missa de sétimo dia pelo falecimento de uma senhora muito, muito especial para mim, mãe de uma de minhas amigas de infancia.

Recebia-me em sua casa com amor e carinho; sua casa era meio minha também. Conversas, paparicos, comidinhas preferidas.
Sentia-me refugiada, acolhida, compreendida.

Anos a fio, transformaçoes a fio, conselhos, brincadeiras, passeios, ensinamentos, ensinamentos, ensinamentos. Amizade.

Fui muito amiga de suas filhas, da mais velha e da menor.

A mais velha, ídolo, musa, professora de etiqueta, maquiagem, estilo.

Eu a reverenciava.

A menor, éramos como irmãs. Na infância e primeiros anos na adolescência, fomos inseparáveis. Confidentes, parceiras, unidas. Não havia festa sem ela, estudo sem ela, bolo de laranja sem ela, pipoca sem ela, praia sem ela, cinema sem ela.
Não havia assunto sem ela.
Na alegria e na tristeza. Juntas.

Mas vieram os anos seguintes, de colégios diferentes, faculdades diferentes, destinos diferentes.

Os anos passaram sem que eu tivesse contato com ela. Notícia aqui e ali, uma foto em revista, em notícia, em Tv, em Jornal. A mesma menina bonita, comportada, reservada, agora bem sucedida, e ainda mais elegante, altiva. Nas fotos demonstra discriçao e firmeza, e suavidade. Tem o phisique du role de uma Kate, uma Letizia, uma Victoria, uma Charlene.

Fui ao ritual católico da póstuma homenagem a sua mãe. Náo sabia como a companheira de estripulias me receberia. A mais velha sim, eu sabia, é uma festa encontrá-la volta e meia em Ipanema. Encantadora, exuberante, passional. Fez questáo de minha presença, e eu sabia de seu abraço.

Como a minha parceira de levaduras me receberia neste momento de dor? Talvez com um aceno, um beijo simples, uma formalidade.

Nada disso. Foi ela a primeira que encontrei na Igreja. Nos vimos e nos reconhecemos no primeiro minuto.

Abraçou-me imediatamente. Chorando, eu disse que gostava muito muito de sua mãe. Ela disse - Ela também gostava muito, muito, de você.

Um segundo depois, ela falou, a voz embargada, emocionada: Tempos Felizes.


Outro abraço, sentido, demorado, sincero.

Sim. Emocionada estou eu. Neste momento de tristeza, sinto que vivo um tempo feliz. O tempo de hoje, em que pude levar-lhes meu abraço.

Trilhei o caminho do coração, e foi-me permitido estar com elas neste dia, e mostrar-lhes que a dor delas é minha também.

Neste abraço de amiga eu recordei, grata, nosso convívio tão especial, ao longo de anos tão especiais.
Anos orgulhosamente lembrados. Saudosamente lembrados.

E pude matar a saudade que senti, todos esses anos, da minha querida amiga de infância, que o tempo e a vida levaram para tão longe de mim.

Apareceu a Margarida

Rio de Janeiro

Copacabana esta semana o mar sou eu

Quem diria?


Todas as empresas tem regras, e naquela empresa uma das regras proibia relacionamento amoroso entre os funcionários.
Podiam passar o dia inteiro juntos,
almoçar,
lanchar,
tomar cafés.

Podiam trabalhar até mais tarde.
Podiam receber elogios e desafios juntos.
Dividir trabalhos, dificuldades, vitórias.
Confiar uns nos outros, contar uns com os outros.
Podiam amparar-se mutuamente.

Mas relacionamentos amorosos náo podia náo.

Ora ora ora. Quem pode impedir uma mulher de ter um relacionamento amoroso? Ninguém.

Nem a Constituição Federal.

Impedir tal evento só o sortudo rapaz desejado. Afora isto, é inevitável.

E náo evitou-se.

Entáo podia e havia e tinha relacionamento amoroso sim.

O rapaz, sortudo, desnorteado, enlouquecido, viu-se entre a melhor mulher que pisou no seu pedaço e um emprego. Bem, emprego se arruma, mas uma moça dessas, ele, meio esmirradinho, meio franzinho, outra dessa ele náo arruma náo.

