domingo, 5 de abril de 2015

O pau de Selfie ou a Selfie do Paulo - você decide



Myself
Yourself
Herself
Himself
E uma porção de gente ligada



  Ser usuário de transporte público no Rio de Janeiro é coisa para monge hindu.
  Exercício de paciência e abnegação.
  Se for para atravessar a Rua Real Grandeza, então, esta eternidade que corta o bairro de Botafogo em direção à Copa City, o prezado vivenciará a experiência arrastada do caminho de Santiago, inclusive com revelações de arrepiar.
  Lá estava eu. Presa no trânsito (paradoxo). Uma lenta procissão em devoção a um Santo Desconhecido.  Tédio.
  Mas eis que optei por ver, ouvir e dizer. Fim da monotonia.  Eu vi, eu ouvi. E digo:

  A moça à minha frente começou a mexer na bolsa. Sabemos que trata-se de um celular que vibrou, lógico. O bicho Homem tem sempre o seu fone fácil, à mão,  de fato mais prático que as fêmeas de sua espécie.  Nosso fone e juízo dificilmente estão em locais de fácil acesso, e ficamos visivelmente nervosas com isso, por não termos resolvido tais previsíveis questões.
 Ela pegou o aparelhinho, reparei em suas mãos bem tratadas e clarinhas. Jovens. Mãos  que ainda guardavam o despojamento da infância, sem jóias.  Diferentes do diálogo que seguiu-se.

- " Oi, amiga, eu tava louca para falar com você."
- "..."
- " Sabe o Paulo? Então, me deu um boa noite ontem que eu tô tonta até agora"
- "..."
- "Não, por telefone. Me mandou uma selfie do Paulinho"

Pensei:  - Que graça. Uma foto do filho.

- " Assim, do nada!!!! Apitou e tchum! Do nada, amiga. Estava do jeito que eu gosto"

Ai que fofo. Ela gosta do filho dele.

- " Explodindo, encerado e envernizado"

Pausa. Não estamos falando de nenhum bebê.

 - ",,,,"

- " Mandei a criança para ele. Ele adorou. Risos"

"-...."

" - Bel, peraê que vou te mandar a foto do Paulinho do Paulão ". Risos nervosos.


Bel esperando, e a Criança ERGUE o celular procurando melhor luz, para enxergar com mais claridade, e assim, encontrar a tal foto bomba de Paulão.

Carísimos, eu dei de cara com o Paulinho do Paulão. Não, não vi a criança da Criança. Fui poupada.

Choque, estarrecimento, mudez. Tudo junto.

"-..."

"- Depois nada. Fui dormir. " (risos)

Nem uma musiquinha? Nem um beijo? Nada mesmo?

Eu não fumo, não bebo, não uso drogas, mas sou viciada em romantismo. Em sedução, em meia-luz. Fundamental é o olho no olho,  o dançar de rosto colado, o envolvimento, o perfume, o puxar a cadeira, o abrir a porta. Percebi que são pérolas da época deliciosa em que Paulinho e Criança eram  descobertos, a dois, em momentos de profunda entrega. Para o mundo de hoje, existem novas possibilidades. Estamos em tempo de selfie. Eu tiro selfies, nós tiramos, vós tirais. Mas não do Paulão e da Criança. E também não a conferiríamos de punho alto no ônibus, equivalente a projetar numa tela de cinema e anunciar no megafone.

O constrangimento, meu e de uma senhora ao meu lado, que testemunhamos a erudita palestra, bem ilustrada, foi perceptível. A senhora fez sinal para descer, não sei se pretendia alcançar seu destino, ou unicamente sair dali. Eu não sairia nem amarrada antes da dona da Criança. Precisava fechar esse up to date personagem na minha cabeça.

Ela puxa o sinal logo na descida de Copa. Enganei-me quanto à sua idade, é uma mulher feita, na base dos trintinha, miúda, e ligeira de passos. Entrou direto no Metrô da Siqueira Campos, sem olhar para os lados, uma flecha disparada em direção ao subsolo.  Será que Criança deu-se conta que estava em um lugar lindo, tão perto do comércio, das sorveterias, cinemas, do calçadão, do mar. Região  convidativa ao namoro, à contemplação da simplicidade e da magnitude da vida carioca. Um ponto privilegiado, geograficamente, rico para quem tem olhos de ver, que não exige dinheiro nem muito tempo. Pede apenas um olhar, breve porém atento, Não. Este olhar foi negado, à Rainha Copacabana, mas cedido com facilidade à selfie do Paulo.

