segunda-feira, 5 de março de 2012

Judy - what a pity

São Conrado
Fashion Mall
Fashion é ser Clean


Acabou-se o Arco Íris
A maravilhosa Judy Garland, incorporada pela espetacular Claudia Netto
Texto: Peter Quilter
Adaptação: Charles Möeller e Claudio Botelho
Direção: Charles Möeller
Elenco: Claudia Netto, Igor Rickli, Francisco Cuoco


Caríssimos, eu bem acredito em vida após a morte. Concebida, principalmente, pela Arte. Judy Garland morreu no ano em que eu nasci. Mas está viva na pele de Claudia Netto, ali no Fashion Mall, e botando a boca no trombone.

A estrela de Mágico de Oz revela que sua mãe a drogava desde a tenra idade, para suportar ensaios e gravações. Nos estúdios glamourosos de Holywood a coisa rolava solta, com o consentimento dos papais e mamães, ansiosos por dinheiro e fama. Eram antros de tráfico e os pequenos prodígios sobreviveram e cantaram e sapatearam e brilharam à base de muita bolinha. Se dermos uma boa olhada em nossos tempos, não mudou tanto assim. Michael Jackson, Amy, Whitney. Quem mais? Modelos, bailarinas, adolescentes. Tantos a se violentar para ser quem não são, quem não podem ser, quem não devem ser.

Judy tinha uma voz de ouro e uma personalidade atormentada por amores fracassados e bebedeiras homéricas. Álcool, drogas, sexo. Vícios mil para suportar a cobrança do público e dos gerentes de banco. Dorothy, inocente na Estrada das Esmeraldas, passou o pão que o diabo amassou na vida real. Maridos violentos e exploradores, que não davam-lhe o menor valor. Ou Judy fazia muito sucesso, ou estavam fora. Os filhos não lhe deram alento. Sequer a música aliviava sua alma - ela buscou, desesperada, pelo amor, em lugares onde jamais o encontrou. Seu último marido, Mike Deans, um diabo de lindo, este provavelmente a matou. Drogava-a para que cumprisse sua temporada de shows, sem o quê não teriam como pagar sequer a conta do hotel.

Houve uma esperança. Um fio de esperança no fim. O pianista homossexual, encantado pela estrela e tomado por inesperado sentimento, teve um ímpeto de protegê-la deste marido, deste destino, e desta imensa imensa imensa, e teimosa, e insuportável, dor. Convidou-a para viverem juntos, uma união com muito carinho e nenhum sexo. Ela se afastaria dos palcos, onde só pisava entorpecida, e teria aconchego, sossego, calor. Não, ela não quis. Estava viciada no vício, viciada da infelicidade, há muitas décadas. Não conhecia outra vida e não suportava mais esta.

Igor Rickli e Francisco Cuoco - o jovem marido e o pianista homossexual, o explorador e o consolador. Um embate entre o bem e o mal...

Impossível não aplaudir de pé, sem parar. Claudia Netto emociona. A primeira troca de cenário é surpreendente, e ela entra com um For once in my life de cortar o coração. Aquele vozeirão, iludida, acreditando que por uma uma vez na vida encontrou alguém que precisasse dela. Mentira... mentiras do coração. Profundo, tocante. Até nos momentos irreverentes nos emocionamos. Judy Garland era atrevida, debochada, brincava com a vida. Não avaliava risco algum, no amor, na dor, na droga. Dentro de tamanho caos, fazia piada com a verdade.

O cara sentado na cadeira do teatro testemunhou um ser humano talentosíssimo, infelicíssimo, a morrer dia-a-dia, a recusar ajuda, e maltratar-se diariamente. E vemos, caríssimos, que ainda que Deus dê uma voz divina, sem lucidez esta voz se cala; emudece, some. Ainda que haja amor, sem paz, o amor morre. Onde há o vício, há, implacavelmente,o sofrimento. Nada substitue a lucidez; é preciso estar limpo para estar vivo.

Eu chorei muito. Talentos perdidos, vidas perdidas, mais um ser humano dominado pela dependência química. Vi que a história se repete, e não há arco íris nem sapatinhos de rubi, nem Mágico de Oz no fim.

No happy end. Nessa estrada o fim é trágico.

Bela ainda, Garland, nos anos 50

Judy, ou Dorothy, a quem a mãe drogava, para suportar ensaios e gravaçoes

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