Ficou com a mulher.

E com o auxílio da internet jogou o romance no ar. Apareceu a Margarida, olê olê olá.

Infrigiu a regra a seu favor. Golpe de Mestre - enquanto segredo, romance apimentado. Senhores, a rebeldia e a transgressão temperam um beijo com o sabor dos deuses. Com o romance revelado, no auge do calor da coisa (sempre há um momento desses, em que queremos gritar aos quatro ventos nosso amor. Mas calma. O momento passa, e talvez o amor também), foi demitido.

Certamente arrumará outro emprego, e brevemente. No Brasil, até os mais comprovados incompetentes estáo bem empregados, por que esta alma apaixonada teria outro destino?

Saiu da empresa com fama de galã. Devia ter algum borogodó misteriosos.

E encheu o bolso com todas as verbas rescisórias e indenizações que o sistema trabalhista garante aos desligados por iniciativa do empregador.

De quebra ficou com a moça, encantada com sua coragem e rebeldia.

Saíram em lua de mel. Aliviados, livres, possíveis.

E dizem que precisamos seguir as regras.

Caríssimos, eu quero mais é que as regras se danem.

A dor de dente

Rio de janeiro

Arpex


só quem teve dor de dente sabe o que é



Meu dente doía.

Fui ao dentista - é canal.

Tratei.

A dor continuou.

Fui a outro dentista - ah, o canal náo foi tratado como devia.

De novo. Tratou.

A dor prosseguiu.

Tirou-me o sono.

Incomodava todo o dia.

Eu já quase náo sorria.

Dias difíceis.

Tive que arrancar.

Qual dente?

Aquele, a que apelidei de Amor.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Não é só bobagem

A novela das Sete
Morde, beija
Quer, náo quer
Assopra, junta
Separa


Náo é novelinha náo

Pasquim e Adriana, na pele de Abner e Julia

A novelinha das sete parecia-me isto: novelinha. Besteira, bobagem, vamos achar engraçadinho e bobinho.

Esta é a era dos enganos. Enganada de novo. Bobagem nenhuma. A ficçào está assim ó com a verdade dos fatos.

Os casais - e são muitos - passam metade do tempo brigando, metade do tempo voltando, e se outras metades houver, passaráo indecisos, impulsivos, ofendidos, manipuláveis e... infelizes.

Eita novelinha para casal nenhum emplacar. Armações, suposições, engodos. Caso pensado ou acaso mesmo. Terceiros invadindo o astral de romance. Infelidades de bom coraçao, quase inocentes. Flagras. Tudo dá errado com os pombinhos das Sete, e náo dá para comentar sobre todos. Seria preciso uma monografia.

Escolhi o que pareceu-me mais representativo. Náo, náo é o dos geniosos protagonistas acima. As brigas deles tem o tempero da dominação. Esfolam-se, mas náo titubeiam. Bem sabem que se gostam.

Escolhi um trio - a mocinha, o padre e o delegado - cujos empecilhos estáo mais no campo do querer propriamente dito.
Melissa (Marisol Ribeiro) se encontra com Francisco (Erom Cordeiro), após mentir para Wilson (Max Fercondini), e deu-se o embroglio

O padre Francisco é jovem e belo. Indeciso entre os votos de castidade e a tentação do amor que sente pela paroquiana Melissa, náo conseguia dizer sim, e nem náo. Hesitante e dividido.

Ela náo. Melissa náo tinha dúvida nenhuma, até que o padre afirmou estar em dúvida. Afastou-se dela e da paróquia, para refletir.

O delegado, lindo, louro, viril, gentil, este náo hesitou. Partiu para a mocinha. Seu recato o incentivou, é táo bom conquistar. Ela cedeu e ficaram noivos. Que ótima oportunidada para esquecer o padre e constituir sua família, ao lado de um ótimo maridinho.

O padre volta. Ela recai. Quer beijá-lo. O delegado vê. Desconfia dela.

Basta,né?

