domingo, 13 de maio de 2012

O Filho Eterno

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 O Filho Eterno






"O Centro Cultural do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro retoma o programa Teatro no Palácio e recebe o premiado espetáculo “O Filho Eterno”, da Cia Atores de Laura. A montagem, que tem direção de Daniel Herz e atuação de Charles Fricks, é uma versão para os palcos do livro homônimo de Cristovão Tezza, com adaptação de Bruno Lara Resende. As apresentações acontecem até o dia 30 de Maio, sempre às segundas, terças e quartas-feiras, às 19h, e têm entrada gratuita."


Caríssimos, estive por lá, no Centro do Poder Judiciário. Adentrei assim, plena segunda-feira dia útil, pela atmosfera histórica do Centro Cultural do Poder Judiciário do Rio de Janeiro para testemunhar. Desci às antigas celas, onde, em outros tempos, os acusados de crimes contra a vida aguardavam seus julgamentos e sentenças. Os tribunais do júri perduravam durante dias, e os réus ficavam alojados ali. Há ainda pelo ar um peso de gravidade, de subterrâneos, de expectativas, evidentemente suavizado pelo banho de cultura.
A cultura modifica qualquer história pregressa, caríssimos.

 Confesso que o tema do livro que deu origem a peça não me atrai. Não curto quando a arte versa sobre doenças, muito menos doenças infantis, e graves, como a síndrome de Down. Pronto, assustei meu leitor. Afirmará, que sou preconceituosa e desatualizada, e que a síndrome de Down não é uma doença. Perdoem-me caríssimos. Paremos com isso. Down não é doença, amamentar é maravilhoso, e a maternidade sempre vale a pena. Essas afirmativas sim, trairiam meu compromisso de ser reta e sincera com meus pensamentos. Ponto. Quem achar o contrário, páre. Cada um tem uma pele e um coração, e sente frustrações e medos de forma bem diferente da mostrada pelas campanhas inteligentes de publicidade. Cada um tem seu cansaço. O pai de um tricrossômico será um eterno cuidador. Ter um filho Down, ou portador de necessidades especiais, agrava as muitas dificuldades da maternidade, da paternidade e da educação. Tenho filhos. Não é fácil com crianças com total capacidade de desenvolvimento e aprendizado. Vamos acabar com a demagogia. Hoje é dia das mães, e eu digo: criar e educar é missão das mais difíceis.

 A arte sempre dá um jeito. Charles Fricks ganhou o prêmio Shell de melhor ator, e não foi à toa. Sozinho com sua luz, com o cenário de uma única cadeira, ele é a encarnação do Teatro da Interpretação, onde o ator, munido de um texto espetacular, absolutamente humano e rasgadamente franco, dispensa, soberano, qualquer outro acessório cênico. Monólogo? Não. Os outros personagens estão ali, mas são transparentes; existem, não tem nome nem forma visível, mas estão ali, pelos gestos do artista. Berçário, escola, carro, sala de estar, pracinha, médicos, diretoras, esposa, vizinhas. Reais e imateriais. Concebidos pelo ator, da ponta dos seus dedos ao cabelo molhado. Escancara sob nossos olhos absortos a dor, a decepção, e o esforço da aceitação de ter um filho Down, educá-lo, criá-lo, não deixar que se perca, que adoeça, que engorde. Fazer com que viva, pelo tempo que puder, o mais dignamente que puder.

O autor e o ator são corajosos, talentosos, e trouxeram à tona o que a mídia quer disfarçar, temendo o abandono destas crianças nas instituições públicas. E eu aplaudo de pé. Saudações, aos que tem coragem, como diz Frejat. A peça podia ser rejeitada, pois vai contra a corrente do politicamente correto. O politicamente correto é uma grande falseta. Existe obrigação em ser correto e em respeitar o próximo, suas necessidades, suas características. Independe quais sejam. Não é mérito nenhum. Outra idéia comumente aceita, e que venho aqui condenar, aproveitando o ambiente em que me encontrei, é a de que os Centros Culturais oferecem ótimas programações gratuitas. Não são gratuitas. Estão pagas, bem pagas, pontualmente pagas, pelos nossos impostos. Nada mais justo que ofereçam tudo de bom que tem nos oferecido. Recebem dinheiro público, meu e seu, e temos portanto o direito pleno de retirar aquele bilhetinho sem desembolsar mais notinha nenhuma. É nosso.

Sigamos, sabendo então que nos palcos da justiça assistiremos a uma emocionada confissão.

Então, vamos. Vamos ver o que faz um ator e um autor. E uma criança especial, que teve a sorte de nascer um lar de gente cumpridora de suas obrigações. Surpreso, novamente, caríssimo? Achou que a peça revelaria um rio de felicidade enfim descoberto em meio a adversidade? Não. Nenhuma revelação além da consciência limpa de cumprir com suas obrigações. Ao fim do espetáculo, perguntei a Charles se tinha filhos. Disse que não. Eu disse: "- Nossa, mas você emociona. Você fala da maternidade". Sorriu, virou a cabeça de lado, e afirmou, assim, suavemente, e sem discordar. " - É, falo da Tolerância".

Vamos lá. Dispa-se dos discursos prontos que a mídia, regiamente paga quer impor.  Vá, olhe bem fundo dentro de si, e depois diga se este gratuito aqui não vale ouro.

Um comentário:

  1. Profundo, amiga. E avaliar os discursos da mídia é fundamental hj. Beijocas

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