quinta-feira, 19 de abril de 2012

Tatyana, Débora, e eu

E lá fui eu
Fui encontrar com Déborah Colker


Os personagens do poema Tatyana, na árvore genial criada por Gringo Cardia. À frente, de negro, o herói Oniéguin

"Tatyana é a heroína do célebre romance de Alexander Pushkin, nos versos do livro Eugene Onegin.O poema foi e continua a ser extremamente popular na Rússia, desde sua publicação, em 1830"


Um encontro com Colker é sempre algo de outro mundo: o mundo paralelo da dança. Já foi OVO, ou é. Já foi Rota, já foi tanta coisa diferente, mágica, entre dança e acrobacia, entre performance e vôo, entre mímica e coreografia.

Mas hoje Déborah é pas de deux. Pas de trois, de quatre, de cinq. Nunca pensei. A coreógrafa que fez bailarinos escalarem muros, em shorts de couro, acoplou exímias bailarinas clássicas em sapatilhas de ponta e deu-lhes elegantes cavaleiros para bailar. Mais de um para cada, e mais de uma para outros. Entre coreografias primorosas e ousadas, Colker apresenta um clássico da literatura russa, com músicas de Rachmaninov, Tchaikovsky, Stravinsky e Prokofiev.

Nossa Almodóvar da dança comprovou com sua Tatyana que seu talento não está engessado pela estética do contemporâneo; é maior, mais flexível, e mais amplo. Ela cria um contemporâneo com toda a base clássica, nos passos mais tradicionais, entremeados com contorções de extrema habilidade e bom gosto.

O resultado é que você assiste, caríssimo, a uma peça de ballet encenada em cima, por baixo, e pelos galhos de uma árvore meio assustadora, morta, imensa, uma escultura a ser premiada. Desta árvore mãe saltam e se encondem os campesinos russos, bailando como seres mágicos. As moças, todas, com cabelos a la garçonne, o que é ousado para o clássico, andrógino até, em figurinos curtos, leves, perfeitos para a agilidade e a velocidade da coreografia. Graciosas. É lindo vê-las em ação. E os rapazes, temos um de cada etnia, a humanidade está exemplarmente bem representada nos quesitos vigor, precisão, e elegância. Saltos, piruetas, vôos, aterrissagens. Tudo e qualquer coisa farão. São de elástico, isso são.

Mas o melhor de tudo, caríssimos, é ver que temos um gênio brasileiro, que se desdobra em possibilidades distintas, e nelas sucede com brilhantismo.

Tatyana é uma obra de arte, e imortalizará Colker, se as anteriores obras ainda não o tiverem feito; quem pensou em encontrar vanguarda encontrou um clássico. Quem não acreditou que ela podia inovar o padrão que ela mesma construiu, errou. A dama oferece uma obra distinta - e melhor - que as anteriores. Tem mais nexo, mais contexto, tem começo , meio, fim. Tem amor, romance, encanto, duelo, morte, dor. Brinca com sombras e projeções, e laser, a serviço do entendimento do tempo, do dia, da noite, do frio, da morte. Brinca com o os corpos de seus personagens, e os duplica, clonando os protagonistas, sob a explicação poética de que também nos duplicamos mediante as variações do amor...

Irretocável.

O público não respira. Está no mundo do sonho, e tem a duração exata para que nos esqueçamos do mundo real, e da vida real muitas vezes sem poesia ou dança que nos espera lá fora. Vimos o sonho, e cada um imagina seu fim. Sonho bom, que dura o tempo necessário para querermos mais da poesia e da dança.

Mais da Tatyana, mais da Débora, mais da vida.

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