quarta-feira, 17 de outubro de 2012

A Festa do Primo

Rio de Janeiro
Tem primo da Zona Norte a Zona Sul





Alegria no salão nobre da ala  nobre da nobre Zona Norte - click mágico de Ana Schnneider


Muito que bem.

Vivo na Zona Sul desde que me entendo por gente, e adoro uma esticada até a Zona Norte. É diferente, é mais família, é mais farta, é mais simples. Região sem muito comprometimento com o politicamente correto, encontramos criaturas menos conflituadas. São o que são, e ponto. Um mínimo de questionamentos existencialistas,e o destino flui melhor. Vale a pena atentarmo-nos aos resultados deste comportamento mais despojado. Menos vaidades, e mais alegria.

E assim, imbuída do meu habitual espiríto observador, cheguei à festa. E que festa animada - convidados chegando em grupos, sorrindo, presentes na mão. Cheiro de comida pelo ar, temperos, fumaça. Vozes altas, gargalhadas, abraços. O salão  bem decorado. As mulheres enfeitadas.

Pausa aqui. Mulher quando se enfeita, quer guerra ou amor, dizia meu avô. Neste caso, nossa protagonista de hoje queria os dois, e mais ainda. Esse plus que Ela queria era o o Primo.

E Ela chegou esfuziante, nesse climão descontraído e efervescente que o caríssimo leitor já imaginou, e melhor do que eu possa descrever.  Para ajudar sua privilegiada imaginação, acrescento que nossa protagonista é uma mulher de seus quarenta anos, enfiada no seu mais justo tomara que caia, arrematado por uma boa minissaia de babados.  Em jeans manchado.  Tudo justo, apertado, e  apertando, e  subindo. Equilibrada numa sandália anabela, faria inveja a um malabarista.  Aliança de ouro no dedo da mão esquerda. Casada, senhora de família,  acompanhada do marido e da filha. 

No ponto diametralmente oposto ao de sua entrada, repousava, placidamente,  o protagonista masculino deste relato. O Primo. Um bom malandro, manso, sossegado com sua cerveja. Pouco vi de seu rosto, aliás, dele ninguém viu os olhos, ocultos por óculos escuros. Conveniente proteção - o olhar muito revela, e muitas vezes o mais aconselhável é escondê-lo.

Ela avançou em Sua direção,  aos gritinhos de "ai meu primo, primo do meu coração, há quanto tempo não nos vemos!!!!! Me dá uma gelada aí." E aí Ela ficou. Veio vó, veio filha, veio marido. Veio garçom avisando que o almoço estava servido, veio o marido dizendo que guardou lugar ao lado dele, veio filha puxando a mãe pelos babados da saia. Nada. A mulher estava enraizada ao lado do primo. Música brasileira, italiana, samba, kuduro, forró, Kid Abelha, jazz, Tim Maia. Tias, madrinha, vieram chamar os primos para dançar. Qual o quê. A dança não interessava, comida não interessava, a fiha não interessava. O interesse era um do outro, mútua e intensamente.
E o marido, que marido? Aquele senhor, ali, perdido, deslocado, desenxabido? Chegou a encurvar. Por fim uniu-se a um grupo de senhores do outro lado do salão, mas não se concentrava na conversa. Pescoço espichado na direção do conhecido tomara que caia.
A festa seguiu. Veio parabéns, gente chegou, gente saiu, e Ela com o Primo. A filha nunca mais se viu, e Ela com o Primo.
Chegada a hora de ir embora. O marido chama. Ela diz, vai indo, vou depois, com meu Primo. 

O marido foi embora, arrastando pé e saudade. Saudade da festa que para ele não houve, que festa assim é partida, é desencontro, é despedida da ilusão. Festa assim é mais, é encontro com a verdade, a verdade que sempre aparece - há pessoas a quem pode-se oferecer aliança, certidão de casamento, casa comprada e bem montada; mas delas não se compra o coração, e escolhem friamente a hora de revelar-se.
A vergonha pública é doída, é mais solitária. Estar só em meio a uma festa é assistir a um filme, incrédulo e impotente diante da sucessão das cenas. Sem controle sobre os fatos, o marido foi-se.
Se ele vai perdoar, eu não sei.
Se o Primo vai prosseguir com Ela, eu não sei.
Mas que Ela quis ficar com o primo e ir depois, eu sei, Ela sabe, Ela mesma disse. Quem estava perto, ouviu, e quem ouviu e viveu um pouco sabe que depois é interrogação, é imprecisão, é talvez.
Depois pode ser, pode não ser. Ouso dizer que o Depois é um tempo inexistente -  não existe, como sabemos se vai existir? O que existe, e vemos, é o agora, é o hoje, é o marido chamando, e Ela dizendo não.
A festa acabou, e Ela ficou com o primo.
Caríssimo, há coisas que não se esquece. Não esqueço o andar deste marido, derrotado, derrubado no salão, partindo só, passos a frente da filha.
Não esqueço o primo, pimpão, inabalável, achando tudo lindo, rindo, mostrando os dentes, bebendo, encostado na pilastra enfeitada com bolas coloridas e flores variadas.

E pensei com os meus botões: Foi aniversário de quem mesmo? Essa festa foi é deste primo.

NOTA: Na Zona Sul tudo isto também teria acontecido, mas ninguém, nem eu, teria visto.

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