Senti uma profunda tristeza. Uma transa assim, à seca, na marra, na base do selfie, me parece um ato extelionatário - o oferecimento de um produto ou serviço que tem outro significado completamente diferente. Que deveria ter.
Não podemos transformar a intimidade em uma coisa pública. Sim!!! O mundo virtual é público. Inúmeras criaturas podem acessar esta imagem, que fica registrada de formas que somente Bill Gates pode evitar. A intimidade é tão linda, caríssimos, a sós, entre paredes, entre portas, entre escadas, entre blindex, entre um andar e outro, mas entre, between, among, in! Não outdoor... Assim, ao ar, esta que vos escreve considera uma inversão, com sofrível redução.  Banalização.
Se estamos banalizando o corpo e o sexo, é porque banalizamos a alma, nosso bem maior, mais precioso, que torna tudo belo e encantador. A alma tem uma força invisível e sensível que encontra beleza e ensinamentos até no que é triste e doloroso. Traz um novo sentido. Imagine as maravilhas que realiza em terreno mais fértil; a vibração da alma traz amplitude à entrega carnal. Leiam bem, não me refiro ao AMOR, ao encontro escrito nas estrelas, no Céu, no destino, nada disso. Não é tão pretensioso assim.
Tampouco é um discurso moral.
É a voz de quem tem muitas horas de vôo. Está provado que o exercício sexual é energia poderosa, e devemos tratá-lo como corresponde. Com alma, basta um pouco, uma pitada, um it.
O tempero da alma é  suave, é presente, o gosto fica na boca e no coração. Revigora. Faz prosseguir melhor.

Tive pena.  Muita gente vivendo de selfie e pouca vivendo de alma.




   Post-Scriptum: Caríssimos - taí uma selfie, com o seu respectivo e respeitoso pau de selfie, transmitindo alegria e maravilhosas vibrações. Agradeço à minha amiga Camila Tinoco, que cedeu gentilmente sua imagem e seu sorriso. Assim vale a pena.








3 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Bettina,

    "o oferecimento de um produto ou serviço que tem outro significado completamente diferente. Que deveria ter."

    Como isso me deixou a pensar. Estava hoje retornando ao Rio quando me peguei em meio a mais (neste caso, acho que no lugar do mais, "más" também serve; não há distinção) notícias sobre a Lava-Jato. Agora, parece que há denúncias mais concretas acerca de novos envolvimentos nas transações ilegais do BNDES com Cuba e em outros projetos.

    Foi hoje também que vi uma conhecida minha tratando com tom de voz, pelo menos para mim, um pouco elevado para com sua avó, cuja sabedoria de vida já bate a casa dos 80. Assim, seca, do nada.

    Foi agora pouco, também, que assisti um documentário no SBT sobre a homofobia no Brasil. Diversos brasileiros, assim como eu, assistiram cenas de verdadeiros grupos armados que lutam contra o que é considerado pelos mesmos como "o fim da raça humana", ou, em outras palavras, gente como a gente, que tenta amar livremente - em vez odiar, como esses grupos andam fazendo...

    O repórter do programa deixou a seguinte questão no ar: Qual (é) a distância entre o moralismo e o preconceito?

    E, então, leio seu post. Que coisa! Eu literalmente fiquei boquiaberto.

    São aqueles momentos. Y'know, Bett?!

    Pego então a pergunta do repórter e aplico no caso do Paulo/Criança: Qual seria a distância entre o moralismo e o preconceito aqui? No sentido de: Estaríamos nós vendo este caso negativamente por seguirmos velhos modos? Seriam eles antiquados para quase toda a nova mocidade? Estaria eu julgando também os outros casos (BNDES, Avó e neta) por ser old soul, ou é a norma vigente e não estou sabendo?

    Não sei se o senso comum difere do que penso para as respostas, mas espero que não(!!) Pelo menos, eu não gosto de ver isso tudo como... Como... "o oferecimento de um produto ou serviço que tem outro significado completamente diferente. Que deveria ter." E espero, de coração, que ainda existam muitas pessoas que enxerguem como você e eu.

    PS: Olha a Camila! Abraço pra ela.

    Sigamos buscando e espalhando a luz em meio a todas essas turbulências!!! Só assim.
    Kisses and hugs! From Marcelo

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    Respostas
    1. Querido Marcelo, que maravilha a sua reflexão.
      Pensemos com a razão e o coração - o que "temos" "sentimos" "fazemos" está próximo ou distante do que "deveríamos ter, sentir ou fazer" - cada um encontrará sua resposta, dentro da sua liberdade de emoções; mas procuremos, sempre, que a emoção seja proporcional à grandeza de nosso desejo, ou de nosso coração. Adorei. Um beijo carinhoso

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