quarta-feira, 20 de junho de 2012

Antígona, de Sófocles e Mariozinho

Tebas
Argos
Atenas
Praia do Flamengo


" Depois de contrariado o Destino, tudo é desatino" (Sofócles)


   
    Vemos acima Antígona, incorporada pela estrela  Maria Rita Rezende. Perfeita




No elenco, Último de Carvalho, como Creonte, em pé, ao centro, rodeado pelos maravilhosos Karina Diniz,  Mariozinho Telles, Roberta Mancuso, Felipe Caetano, e Maria Rita Rezende.
Dirigidos por Mariozinho Telles, decodificam a mitológica Antígona.
Tradução:  Millôr Fernandes.


Caríssimos, vamos situar-nos.Estamos em Tebas, na Grécia Antiga. Lembram de Édipo, aquele que se apaixonou, casou e procriou com a mãe, Jocasta? Bem, ele teve filhos de sua união incestuosa: Etéocle e Polinice. E filhas: Antigona e Ismene.  As cidades de Argos e Tebas entram em guerra, pelo poder.  Etéocle e Polinice lutam em lados opostos, e ambos morrem na batalha final.  Vence Tebas. Sucessor do trono, Creonte, irmão de Jocasta e cunhado de Édipo, assume o governo de Tebas.  Ofendido pela traição de Polinice, que guerreou contra ele e sua amada pólis Tebas, Creonte proibe seu funeral.  Decreta que seu corpo morto jazeria ao relento e serviria de alimento ao abutres. A religião grega atribuia 100 anos de sofrimento e solidão aos espíritos dos falecidos não sepultados conforme seus rituais.


Chegamos juntos até aqui? 


Este é o cenário: a guerra acabou, Tebas e Argos sob o poder de Creonte. O corpo de Polinice ao relento, como exemplo para os que pretendessem trair a nova ordem política, conquistada através de uma guerra cara e sangrenta.  A proibição de seu funeral constituiu-se em símbolo da egolatria estatal, que se colocou acima  e além das leis religiosas.
 Mas Creonte equivocou-se. Mão pesada demais.
O povo vive sem política mas não vive sem religião.
Sua sobrinha, Antígona, filha de Édipo, irmã dos falecidos,  noiva de seu filho Hemon, desafiou-o.  Fiel ao irmão e aos ditames religiosos, ela descumpriu a ordem de Creonte e prestou as honrarias fúnebres ao morto. 
O que vem daí, caríssimos, é tragédia grega. Condenada à morte, Antígona mantém sua posição e declara que entendeu que os rituais fúnebres eram justos e devidos e que enterrou seu irmão. Foi condenada  à morte cruel por sua desobediência.  Na esteira incontrolável da sequência do fatos, ela sai da história como mártir, e vitoriosa. Aniquilou com o prestígio popular de Creonte, pobre Creonte.  O poder que subiu à sua cabeça findou por ser sua desgraça - a guerra, a luta, o trono, tudo posto abaixo pela coragem da poderosa Antigona.  Com seu gesto desafiador,  preferiu a morte a seguir as leis dos homens que pareciam-lhe injustas.Deu no que deu. Antigona morreu, e levou Hemon, filho de Creonte, e  Euridice, mulher de Creonte,.  A tragédia instalou-se no palácio.


Isto tudo eu assisti, caríssimos, e foi com esses personagens ao vivo. 


Confortavelmente instalada no Finep da Praia do Flamengo, eu bem estive em Tebas e presenciei essa luta de egos. Estou louca? Não. Eles estão ali sim, em carne e osso, e fazem parte da obra clássica do Teatro de Roda, companhia teatral que está trazendo para o palco esta pérola da dramaturgia grega.


 Educação no Brasil fosse coisa séria, assistir Antígona seria item obrigatório no curriculo escolar. Faz parte da triologia tebana, junto a Édipo Rei, e Édipo em Colono. É clássico, fonte para beber com fartura, e alimentar a alma com genuíno saber. Mas não. Ao Estado brasileiro (bem como a Creonte) não interessa fomentar a consciência política e o questionamento da legislação imposta.  Nossa hipócrita democracia gerencia o medo (medo da pobreza, da doença, do desemprego), e não o conhecimento e a Educação. Estivesse eu errada, a platéia estaria lotada de jovens e adolescentes. Mas não estão sendo direcionados neste sentido. 
Não há maior adesão à causa do desafio a ordem imposta. Isto é para os loucos e para os artistas.