Sabe-se lá que fim dará. Precisamos da entrada em cena da certeza, ou da decisáo, ou da coragem, ou da renúncia, ou da opçao. Da definiçao, invulnerável, irredutível que reorganizará este roteiro.

Precisamos do elemento que empurra o Amor para frente - a escolha.

Senão, ficamos assim, em círculos, como no Morde e Assopra.

Senáo a história náo chega ao fim e o Delegado náo casa, a Mocinha náo tem lua de mel, e o Padre náo é padre nem moço solteiro.

A coragem, senhores, vem da certeza. Sem coragem e sem certeza náo há Amor, e sem escolha náo há como saber se há certeza. Se há, ou náo há, Amor.

Ou se tudo é brincadeira do Destino. Ou se sáo nossas as mãos do Destino e brincamos de marionetes, uns com os outros.

Escolhamos um par,e sigamos. No ritmo. Essa coisa de hoje sim, hoje náo, posso sim, posso náo, quero sim, quero náo, vou ver, náo sei, sei lá, náo consigo, náo entendo, melhor náo, porque, pois bem, entáo deixa, isso nem em novela aguenta-se.

Como vemos isso mundo afora. Permissivos, entre os prazeres e os medos, deixamos a coisa seguir, e segue assim - enchendo e esvaziando. Gostando e negando. Querendo e dispensando.

A vida real náo é assim? A novelinha das Sete náo está mais para "A vida como ela é"?

Enxergar

Rio
Sei lá mais onde

Vamos enxergar... aos pouquinhos... cada um a seu tempo


Queixo-me tanto, e por vezes acho que estou ficando impaciente, irritada.

Engano. Antes assim.

Não parece-me possível que certas pessoas estejam sempre satisfeitas; estas criaturas sorridentes e cantantes a quem o mundo agrada por demais - há algo errado aí. Iludem-se.

O mundo, caríssimos, é injusto e cruel. Precisamos percebê-lo assim.

Deixe doer. Tenha a honra de inconformar-se; impulsionará seus pés para terrenos mais firmes, para o terreno das conquistas verdadeiras, construídas sobre a realidade.

Se náo enxergarmos os problemas, eles crescem. Tomam conta do solo e subsolo da vida. Sobem como a hera no muro.

Problema é coisa peculiar, que precisa de sigilo para crescer e multiplicar.

Quando exposto à luz, parece minguar. Sei lá, parece que ao ar livre seca, murcha; do contrário, às escondidas, aumenta. Forte e invisível a olho nu.

Sim. Cada vez que tentamos náo enxergar, náo incomodar, não reagir, alimentamos os problemas com a vitamina da omissáo.

Deixe o olho arder. Incômodo preço do movimento, coçar, agoniar, chorar. Lacrimejar e expulsar as inconveniências de nossa vida, tal como a lágrima expulsa o cisco. Neguemo-nos, terminantemente, a conviver com o que é ruim.

Olhos que só vêem justificativas e esperança, são os olhos dos enganados. Esses olhos náo servem de guia. Não vêem o mal do Homem, o mal que é nosso, está no sangue e na carne, por dentro. Precisamos de olhos atentos, de Raio X, e sugiro começarmos pelo nosso próprio umbigo.

Olhos abertos para o que está debaixo do nosso nariz.

Não reclamemos dos que os olhos vêeem. De fato o mundo é injusto, cruel, e doloroso.

De fato o Homem é sábio, generoso, corajoso.

Poderá mudar o mundo?

Não.

De olhos abertos e alertas, poderá mudar a si mesmo.

domingo, 11 de setembro de 2011

Sunday Bloody Sunday

Day After
Sunday After Sunday


Horas como gotas


A Biblía diz que devemos guardar os domingos para Deus.

As famílias costumam reunir-se aos domingos.

Para a galera da nigth, domingo é o dia da ressaca.

Para os pombinhos, dia de ficar abraçado na cama até mais tarde,

almoçar tarde,

náo sair da cama.

Para os atletas, dia de um treino mais puxado - pedalam mais kilômetros, correm mais longe.

Para os pais separados, é dia de ver os filhos, para alegria ou alívio da consciência.

Aos estudantes esforçados, é tempo para colocar o aprendizado em dia.

