terça-feira, 27 de dezembro de 2011

A Troca

Copa
Cruz
Casa Cruz em Copa



É lindo, mas quero trocar...


Entáo foi Natal.
Entáo haverá, certo como dois e dois sáo cinco, presentes a trocar.

Sou máe. Tenho filhos. Ganharam presentes, escolhidos com carinho sob o prisma de quem os ofertou. Nós, terráqueos latinos, somos assim: costumamos ofertar os presentes e sentimentos que queríamos receber. Por vezes acertamos. Por vezes nossa oferta coincide com o desejo do destinatário; no campo dos presentes é infinitamente mais fácil do que no campo dos sentimentos. A matéria nos é mais íntima e acertamos com mais frequência.

Se queremos agradar, se queremos conquistar, nada de ofertar o que achamos bom. Pensemos no que o outro quer, mas isso é outra história.

A mesma história é que em ambos os terrenos é permitido trocar, nem sempre com tranquilidade. Houve tempo em que a repressáo náo permitia tal ato supostamente egoísta: na minha criaçáo era feio, muito feio trocar. Ganhava-se um vestido e tinha que usá-lo, gostasse ou náo. Um anel, idem. Uma boneca, pior, tinha que brincar e se apegar à infeliz. Você casava e aguentava aquele marido chato e machista vida afora. Hoje náo. Se náo gostamos, se náo funciona, se náo atende, se náo entende nossa língua ou se náo conseguimos entender seu manual, trocamos e ninguém se magoa, ou se magoar, passa, passará. Melhor a mágoa da troca que mágoas maiores, constantes.

Podemos traumatizar.

Meu caçula ganhou da tia um kit de pintura. A meu ver, lindo. Fosse para mim, lindo. Completo, colorido, um mundo novo numa caixa fosca de madeira, como um baú secreto. Cavalete, pincèis, telas, tintas, paleta, carváo. Possibilidades da cor, da textura, da criaçao. O garoto com uma palavra disse tudo. Náo. Quero trocar. E eu com uma palavra disse Sim, vou trocar, é ali da Casa Cruz.

Entrei pronta para briga. Natal, quem vai trocar o quê? Eu vou é trocar sossego por encrenca, esporte que abandonei há anos, estou fora de forma.

"- Preciso trocar este presente. Tenho a nota."

Recebida com um sorriso discreto. O Sr. Cruz, o chamarei assim, me apontou o subsolo e disse que eu escolhesse outro brinquedo. Andei aquilo tudo. Nada. Tudo muito educativo. No Natal náo da, nem sempre educaçao e diversáo andam juntas.

Voltei ao Sr. Cruz.

" - Olha, eu náo consegui encontrar nada. (essa frase é ótima, pois atribui a inabilidade do "encontro" ao cliente, e diminui possíveis resistências do lojista). Vocês poderiam me dar um vale? "

E neste momento o Sr. Cruz resgatou em mim a fé na humanidade. Olhou-me nos olhos e perguntou:

" - A senhora prefere seu dinheiro de volta? A notinha diz que foi em dinheiro, foi a senhora que comprou?"

Neste momento perdi a fé em mim. Menti.

" - Sim, fui eu. Se o senhor pode devolver, entáo prefiro."

O sr. Cruz devolveu o dinheiro. Mediante a afirmaçao de uma estranha, loja cheia, nota sobre nota.

Apertei sua máo e saí. Imaginei que eu estava no paraíso dos clientes e acordaria a qualquer momento. Dinheiro de volta por sugestáo do gerente. Aborrecimento zero, cliente feliz, criança feliz. Sociedade feliz.

Pergunto porquê. Porque há tanta dor de cabeça quando devia ter sorriso e aperto de máo. Porque há tanta recusa quando devia haver conciliaçáo. Oposiçao quando devia haver soluçao. Porque náo há mais do Sr. Cruz vida afora.

Vamos devolver com carinho e simplicidade o que náo queremos. E vamos seguir sem mágoas, prontos para encontrar o que nos atenderá melhor. Sigamos o exemplo do Sr. Cruz - aceitar, devolver, e apertar a máo.

Sei que menti. Sei que foi feio isso de mentir para um trabalhador bem intencionado. Como defesa afirmo que minha mentira em nada prejudicou a Casa Cruz, e beneficiou a todos. Sr. Cruz teve a oportunidade de mostrar seu fair play, o menino ganhou o que queria, e todos ganharam. Lembrei-me do rabino Nilton Bonder e de seu discurso sobre a alma imoral.

Fica aqui o elogio a Casa Cruz de Copacabana. Fica aqui a sugestáo: vamos devolver aquilo que náo serve. Sem picuinhas. Pegue o que é seu, eu pego o que é meu, ficamos todos felizes, sem prejuizos. Sigamos sem mágoas 2012 afora...

Troquemos presentes sinceramente aceitos. Que nos alegrem, e que possamos ajustà-los, trocá-los, que nos caibam como luvas ou asas. E que o maior deles seja um coraçao, cheio de vontade de acertar...

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