sexta-feira, 22 de junho de 2012

Alguém acaba de morrer lá fora

Alguém acaba de morrer lá fora
Alguém?
Quem?



Texto de Jô Bilac. Direção de Pedro Neschling. Da esquerda para direita: Pedro Nercessian,  Lucélia Santos, Ricardo Santos e Vitoria Frate.
Foto: Divulgação

Caríssimos, vamos entender quem é Jô Billac, se é que conseguiremos. A princípio, é um jovem dramaturgo carioca cujas obras estão marcadas pelo punhal do destino. Sim. Fatídico punhal; aquela terrível certeza que nos acompanha desde o nascimento - a morte. Filho de pai espanhol e mãe brasileira, passou a infância entre Madrid e o Rio, e da cultura hispânica deve ter absorvido esse gosto pelo golpe de misericórdia, tão ao estilo dos geniais Almodóvar e Saura. Temos então no rapaz uma mistura forte: sua juventude e sua pouca idade, às quais não associamos a temas de mistério e de suspense. Isto está mais para os cinquentões enfumaçados. Ainda há um charme extra nos ditos mistérios, e talvez seja esse o touché do toureiro, e é que são possíveis. Cabíveis no contexto comum da vida comum de pessoas comuns.  Por isso, a impossibilidade de sermos precisos quanto ao arquiteto destas situações. Pode ser Billac, ou qualquer um de nós.


Assustador. O que Jô Billac escreve e descreve pode acontecer com qualquer um de nós, basta estar vivo, basta estar um pouquinho desatento, e pronto, foi-se o que era doce.  Estamos por um fio, e o que sucederá é destino. E de quem foi a mão do destino? Quem é o culpado? Há culpado? Neste Alguém acaba de morrer lá fora, o premiado Jô explora as multiplicidades de opções disponíveis e imagináveis de forma especial. Contou com o talento do diretor Pedro Neschling,  das atrizes Lucelia Santos e Vitoria Frate (respectivamente sua mãe e sua namorada) e dos atores Ricardo Santos e Pedro Nercessian. Impressionante, como ele combinou e descombinou as duas gerações de atores no palco, formando casais previsíveis e imprevisíveis, aliados, inimigos, parceiros e juízes. 


São muitos os desdobramentos de um único fato e muitas as variações da verdade.  Aliás, a verdade, o que é? "Uma história bem contada, em que todo mundo acredita", já dizia Monteiro Lobato. Como somos muitos, e como acreditamos em coisas bem diferentes, existirão portanto muitas verdades diferentes. Muitas vítimas, muitos algozes, muitos investigadores. Estão por todos os lados, disfarçados de garçon e professora de inglês. Fantasiados de amores de antigos carnavais. De cara limpa mesmo.

As versões e seus personagens estão à venda, a varejo. Quase um produto de prateleira. O caríssimo escolherá a que melhor convier. Talvez seja um ente querido quem morreu lá fora.  Talvez não.  Talvez seja seu vizinho chato, ou o querido amigo, ou talvez seu amante, talvez seu ex-futuro amor.  Talvez eu seja a culpada,com este ar de muita concentração, aqui escrevendo e arquitetando mais um bem disfarçado assassinato.  Talvez você, aí, seja meu cúmplice, ansioso se eu não estaria aqui cometendo alguma indiscrição que o entregasse às autoridades. Descomprometidos que somos, os cidadãos civilizados, com os rigores morais, não é mesmo? Temos todos uma pontinha de razão. Afinal, há sempre alguém morrendo, há sempre alguém matando, de fome, de tédio, de raiva ou de medo.   E  nascendo, e vivendo, e partindo, e chegando, para uma nova vida, um novo amor, um novo sucesso.

A vida tem outras saídas. Curiosa e genialmente, a morte também.

Mais não digo. É preciso coragem, para avançar destemidos, pela obra de Jô Billac adentro.

  Jô Billac e seus mistérios possíveis

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