Para todas as qualidades de gente há algo a fazer aos domingos, ainda que nada.

Ainda que seja um dia para a preguiça, para muitos é a preguiça a ocupação lânguida do domingo. Deliciosa preguiça, aguardada, reconfortada.

Mas náo para a raça dos solitários.

Para estes o domingo é cruel. A preguiça é abandono.

As horas passam desconfortáveis.

Seu estigma é mais vísivel, sua chaga mais aberta.

Sua dor é mais doída e a indiferença alheia é mais sentida.

Os outros estáo mais surdos aos domingos.

Domingos arrastados para os que amaram sem sucesso, sem retribuição.

Para os que não receberão visitas ou telefonemas.

Ou convites. Ou pedidos.

Olham ao seu redor, atônitos, vazios de si, vazios do mundo habitado; a paralisia é maior, a vida é maior, o silêncio é maior.

Pode haver um churrasco no vizinho, mas há silêncio.

Estão sós a sós.

Dormiram sós, acordaram sós, vivem sós.

Passarão pelo dia devagar e previsível como a gota pingando da pia mal ajustada.

Incômoda, repetida gota, irritante gota.

Incômoda

Incômoda

Incômoda

Incômoda

Incômoda

Incômoda

Incômoda

Incômoda Vida

Alma Imoral

Leblon


É fundamental Ser Imoral

Clarice Niskier, óraculo dos deuses, em A Alma Imoral
Baseado no livro de Nilton Bonder
Direçao de Amir Haddad



A amiga mais transgressora que tenho leu esse livro. Náo sei se leu o livro e foi incitada por esta leitura a avançar no campo das transgressóes, ou se o campo das transgressóes fomentou a leitura do livro.

Disse-me: " você precisa ler". Náo li.

A segunda amiga mais transgressora que tenho leu esse livro vinte vezes e viu a peça dez vezes.
Disse-me: "Hoje você vai a peça." Adoro que mandem em mim. Fui.

Vi o óraculo dos deuses, e chama-se Clarice Niskier. Clara como a brancura simbólica de seu corpo mortal, clareou minhas idéias. De suas máos nasceram gestos, pequenas danças, volteios, pequenos pássaros. Máos e braços hipnóticos, como cobras, como rios, como serpenteios, como flores que nascem, desabrocham, orvalham, descansam. Màos vivas.

Entre gestos assim envolventes, ouvi sua voz, e dela ouvi a voz do Rabino Bonder.

Pausa aqui. Seríssima pausa. Assisti, ano passado, a uma cerimônia de Bar Mitzvah, a celebração do aniversário de treze anos dos meninos judeus e a confirmaçao do conhecimento religioso adquirido pelo menino. O rabino Bonder presidia a cerimónia. Encantei-me com sua inteligência, seu carisma, sua presença, a sabedoria de suas palavras. O agradável tom de sua voz. Vi nele um Homem religioso de alta formaçao intelectual. Admirei-o. Queria ir a seu encontro, olhar os seus olhos de perto, falar com ele, ouvir mais, estar mais, aprender mais. Confesso: comportei-me a custo. Náo fui.

Sigamos. Na peça o autor Bonder mostra que é um filósofo, conhecedor profundo das entranhas da alma humana, um cientista da alma humana, que ele classifica como Imoral. Imoral mesmo - aquele que acomete contra a Moral.

Bonder tem por trunfo de defesa de suas teorias nada menos que a história da humanidade. Foi nossa imoralidade que tirou-nos da escravidáo e mediocridade, conquistando a liberdade e a plenitude.

(Prossigo compulsivamente)

Náo posso abdicar da honrosa oportunidade de dividir com vocês, caríssimos, a revelação de sua teoria: o ser humano tem alma, e náo é a alma boazinha que nos ensinaram.

A alma é imoral e náo é errado sê-lo.

O ser humano, séculos afora, afrontou e pisoteou as bases morais da tradiçao.

Divididos que somos entre o que é correto e o que é bom, seguimos tentados pelo prazer até que tomemos uma decisáo entre a tradicáo (passado) e a traiçao (futuro).
Reduziremos a pó os ditames legais se preciso e desejado for: O bom-incorreto tem dias contados - ou se torna bom e correto, ou simplesmente se torna mau.


