domingo, 20 de fevereiro de 2011

Conversando com Mamãe

Rio de Janeiro,
Leblon.

Só quero que sejam felizes


Herson Capri e Beatriz Segall

A Beatriz Segall de quem me lembro era Odete Roitmann. Fria e cruel.

Herson Capri, o vi há dez anos, quando trabalhei em eleições. Desleixado, um ator da Globo em bermudas e chinelos, em uma época que ser despojado e usar Havaianas não eram moda - ele estava de chinelo mesmo. Gostei de que fosse assim, desalinhado.
Agora estáo juntos interpretando o texto do argentino Santiago Carlos Alves, e não sabem, nem de longe, o bem que estão fazendo aos que os assistem.

Vamos por partes, como na peça, tudo se revela aos poucos.

A mãe. Sou mãe. Não tenho 82 anos como a personagem, tampouco meu filho em crise quer vender minha casa e me transferir para o quarto de empregada. Mas sou como ela. Vivo com amor. Teórico ou prático, mas amor. Amamos a vida, e ela é melhor quando amada. A senhora tem um namorado que está mudando sua vida, e que é, sem dúvida, o alter ego do autor do drama - o tempo todo mencionado e nunca visto.
Em sua generosidade o abrigou, não tinha teto nem alimento, e discretamente e maritalmente vive com ele. É argentino.

OPS. Meu amor que me desculpe, não precisa ter ciúme, mas vivi, em minha juventude, com um argentino. Sei o que é isso. São críticos, irônicos, matriarcais (olha o tema!), passionais, e exagerados, e em sua super dimensão das coisas enxergamos o que passaria desapercebido. Como uma lente de aumento.

Influenciada pelo novo companheiro,já que é impossível ignorar o rolo compressor da Cumparsita, a dama começa a rasgar algumas convicções quanto ao seu passado e quanto ao presente do filho. Sufocado pelas perguntas dificílimas, ele assusta-se.

Porque não chorei no enterro de seu pai? Porque era amante da vizinha, e eu queria que ele se danasse. E você, é feliz em seu casamento? Está desempregado porquê? Endividado porquê? Gosta da profissão,tem certeza? Seus filhos são felizes? Conversa com eles? Come com eles? Você trepa gostoso? Com sua mulher ou com outra? Com nenhuma? Essa mãe começa a apontar ao seu filho algumas coisitas.

A dama - é uma dama - entra, pequena, elegante, trocando algumas vogais, e o texto vai revelando quem é ela. Por isso amo as palavras, pegam o que está dentro e jogam para o ar.
Mais corajosa que muitos, faz-lhe ver o que era preciso. O filho não sabia de nada. Estava preso em um terno caro, na conta do cartáo, na hipoteca da casa. Estava preso a sogra, que devia ser de lascar.

Nào sabia também a mãe que tinha, há vinte e cinco anos trocavam só superficial tudo bem ao telefone. Descobre que é infeliz, mas isso não é ruim, é bom, e o primeiro e rápido passo para a liberdade. Lembranças da infância, da chuva, não gostava da chuva quando era pequenino. Causava-lhe medo e incomôdos. A mãe presenteou-lhe com um abrigo verde e botas, abriu a porta e disse vá! O menino, com seu capuz de menino, aprendeu a amar a chuva.
O homem, com a conversa com a mãe reaprenderá a amar a vida.

E quando ela se apronta para partir, linda, de azul, em um truque emocional que tira o fôlego dos presentes, todos pensamos juntos que ele conseguirá. Ela, pela última e definitiva vez, o ensinou.

Obrigada a todos. Sinto os olhos e os óculos molhados. São lágrimas.
É que lembrei-me de minha avó, que me libertou de mim mesma há anos, mas eu tinha esquecido.

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Nota:
Fiz e refiz esse texto umas dez vezes. As palavras, logo as palavras, que tenho por amigas, não conseguiam traduzir a emoção do espetáculo. Quis explicar, que pretensão. Quis entender as razões do autor. As minhas razões.
Quis esquecer, calar, guardar para mim o que senti. Não consigo desistir nem calar. Preciso transbordar. Incomoda-me à noite, eu acordo e tento de novo.

Serei portanto, simples e direta e confessarei: chorei muito.

Chorei porque o amor assim, de mãe, é precioso, é imenso, é salvador.

Chorei porque temo jamais ter uma conversa dessas com a minha mãe,

ou com meus filhos, porque talvez não me ouçam, ou talvez eu não fale,

ou eu fale e ouçam mas não me levem em consideração,

e eu só queria dizer que sejam felizes,

e que me dói saber que não dependerá de mim.

Chorei por temer não cumprir minha missão e falhar.

Estou sempre muito ocupada e apressada.

Chorei porque ora me identifiquei com a mãe, em sua irreverência, e ora com filho, em sua impotência.

E porque me vejo muitas vezes impotente como mãe.

E porque me vejo muitas vezes insensata, ingrata, implicante.

E chorei porque ela se vai, mas lega os conselhos,

que poderão ampará-lo por mais tempo, num gesto assim de amor e cuidado.

E de pena, muita pena do filho, outrora o menino

que temia a chuva,

hoje o homem, que é infeliz, e que teme a vida,

e que tem que prosseguir agora solitário, na sua história difícil.

Da mesma pena de que tenho de mim porque perdi minha avó, parceira, querida, e sábia,

e tal qual a dama no palco, partiu bonita e leve, até na hora da morte, porque viveu com seus generosos sentimentos entre livros, e pãezinhos quentes, e uvas, e perfumes e penteados, e carinhos, e bilhetinhos, e janelas e brisas,

e que me deixou só, cruelmente só, sem colo, sem palavras, sem amor. A quem adorarei abraçar no paraíso, para onde iremos todos - os certos, os errados, e os que são livres.

Estou chorando de novo. Melhor parar.

3 comentários:

  1. Comentário de Marina Bruno: lagrimas felizes!!!! homenagem a peça, ao teatro, a nossa queridissima avó (que quanto mais tempo passa mas sinto sua presença entre nós)... a tua sinceridade... dona katusha também é chorona, viemos daí...vc escreve com o coraçao, com as v...isceras.
    a do ro ! te quiero mucho :)

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  2. Comentário de Virginia Tonini: PRimaaa nao consigo postar comentario no seu blog, nao tenho essas contas q tem q ter!!!kkk mas ai vai: lindo dmais....isso e de familia?? cm esses sentimentos tds a flor da pele....pq doi ser mae e filha???seguro minhas lagrimas...Parabens.gd bj prima Vi.

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  3. Obrigada!

    Não vi a peça e talvez não veja, mas foi muito interessante a reação que o seu texto me causou.
    Reconhecer fatos, superações, e um monte de coisas sobre as quais não tenho o menor controle. Me fez um bem...
    Obrigada!
    E eu ainda paro pra me perguntar 'pq será que eu escolhi a conversa com mamãe...' rsss louca!

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