quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

O Banco do Marido

Marido é marido em qualquer canto
Namorados são diferentes
ìndio mulato preto branco
Namorados são diferentes
( Parafraseando o genial Arnaldo Antunes)

     

                     

O objeto desta conceitual discussão não é o banco. É o marido. Mas fica a ilustração do banco mesmo, a fim de preservarmos o(s) envolvido (s).




Esta foi comigo mesma, e narrarei na primeira pessoa. Bastante ególatra essa classificação do pronome pessoal "eu". Primeira pessoa. As demais virão depois.

Enfim, egolatria ou solidariedade,  foi comigo, primeiríssima pessoa e segunda ou terceira esposa e milésima namorada de alguém. Por circunstâncias da vida, convivo com pessoas ( segundos e terceiros pronomes ) que não passaram por tantas experiências, e por formação sócio-cultural custam a entender que meus filhos são irmãos por parte de mãe, e tem outros irmãos, por parte de pai, No caso, especificamente, a figura rara e carimbada do meu porteiro. S,Lourival, resiste a este fato. Pernambucano de boa sepa, chegou ao Rio com uma panela e um rádio, e uma vez instalado na Rocinha, mandou vir a noiva. Há 35 anos. Não separou, divorciou, casou, ou teve filhos com outra que não sua mulher, no padre e no juíz.

Eis que pelos olhos de S.Lourival sou "largada do marido, coitada de D.Elizabeth." Há que explicar - eu e meus maridos largamo-nos mutuamente; não sou coitada, nem vítima, nem infeliz; e meu nome de batismo é Bettina. Tudo isso muito difícil de aceitar para o S. Lourival.

A cada relacionamento que inicio vejo o olhar de S.Lourival. Quando desço para sair, arrumada, salto alto, ele só falta se benzer. Posso ler seus pensamentos. "Mulher largada do marido é isto".

E já vinha eu num relacionamento estável. Quase três anos, número alto para nossos atuais amores líquidos que escorrem pelo ralo em muito menos tempo. Quase um marido, não é mesmo?

Muitas vezes ao vir me buscar, o voluntário do amor puxava uma conversa com o bom e velho S.Lourival, que na verdade, nutre um grande carinho por mim. Era o "namorado". Palavra meio suja, pronunciada rápida e baixo ao interfone.  Um sinal de alerta para uma fuga, talvez. 
" Seu namorado está aqui embaixo, d.Elizabeth". Incomodadíssimo.

Meu então namorado compra um banco. Um banco para ser usado quando se toca bateria. Um banco que não se compra para sentar, ler jornal, nada disso. Seu mundo era mesmo peculiar, seus objetos peculiares, e suas compras também. Nosso relacionamento peculiar mancando, rateando.
Pede ao vendedor do banco que o entregue em minha casa, mais fácil, mais perto. 
O vendedor, um amigo querido, entrega em minha residência, como combinado. Me avisa  " -  O banco está com seu porteiro. Avisei que é de seu marido."

Perfeitamente compreensivel dentro de sua ótica.. Pessoas da meia idade tem maridos, mulheres. Namorado é coisa de outra faixa etária.

Chego do trabalho e pergunto ao s.Lourival. " - O  banco?"
Ele diz "- Entreguei ao seu marido. "
Não titubeei. Liguei para confirmar.

Só que não, como está na pauta dos adolescentes. Só que não. Nada. Nada de banco.

Volto à portaria "- Entregou mesmo, s. Lourival?"
" - Entreguei sim, d.Elizabeth. Quando ele veio deixar o menino, levou logo o banco, que não gosto de nada ocupando espaço aqui na portaria"
" - Que menino, S. Lourival?" 
" - O seu menorzinho".

Lascou-´se. S.Lourival entregou o banco para o marido errado. O Ex. O Pai do Caçula.
O banco passeando pelo Rio de Janeiro, pelos entendimentos misóginos desta criatura - marido é quem é pai de filho. Meu Deus. Eu tenho dois filhos, um de cada pai. Teria portanto, dois maridos? Lá vou eu atrás do referido ex.

"- Pessoa, você recebeu um banco?"
"_ Sim, Maior banco maneiro. Obrigadão. Adorei. Show"
Cai a ligação.
Socorro. Por que, Senhor, eu daria um banco a quem quer que fosse??? Banco agora é presente????

Consigo esclarecer o marido pelo não marido, e o banco chega ao seu devido destinatário;
tive que ouvir, calada, do ex: 
"- Quem manda? Cheia de marido, isto é que dá"

Trata-se de uma grande, grande injustiça.
Marido é quem amamos, de corpo, alma e coração.
Marido é quem divide nosso sonho, quem faz parte de nossas orações, quem muda nosso texto, nosso fundo musical, quem muda nosso olhar para esse mundão de meu Deus.
Marido é um privilegiado, amado além dos defeitos, e desejado além do corpo.
Bem vindo, aguardado, preservado.
Marido é o sortudo, o escolhido, o abençoado.
O que abençoa a vida com sua presença.

Esclarecido este conceito, vejo que o banco permaneceria sem destino, não fosse a força do negócio fechado.  A etiqueta "marido" já tinha descolado de um, há tempos, e também não segurava no outro.
Valha-me a nordestinagem preciosa de S.Lourival.
Nem eu sabia quem era meu marido, como ele ia saber....


3 comentários:

  1. Delícia de texto.
    Dando risada, porque a experiência é muito parecida e na portaria tenho também 4 "irmãos" do Sr.Lourival.
    Sendo mais velha que você a coisa se complica na cabeça deles pois não entendem que uma viúva, divorciada, mãe de filho adulto possa ainda namorar e ser muito feliz. rsrsrsrs
    Para evitar contratempos, não receberei encomendas de bancos!

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  2. Querida, isso mesmo!!!! Nada de bancos!!! Encomendas só nosso nome.
    E vamos de beijo!!!!

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