Valores e sentimentos precisam estar no mesmo lugar, mas originalmente náo estáo. O homem seguirá nesta tensáo, equilibrando-se e desiquilibrando-se entre o ponto dos valores para o ponto dos sentimentos.

Até que faça sua escolha e trilhe seu caminho.

Se obedecer à moralidade imposta, o indivíduo estará preso a um contrato de conceitos ocos e infrutíferos, que só a sinceridade de seus sentimentos poderá renovar.

Isto é assim, sempre foi, e sempre será.

Espanta-me que tal teoria, desafiadora, e em si mesma transgressora, tenha partido de um rabino, a quem acreditamos ser de especial dever zelar pelo cumprimento das tradiçoes. Zelar pelo seguimento às regras.

Espantei-me por equivocar-me. O rabino, em seu texto encorajador, revela o milagre da sobrevivência - a desobediência inteligente e inovadora das regras sociais, a fim de que vivamos com consciência e dignidade.

Sob este ponto de vista, é fundamental desobedecer e ser Imoral. As escrituras provam. A linguística prova. Os conceitos precisam ser aprendidos pelos seus contrários.

Eu provo que sua teoria está perfeita. Toda vez que enquadro-me à regras desfavoráveis a mim mesma, eu me traio. Sinto o desconforto da consciência culpada.
Se me castro, me traio. Se me engano, ou a outros, traio-me e traio outros. Se corrompo-me, traio-me. Se cumpro ordens cruéis, traio-me.
E volta o desconforto.

Se abandono a Bettina crítica para ser a Bettina adequada e silenciosa, traio-me.

A adequaçao à moldes que náo os de minha alma sáo a maior traição que posso cometer.

Encontrarei com isso uma imensa solidáo, pois nada, nada nada, diz a deusa, nada é pior que a solidáo de si mesmo.

A Clara Luz do Rabino fecha com a parábola do Rab Súcia, cujo único temor ao fim de sua vida é que o Tribunal Celeste possa julgá-lo por náo ter sido Súcia.

Temo então por mim.

Temo que eu mesma pergunte, que eu mesma julgue e que eu mesma me condene, por náo ter sido, inúmeras vezes, Bettina.

Nilton Bonder, Revolucionário da Alma

sábado, 10 de setembro de 2011

O Negro Jazz de Mr. Branford

Rio

Leblon

I wanna jazz with you

All nigth

Branford Marsalis, sax premiado mundo afora - chique que só ele

"O Branford Marsalis Quartet é integrado por Branford no sax, Joey Calderazzo ao piano, Eric Revis no baixo e Justin Faulkner na bateria. Marsalis teve seu talento reconhecido por uma infinidade de prêmios, entre os quais se destacam um Grammy e um NEA Jazz Master. Um dos instrumentistas mais reverenciados de nosso tempo, ele lidera um dos melhores quartetos de jazz em atividade." (O Globo)



Branford Marsilis é um monstro do sax.

É um monstro do Jazz.

Veio com sua banda ao Rio, hospedaram-se no Copa, e apresentaram-se no Oi Casa Grande. Trata-se do Jazz All Nigths, projeto patrocinado pelo Bradesco e pela Citroen, que trouxe seu quarteto para o Rio e para Sáo Paulo, e trará outros monstros maravilhosos para o deleite dos brasileiros.

Coisa de gente muito fina. Coisa de quem curte jazz.
Coisa de quem conhece boa música.

Fui. Náo sou muito fina, mas curto jazz e amo a boa música.

E acima, e além, e por sobre, e em luzes neon, amo ver um negro em seu utmost.
Em seu auge profissional. Ainda mais um negro norte americano, terra de Obama, terra dos racistas da Klux Klan. Vibro com a vitória racial. Preconceito inverso.
Melhor. Todos somos preconceituosos com alguma coisa, que seja entáo, na forma inversa: o reconhecimento.

