sábado, 11 de abril de 2015

Amor em quarteirões





Imperdível Janela

Barata Ribeiro
Copacabana
Tumultuado corredor do Rio de Janeiro


Temos cá por estas bandas um ditado: " - Fulano chegou agora e já quer sentar na janela!".  Isto é,  abusada é a criatura, novata no meio, que pretende se beneficiar rapidamente com as melhores posições. Não, não, não. Tem que esperar a sua vez.

Procede. Estar à janela é posição privilegiada mesmo. Especialmente para quem é adepto da arte da contemplação - reconheçamos, neste mundo de zaps e wi-fis, se o caríssimo não foi iniciado na arte da contemplação, não desapega da telinha. Perde muito, estou certa disto.  Vai, contesta, diz que  contempla o mundo real através de seu mundo virtual. Um novo internético olhar. Sugiro: lance seu mais direto e atento olho mágico 'a beleza que o cerca. Sem filtro, sem edição. No apps. Abra os olhos e o coração.  São milhóes de valores  visíveis confirmando íntimos valores invisíveis - assim, simplesmente, através do deleite dos contornos que nos cercam.

Eu acredito que grandes maravilhas do mundo estão ao ar livre.  O céu, mar, montanhas, praias, árvores verdejantes. Flores. Estrelas. O sorriso de uma criança sob a luz do Sol. Uma fruta no pé, a feira manhãzinha cedo, o orvalho, a areia. O véu do brilho da lua sobre o Lagoa Rodrigo de Freitas. Cachoeiras. Corcovado. Arcos da Lapa.

Portanto, justificada estou; adoro uma janelinha. 
E como é do conhecimento dos senhores passageiros, gosto ver GENTE. Pessoas. Seres humanos. 

Espanto-me.   Plena Barata Ribeiro, um trecho de Copa City onde passam mais de quinhentas mil pessoas ao dia, onze da matina. O amor, gente.
 Quer coisa mais livre sob o céu? Disse uma poeta que o amor é coisa que tem que quarar. Expor à luz do dia para tirar as manchas. Certíssima. Arejar, ventilar, soltar na brisa como pipa, como beijo que a gente manda, como bolhas de sabão. Nesse contágio com o mundo diurno, curar-se do tédio, do ensimesmismo, da clausura colateral dos amantes. Sol cura alergia respiratória, fortalece os ossos, fixa as vitaminas. Imagina o bem que faz ao amor.

Barata Ribeiro, pela janela do onibex, está lá. Amor em quarteirões. Quarteirão 1 - um casal de idosos. Lentos, imprecisos, meio tontinhos. Braços flácidos dados, passos emparelhados. Anos neste compasso. Anos neste vagaroso e frágil compasso. Frágil? não. Devagar e sempre. Juntos vida afora. Claro que é amor.

Quarteirão seguinte, um casal inter racial, inter etário, e inteiramente alheio ao ir e vir do caos urbano. Ela, loura, cinquentinha. Ele, negro, trintinha. A cada sorriso dele, podem-se apagar as luzes do Astro Rei. Ilumina a galáxia.  Ela se ilumina. Não anda, ela levita, desliza. Olhos nele, parece mais jovem, mais bonita.  Claro que é amor.

Vou seguindo, um casal homo e seu cachorro. Tão bem tratados, sarados, limpos, vê-se que saíram de banho tomado, que são cheirosos, dentes perfeitos. São parecidos, mesmo porte, mesmo corte de cabelo.  Um atravessa a rua, o outro fica com o bichinho no colo - " dá tchau para papai". Papai dá tchau. Manda beijo. Carinhosos, detalhistas, caprichosos.  Como pode o preconceito, gente? Claro que é amor.  

Em frente a Padaria, outro casal homo. Ela bermudão, cabelo curto, moicano. A segunda ela, minissaia florida. Uma forte, a outra uma bem violãozinho, cintura fina.  Conversam, olho no olho, paozinho na boca. A vida passando, onze da matina, paõzinho na boca. Risinhos ao pé de ouvido. Não estão em Copa, estão numa patisserie parisiense, onde tudo é muito mais chique. Pãozinho bom, ela quer mais. Ela 2 dá, e beija o pão antes. Beija o pão que a namorada vai ingerir. Senhor, é claro que é amor.

Uma mummy e seu baby no carrinho, mummy pára, contorna o carrinho, se inclina. O baby sorri, desdentado, inocente, boca escancarada. Mummy saca de súbito uma mamadeira. Baby adora, segura, mama.  Seguem, a mãe, o baby, e a tangível alegria da maternidade, essa oportunidade divina de ser feliz nesta existência. Claro que é amor.

O casalzinho jovem, muito jovem, despedem-se apressados, e ela entra no ônibus onde estou. Bela, jovem, apaixonada. Ele ao lado de fora, em pé na pedra portuguesa, pescoço espichado para assegurar que sua fada passou pela roleta. Ela procura a janela, senta, acena. Em seguida atende o telefone. Olhei para conferir, e pimba. O moço também com celular na mão. Apuro o ouvido. " - Eu também, suspiros, risinhos, voz baixa, eu também".  Já com saudades??? Pensei. Claro que é amor.

Desço, caminho, atravesso, entro.
Meu pequeno terminando a aula de capoeira. Vê que estou assistindo os últimos momentos, capricha, termina, corre para mim, suado, cansado, ofegante, se joga em mim, fosse eu um colchão, um gramado, uma enorme almofada de estimação. Eu o abraço, não ligo para seu suor, nem para seu calor, nem para minha roupa ainda limpa, não ligo para nada. Fui envolvida por uma onda viva e quente de aconchego; sinto junto a mim esse corpinho que cresce, muito, e que se entrega para mim, sem medo. 
Fecho os olhos. Sou feliz ali.
È amor? Claro, muito claro que é amor.


                       Claro que é muito amor


Nenhum comentário:

Postar um comentário