sábado, 31 de março de 2012

Cabaret

Rio
Leblon
Berlim
Kit Kat

Claudia Raia e Jarbas Homem de Mello,ou Sally Bowles e seu Mestre de Cerimônias. Monumentos dirigidos por José Possi Neto
Fotos:Divulgação

A produção de Claudia Raia e Sandro Chaim deslumbrou São Paulo. Chegaram ao Rio de Janeiro, aliás, o Rio já esperava por eles.

Trouxeram consigo a Berlim de 1931, berço cruel do nazismo faminto por poder. O anti-semitismo espalhando-se, enraizando, alemão contra alemão. Contrabandos, perseguições. Neste cenário tenso, o Kit Kat, um cabaret. Prostitutas e prostitutos. Música, show, álcool, drogas. É isso mesmo, sempre tem um cabaré. Em todas as décadas e territórios de nossa sociedade humana, caríssimos, esbarraremo-nos com um cabaret. Mais caro ou mais barato, em Berlim ou na Vila Mimosa, c´est la même chose. Abrem suas portas pelo mundo explorando o rentável negócio da solidão. Um ótimo negócio, porque onde há humanos, há solidão. Não nos conformamos, e vamos pela noite em busca de nossos falíveis remedinhos.

Liza Minelli, e sua Sally, na montagem de 1972, provocante

Só que neste Cabaret tem Claudia Raia. Páre enquanto há tempo. Não parou? Entrou porta adentro? Então dançou, e foi com ela. Ninguém foge da Raia, nem Jôs, Alexandres, Edsons, Jarbas, como poderia eu? Ela é irresistível. Bela, altiva, precisa. Sua Sally Bowles veio na hora certa de sua maturidade dramática e juventude física. Impressiona que seu corpo tenha os tais 45 anos. Um trabalho poderoso de atriz, engraçado e dramático, encarna esta criatura graciosa e amarga, que pode ser prostituta, dançarina, cantora, namorada, não importa o rótulo. A personagem extravagante e temperamental está aprisionada à rotina de seus vícios, e acredito que anos de terapia libertariam Sally de seu passado/presente/futuro. Não foi ao teraupeuta, e consome-se. Outras possibilidades de vida a apavoram, e ela não está sozinha nisto. O gênero feminino é apavorado, na maioria. Somos, de fato. Entramos em pânico e pisamos na bola diante de situações novas.

No camarim do Kit Kat com Guilherme Magon, uma história de amor em Berlim

La Raia passeia pelas vulgaridades da profissão mais antiga do mundo sem ser vulgar. Consegue que Guilherme Magon, por exemplo, seu amor de Berlim, tire sua calcinha em cena, sem revelar o que não poderia ser revelado no elegante Oi Casa Grande. Abre pernas no que poderia ser um nu frontal. Forte. Nada demais, fiquem tranquilos, é uma senhora de classe que domina a arte do movimento. Canta? Também. Mas para um espectador mais exigente, a musa se sai melhor na dança. Sabemos que não é cantora, no entanto, atinge seu máximo vocal nos vôos às notas máximas. Tudo isto já era esperado de La Raia, ela é o máximo mesmo.

Claudia Raia, e sua Sally, versão 2012. Adjetivos? Sumiram diante da musa

Tem o apoio cênico de um corpo de baile nota mil, e muito bem explorado, em coreografias sensuais e divertidas. Ótima combinação. Equilibram o show entre o drama e a comédia. São valorosos recursos artísticos, escolhidos a dedo, que engrandecem Cabaret. A ala masculina bombada demais para os anos 30; mas se levarmos o padrão da época a rigor, o tórax de Claudia Raia também estaria fora da estética. As moças dos anos 30, em Berlim e no planeta, não levantavam peso, caríssimos.

O visual é bizarro, parecem bonecos maliciosos, usados e reformados, tortos, para que prossigam a serviço da farra. Olhos imensos, bocas coloridas, borradas, e corpos em poses despudoradas. Eu adorei - a vida com pudor, é definitivamente, muito chata.

Com a ala masculina, trabalhados na musculação, em cena de tirar o fôlego

Jarbas e suas maravilhosas companheiras de palco

Mas eu não esperava por Jarbas Homem de Mello. Não. Quem quiser que me desculpe, ou não, não importa. Eu vi e digo porque vi: o Homem é uma estrela. Perigoso de tanto brilho. Arrebatador em sua expressão corporal, dos mínimos aos maiores gestos. Transmite o sarcasmo de um bom cafetão com o charme do exímio dançarino. Impressiona os mais descrentes fofoqueiros, que atribuíam o comentado sucesso de sua performance a um suposto namoro com a estrela. Se estão namorando, o romance está fazendo muito bem ao rapaz; seja de homem, de mulher, de mestre de cerimônias, de cantora travestida, Jarbas entra palco adentro, amigos, e foi-se o que era doce. É ele. Ponto. Pode apagar a luz, que ele é holofote. Maior ainda seu mérito, por ser estrela entre Astros-Rei, sim, ser estrela na escuridão é fácil; qualquer brilhozinho ilumina o negro véu da noite. Mas ser estrela entre astros-Rei, aí eu quero ver. Vi. Chama-se Jarbas.
Jarbas Mello e Cláudia Raia. O Homem tem um corpo escultural, andrógino, sexual, grotesco e irônico, a serviço da Arte

Não há fórmula para o sucesso. Não, não há UMA causa. Há um contexto feliz de elementos felizes, e creiam, estão diluídos em Cabaret. Os especialistas os apontariam minunciosamente, mas não sou de minúncias e nem de especialidades. Sou de resultado, e o resultado é um sucesso. A tradução de Falabella foi fantástica, e assim seguem a direção, cenografia, iluminação, a regência dos músicos, as coreografias, o elenco, e o desafio do figurino - pausa. Confessêmos: é difícil vestir Claudia Raia como vedete empobrecida. Seu porte é luxuoso; um cetinzinho e uma pluminha, pronto, temos uma rainha.

Precisa mais de quê? De você, caríssimo, para voar para Berlim. Ver, crer, e aplaudir de pé.

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