Mr.Branford entra no palco com a nobreza dos experts. O fair play dos que levaram anos preciosos e horas preciosas cultivando a técnica e a precisáo. Move-se com o despojamento dos exímios. Seus sax - tenor e barítono - sáo mais dourados. Sao mais dançantes, mais alarmantes.

No som de seu quarteto há blues, pitada de blues, pitada do lamento do sul dos Estados Unidos. Há muita música clássica, européia, matemática quadrada dentro da bolha flexível do jazz.
Vitória do improviso absurdo, da brincadeira, da possibilidade do artista de voar em solo, amparado pelo piano vibrante de Joey Calderazzo, pelo belíssimo cello de Eric Ravis e pela bateria furiosa de Justin Walker. (Meu irmáo é músico. Diz que quando um baterista é bom, é um relógio.) Ai, irmáo, perdáo. Esse Justin, jovem jovem de todo, náo é relógio, previsível e compassado. É uma locomotiva, e vem abrindo a estrada para o sax de Branford.

Quantos anos uma criatura precisa para atingir esse ponto? Ponto de luz.

Seu sax náo emite só notas perfeitas. Emite luz. O espectador tem insigths visionários assistindo Branford. Entorpece. Tudo ao redor parece de repente uma grande mentira, uma farsa. Uma irrisória irrelevância é o que somos, pasmos, diante da potência de sua música.

Tudo ao redor é pouco. No palco chique do Leblon chique do Jazz chique, eles fazem sacudir as cadeiras na maior classe. Só no terno e gravata. Vem de New Orleans, e vem trazendo a tradiçao do balanço musical. Há um gingar de ombros a delatar que nem eles resistem. O jazz, caríssimos, é a música do balanço.

Mr.Branford homenageou o espectador carioca com o seu talento. Inquietou-nos, pés e mentes.
Partimos em êxtase para a terra dos deuses.
Mas os pés ficaram, e todas as cadeiras balançavam, toda a noite ficou negra, e todos amávamos o seu jazz.

Mr. Branford at work


Justin Walker e sua bateria, impecáveis em balanço e precisáo

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Terezinha

Rio de Janeiro

Paquetá
1975, mais ou menos


Vocação



Era eu bem pequena.

Roliça e desinibida.

Meu avô, um anjo de avô, tinha uma varanda, pedacinho de chão, pedacinho de Paz.

Perguntou-me com sua voz que escuto ainda, voz rouca de fumante, voz mansa de avô - "- o que minha Bettininha quer ser quando crescer?"

Não hesitei. Com todas as letras de meu português ruim, eu afirmei: CHACRETE.

Risos.

Choque.

Preocupação.

O santinho correu para caprichar na minha formação. Colégio Católico, Ballet Clássico, Francês, Inglês.

Rigor dos bons modos e mão de ferro da minha mãe.

Mas dentro de mim eu ainda queria ser chacrete. Dançar dentro de collants de paetés brilhantes, coloridos, batons fortes. Rebolar.

Ah, Terezinha, eu queria parar o comércio.

Queria tocar a buzina.

Nada disso. O tempo passou. Adestraram-me. Aprendi boas maneiras, primeira comunhão, Socila de Ipanema. Fiz Direito, tive filhos. Empregos em empresas de grande porte, saia justa, blusa de botão. Óculos.

Sim, dancei um pouquinho, mas não foi de collant de paéte. Aliás, collant hoje é chamado de body. Usei, no máximo, uma camiseta de lurex.

Mas dentro de mim, caríssimos, há a reprimida chacrete. A corista. A vedete.

A vocação persistiu por anos a fio e continuei infantilmente imaginando que devia ser um emprego ótimo.

Assim, sem ansiedade, encarnar aquela coquette que náo tem problemas em público. Náo tem olheiras, náo tem solidóes.

Não questiona ninguém nem é questionada.

Aquela que sabe dançar, rir, brincar. Anunciar o intervalo e sumir.

Reaparecer retocada, no salto.

Magra, incrivelmente em forma. Disputada pelos bonitões.

Rodeada por elogios, paparicos, flashes.

Aplausos, zooms, cachês.

É,foi-se.

