segunda-feira, 9 de abril de 2012

Perigos da Mente

Praia de Botafogo



Eficazes métodos


"O fascinante diretor David Cronenberg (Senhores do Crime) revela um episódio pouco conhecido mas muito marcante na vida dos dois mais importantes psicólogos de todos os tempos. O jovem psicanalista Carl Jung (Michael Fassbender) começa um tratamento inovador na histérica Sabina Spielrein (Keira Knigthley) sob orientação de seu mestre, Sigmund Freud (Viggo Mortensen). Disposto a penetrar mais afundo nos mistérios da mente humana, Jung verá algumas de suas idéias se chocarem com as teorias de Freud ao mesmo tempo em que se entrega a um romance alucinante e perigoso com a bela Sabina." (Cineclube)


Caríssimos, se desejam um filme leve e divertido, partam para outra sala. Na sala em que estiver rodando Um método perigoso assistiremos um embate intelectual entre dois dos homens que mais influenciaram a humanidade - Jung e Freud - e um duelo, nem tão racional, entre um homem e ele mesmo - Jung.

O inconsciente, misticamente, conduziu-me à sala 6 do Unibanco Arteplex, e de lá eu avistei Viena, nas nas primeiras décadas do século XX. Tudo muito suave e elegante. E homogêneo. Lagos e mulheres, todas claras e iguaizinhas, inclusive no vestir.

Mas o conteúdo é heavy, caríssimos. Começamos com o masoquismo histérico, a ser tratado através de terapia (talking), da Fraulein Spielrein, paciente judia-russa do jovem Jung, discípulo de Freud. A moça tinha seríssimos problemas emocionais, de origem sexual, mas se olharmos bem, quem não os tem, não é mesmo? Semelhantes ou não, os terráqueos dificilmente estão 100% de bem com seu consciente e com seu corpo. Fazer as pazes consigo mesmo exige coragem e dedicação. Dá trabalho. Ela conseguiu e teve brilhante futuro como psiquiatra. Com um terapeuta com Carl Jung deve ter sido mais fácil, desde que a paciente não se apaixonasse por ele.

Em crise histérica, Sabina S., defendida por Keira Knigthley

E aí, não tem Freud, Jung, ou casamento calvinista que impeça a conjunção carnal, e adentramos na parte 2 do mesmo livro, o embate do homem contra ele mesmo. Um pesquisador de primeira, um gênio, que não resiste a sedução perturbadora de sua paciente. Um desejo tal que feriu a ética e pôs em risco a relação entre o mestre e seu seguidor. Jung teve sua reputação abalada pelo tal romance, e sua coragem inflamada para que assumisse outro, posterior ao seu término. Jung, no começo do século, repete em atos e pensamentos a bigamia que homens de todos os séculos praticam. Uma santa em casa e um furacão na rua. Mas estamos falando de Jung, homem que mudou o rumo da psicanálise, gênio, gênio, e poderíamos pensar que seu comportamento amoroso e suas reações frente ao desejo tivessem outra forma, mais sofisticada, mais racional. Mentira. Homem comum, que quer tudo: a esposa rica, os belos filhos, e a amante, quente na cama, e parceira intelectual. E ele só precisou de um empurrãozinho. Veio de outro paciente - "não passe no óasis sem parar para beber". Foi-se. Bebeu e fartou-se.

Sabina S, publicamente uma lady, aguarda seu amor, Carl Jung

As cartas trocadas entre esses três gênios (aqui farei justiça, Sabina Spielhein era também um gênio) são de causar inveja aos nossos mails e msns. É de chorar perceber que perdemos o hábito de redigir, e assim organizar melhor os pensamentos e sentimentos. Era muito mais chique e eficaz. Podia-se dizer de mão cheia o que ia pela mente e pelo coração, com toda a classe e categoria gramatical, e riqueza de conteúdo, sem pressa, e com aquela formalidade que um bom lacre confere a um envelope.
Mais que a forma, as cartas são amostras do turbilhão produtivo destes cientistas. Cada um na sua linha de raciocínio, e com seus elementos de observação, defendem com maestria absoluta teorias da mais complexa natureza. Defendo mais uma vez Sabina e sua teoria fascinante sobre o efeito evolutivo que as forças conflitantes exercem sobre o ser humano. Traços da dialética hegeliana. Compreendi melhor a teoria do rabino Bonder, sobre a imoralidade necessária da alma.

As cartas reúnem provas de que o rompimento do trio estava repleto de elementos límpidos de um caso de amor: paixões defendidas, conceitos, fundamentos, justificativas e decisões. Dores , e resignações.

As divergências conceituais entre os pais da psicanálise foram assim, exaustivamente discutidas, e digamos, encerradas, cada um com sua razão e cada um para o seu lado. Mas a inquietação de Jung não. Essa força conflitante entre a moral e a vontade prosseguiu empurrando-o. Encerrado o affair com Sabina, ele encontrou outra amante, Toni, com que viveu até sua morte. Vem a Guerra, a primeira, a segunda, ele foi reconhecido, seguido e reverenciado pelo planeta. Eternamente casado com Emma, sua esposa bela e fértil, que com sua fortuna pessoal permitiu-lhe luxos vários, e tempo livre para dedicar-se integralmente à pesquisas, científicas ou não.

Em seu derradeiro encontro com a amada amante Sabina, ele explica: fazemos coisas imperdoáveis para continuar vivendo.

Sabemos disso, Jung, sabemos disso.

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