Mariozinho Telles, louco artista adorável, fez um montagem no estilo que amo, o seu Teatro da Interpretação.  Intrinsicamente questionador, sua pedra fundamental é o ator, e sua competência para a dita interpretação, ao lado de um  profundo conhecimento do texto. Demais detalhes totalmente dispensáveis. O diretor constrói Tebas, túmulos, tribunais e alcovas gregas sem levantar uma coluna do chão. Novamente ele cria cenários sem móveis, e figurinos sem figurinos, pela mágica de sua direção. Criou uma multidão grega com seis atores. Aclamou , julgou e depôs um Rei Grego com os mesmos seis atores. Impressionante. Ele é a Antígona masculina, desafiando a ordem imposta.


Seu fórum íntimo o sentencia fiel à sua verdade - o teatro fincado no talento do ator. Fala mais alto. Devo acrescentar que Mariozinho Telles não revoluciona sozinho.  Maria Rita Rezende, um doce de pessoa, é uma Antígona implacável. Cega, leal, indomável. Uma grega, uma Helena, uma Guerreira. Karina Diniz e Roberta Mancuso estão  excelentes, pesadas, trágicas, entregues ao destino cruel. Infalíveis talentos, infalível destino de sucesso. Ah sim. Trocam de papéis o tempo inteiro, sem trocar de roupa. Criaturas mitólógicas que assumem personalidades distintas, como que acionadas por um controle remoto invisível. Último de Carvalho não é Último. É Creonte. Perturbado pelo poder, inflexível, vaidoso, irredutível, tenho medo de seu olhar. Pode condenar-me à morte, com facilidade.
Hemon, na pede de Felipe é comandante das tropas, é noivo terno, e filho fiel, fiel até a morte. Outro que tenho medo. Pode convocar-nos à luta armada, e iremos.


Saí impactada, pela grandiosidade do valor artístico do espetáculo. O tempo e o espaço não existem senão sobre aquele palco. Assustada pela atualidade de seu conteúdo político, e pela necessidade, urgente, de que nossos estudantes assistam e entendam do que se trata Antígona. É minha esperança.


Fica a minha recomendação. Antígona é necessária. Principalmente para as mentes em formação. Precisamos formar novos políticos. Precisamos de cultura clássica, onde foram gerados os conceitos que até hoje norteiam os processos legais. Temos aí um exemplo da importância da hierarquia das leis. A lei maior é a que está instalada em nosso coração, arraigada nas nossas convicções. Afora isto, é arbitrariedade. Afora isto, haverá um corajoso para contrariar.


Viva Mariozinho Telles, brasileiro corajoso, que contraria o ôba ôba teatral tão em moda hoje em dia, e segue os ditames mais arraigados de seu coração artístico. Oferece ao brasileiro os Clássicos do Teatro.
Isso sim, é fomentar a formação política.



    Mariozinho Telles, mestre, diretor, ator. Cidadão Brasileiro

"O conhecimento de ANTÍGONA, de Sófocles, é necessário a todos os que aspiram aos avanços civilizadores da humanidade pela incomparável envergadura deste debate do indivíduo com a intransponível autoridade impessoal do poder, em um diálogo que se estende além das palavras e que invariavelmente só encontra o seu desfecho no desenrolar dos fatos que recaem sobre o indivíduo e refletem no Estado. " (Mariozinho Telles)

Espaço Cultural FINEP 
Praia do Flamengo, 200
Tel.: (21) 2555-0717
Segunda, às 19h
Espetáculo não recomendado para menores de 12 anos 
Em cartaz até 25/06/2012

Um comentário:

  1. Assisti à adaptação de Romeu e Julieta feita pelo grupo para turmas de alunos do oitavo ano, ou seja, alunos de 12 e 13 anos. A linguagem atual, um Romeu que tem celular, uma Julieta que gosta de rap encantaram os alunos. A peça de Shakespeare não perdeu sua essência, muito pelo contrário, a história que encanta jovens há séculos se fez mais interessante para uma geração habituada às redes sociais e ao imediatismo. Maria Rita Rezende e Mariozinho Telles estão de parabéns.
    Profa.Muna Omran, professora de Literatura do Colégio São Vicente de Paulo.

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