Não dá mais para ser chacrete.

domingo, 4 de setembro de 2011

Lagoa, by nigth

Lagoa Rodrigo de Freitas


Ao ar livre, tudo é mais bonito

Espie rápido, e fuja


Caríssimos, eu vi.
Eu vi e assustei-me. Surpreendi-me, e porque náo dizer, invejei.

Andavámos táo trajados e corretos pela Lagoa depois de uma pizza. Sim, a pessoa quer comer e náo quer engordar, entáo precisa comer e caminhar imediatamente após a pizza. Seguimos para a caminhada.

Há lugares onde o Rio é mais Rio. Mais convidativo ao encontro a dois. Ao Beijo Desavergonhado, assim mesmo em maiúsculas. A Lagoa à noite, com sua beleza nobre, em sépia e dourado, ladeada por Ipanema, Leblon, Fonte da Saudade, Corte Canta Galo, essa Lagoa Noturna Escura e Côncava chama para o tête-a tête.

Mas já não tenho a mesma desinibiçao de tempos idos.

Fomos convidados pelo cenário e pelo ambiente, mas declinamos com propriedade e prosseguimos em andança terapêutica e profilática.

Cantarolando baixinho, escutamos um farfalhar, um barulho de mato. Stopped. Tememos um assalto, algo assim, opçao prontamente descartada. O assalto que havia ali era outro - da ordem imperativa e indiscutível " - ENTREGUE-SE".

Então os vimos. Um quadro, uma foto, um flash. Um casal fazia amor à beira da Lagoa Rodrigo de Freitas.

Não direi o local exato para não atrair multidóes, mas era na Lagoa, era ao ar livre, e nem era táo tarde assim. Adolescentes? Náo, o casal náo era táo jovem assim. O homem tinha cabelos grisalhos, vi o belo perfil de sua cabeça, entre as mãos da mulher. Ele ainda tinha a camisa, que náo estava no lugar. Suas calças também não estavam onde deviam. Da mulher eu só vi as màos, enfeitadas por anéis que brilhavam, e as pernas, nuas, bem calçadas, enroscavam-se nas pernas despidas dele. Estavam em pé, pareciam um só, mas eram dois. Ele a beijava com a sede dos náufragos.

Fujimos desta cena. Não se sabe o que fazer num flagra, até mesmo se os flagrados são estranhos desconhecidos. Tive medo de que meu susto também fosse flagrado, como se eu estivesse errada por tê-los visto.

A coragem do casal revisita-me a cada instante. Seu despudor, sua vontade maior de provar do outro, esse náo resistir. Esse permitir. Imagino como vivem, de que vivem, se são namorados, amantes, casados, ou se conheceram-se naquela noite mesmo, e no impulso partiram para as vias de fato.
Se náo se veráo mais.
Pode ser que sejam desses casais que vivem entre tapas e beijos. Era uma cena passional, sem dúvida. Faz sentido que uma discussáo tenha antecedido o ato, e no calor da coisa beijaram-se. E beijando-se náo conseguiram parar.

Outra versão é a de tenham ido a uma festa animada. Pode ter sido no Clube Caiçaras, ou no Piraquê, ou em um quiosque da Lagoa. Tocados pelo álcool e instigados pelo contato que a dança proporcionou, deixaram o corpo falar. E o corpo falou alto, na verdade, gritou.

Essa cena combina com todas as histórias de amor que eu puder inventar.

Inspirou-me profundamente.

Tenho vontade de cantar Renato Russo, pois é mesmo preciso amar como se náo houvesse amanhá. Ele tinha razáo. Amanhã náo sabemos onde estaremos, o que faremos, o que estaremos vivendo. Mas se hoje estamos vivos e nos amamos, deixemos o amor falar mais alto que os padrões. Mais alto que os redatores do Código de Ética e de Conduta. O momento do desejo é precioso, valioso, é um desperdício náo vivê-lo em sua intensidade. O tempo passará por nós, passaremos pelo tempo, e o que diremos no último capítulo? Quero dizer que vivi.

O casal merecia um prêmio. Trouxe-me de volta a vontade de fazer loucuras.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

O irresistível convite ao adultério

Rio
Sorrio
Sorri

É, é assim, tenho observado

"Há homens que enxergam no casamento, uma oportunidade para o adultério"
"No adultério há pelo menos três que se enganam."
(Carlos Drummond de Andrade)



Por puro interesse científico, lógico, tenho observado o comportamento de pessoas comprometidas.
Homens e mulheres.

Preciso atualizar a afirmativa de meu adorado Carlos. Há gente que enxerga no adultério uma oportunidade para o casamento.

Sim. Ouvi com todas as letras do meu portugués ruim. A moça - é moça do sexo masculino, mas é moça para todos os fins em direito previstos - afirmou: "depois que comecei a escapar por aí meu casamento melhorou. Mesmo. Acho tudo ótimo, a casa ótima, a comida ótima, tudo é mais tranquilo que antes. Antes estava tudo muito chato. Tenho mais tesáo, trepo mais."

Ora ora ora, pensemos. A rotina é chata. Casamento é chato. Precisamos todos, de romance e de aventura, e náo de relógios e relatórios e permissóes. Dificilmente um casamento ou uma relaçao mais estável proporciona romance, aventura, e mantém elevada a libido.
Poucos são os casamentos que se mantém por suas qualidades,tão necessárias quanto essas aí da linha acima. Fulana tem um bom casamento, o marido é alegre, gentil, companheiro. Apóia, ótimo pai, ótimo genro. Vivem juntos. Tem lá suas coisas, mas é muito querido. Há quanto tempo náo ouve isto? Há muito, certamente. E se ouvir, creia. O cara é assim táo bom porque tem uma amante.

Para alguns é preciso um terceiro elemento. Uma terceira criatura que vai alegrar seus pensamentos. Que dará o calor necessário para o corpo sentir-se mais confortável e aquecido diante da frieza do dia-a-dia.

Para quebrar a sucessáo repetitiva do cotidiano, sem surpresas, sem rompantes, sem palpitaçoes. Sem música.

Escutei outro depoimento, agora vindo de uma mulher mais madura, casada há vinte anos. Ë táo somente a outra face da mesma moeda: " - ah, sexo eu tenho com meu marido. O que quero é passear, conversar, ver gente. Sair, me arrumar. Meu marido é muito caseiro, náo gosta de sair. Bom na cama ele é sim, mas cama náo é tudo náo. Esse garoto que conheci adora sair, passeamos, vamos ao cinema, ao shopping, boites."

Temos aqui o inverso. A intimidade é boa, o ruim é o convívio social. Ela quer tudo. Quer a cama com o marido e os passeios divertidos com a turma do namoradinho.

Eita. Assim náo vai dar gente. Queremos tudo e estamos tendo. A questáo toda é essa: querer, sempre se quis. Mas nao se tinha, náo se podia ter, náo havia a oportunidade. Náo havia direitos a saídas sem o par. Náo havia alforrias äs quintas, ou as sextas.

Hoje as oportunidades abundam. Os quereres abundam. As vontades abundam. E a solidáo, álibi de toda a infidelidade, abunda. Justificativas de ingratidáo, de descaso, de diferenças afastadoras; permite-se buscar ( e encontrar) felicidade (mais) fora dos laços conjugais. A maioria dos casais é uma dupla na foto do orkut, no facebook e do porta retrato. Se houvesse a lente da verdade, certamente registraria mais indivíduos nesta mesma relação.

Casal de verdade, amor no coração, unidos na saúde e na doença, na alegria e na tristeza, com a tal da exclusividade, está difícil.

O amor virou uma grande conveniência - usufruimos o que convém, deletamos o que nao convém, e encontramos o que nos convirá mais, ou melhor, ou especificamente, em outros braços.

O amor, hoje, pode ser a três. Ou a quatro. Ou a cinco. Vai-se preenchendo com as figurinhas certas o álbum do coraçao. Ganha quem completar a página do meio: figurinha do sexo, figurinha do companheirismo, figurinha do lazer social, figura da admiraçao intelectual.

Eu? Náo. Ainda sonho com a fidelidade. Ainda acredito que uma única figura baste por todo o álbum.

Creio nisso, meu bem, toda vez que me sorri.