Maison de France
Primeiro de Março
Primeiro Mundo no Terceiro
O Teatro do Absurdo
Foto: divulgação
Nelson Xavier, Renata Paschoal, e Cecil Thiré, em "A Lição", de Eugene Ionesco
Foto: divulgação
Nelson Xavier, Renata Paschoal, Cecil Thiré, Roberto Frota e Thelma Reston, em a "Cantora Careca", de Ionesco. Ambas as peças com direçao de Camila Amado
O Teatro do Absurdo que não é tão absurdo assim
O Teatro do Absurdo foi um movimento iniciado por dramaturgos europeus e norte americanos a partir de 1950.
Para entendê-lo, analisemos a palavra absurdo: remete-nos para o latim absurdu, ou seja, contrário à razão, contraditório, disparatado.
Perfeito. Digo e repito: tudo parte e retorna da palavra.
No mundo arrasado por duas Guerras Mundiais, a resignação,o ceticismo. A descrença na humanidade. Os pilares do Estado reduzidos a pó. Descrença maior em Deus, que náo impediu toda aquela destruiçao, as maldades, e a matança de inocentes. Decepção com o genêro humano. Para demonstrar a nossa inutilidade, o Teatro do Absurdo utiliza elementos do ilógico para a criação do enredo, das personagens e do diálogo. Pretende assim - e consegue - reproduzir diretamente o desatino e a falta de soluções diluídas por toda a sociedade.
Seus principais autores foram Samuel Beckett, Eugène Ionesco, Jean Genet, Arthur Adamov e Harold Pinter. Sábios. Mestres. Misturando ironia, horror, tragicomédia e poesia, sim poesia, criam tipos e situações que descartamos como reais.
Nesta confortável distância o espectador não se identifica com os loucos, pelo menos não à princípio. Abriu-se assim a porta para um reflexão profunda, como no mecanismo didático dos sonhos: apresentam-se imagens inviáveis, unicamente representativas de um conteúdo maior.
Tal qual no surrealismo. Elementos reais em combinações impossíveis; recebemos aquela imagem em nossa retina e etiquetamos: não é comigo isso. Esses elementos não se sustentam. Não combinam. Vê-se um coração pintado no rosto, abaixo do nariz, onde temos a boca. Existe o coraçao, existe a boca. Mas não existe o coraçao na boca.
Não mesmo?
Vê-se no palco do Absurdo, por exemplo, marido e mulher em diálogo inconsistente. As frases não fazem sentido, embora um responda ao outro sucessivamente. Existem as frases, existe o casal, existem os diálogos sem sentido. Existe mais, existe o entendimento mútuo de que não há lógica, mas prosseguem assim mesmo, surdos ao significado do que dizem.
(Pense e responda: não existe essa cena?)
A imagem retratada é uma composição delirante, no entanto, é a epiderme dos fatos.
Por esta ótica, até o locutor do Maison de France faz parte do show. Em sotaque ríspido e imperativo, dita que desliguemos JÁ os celulares. POR FAVOR. É um bom aluno da ditadura, e cumprir sua ordem independe do bom senso; é para cumprir e pronto. Todos se movimentam para obedecer, mas de vez em quando tocará um celular sim. O iludido imperador de França anuncia que este teatro está RIGOROSAMENTE sob normas de segurança, mas estou espremida em uma cadeira. O espaço é mínimo entre uma fila e outra no balcão. Se precisar sair correndo, pisoteio a moça ao lado. Se descruzar as pernas chutarei o respeitável senhor da cadeira em frente, ou seja, eu estou insegura e tensa nesta imobilidade, e o cara da frente não tem idéia do perigo que corre. Mais um discurso oco.
Assisti o espetáculo do Absurdo e que de certa forma me lembrou Nelson Rodrigues - há contrariedades catastróficas que reprimimos sob nossa pacata existência. O que sentimos não importa muito diante do comportamento socialmente aceito. Nossa essência está escondida sob expressões impassíveis.
Na "Lição", o professor libera seu furor assassino diante dos questionamentos lógicos da aluna. Enlouquece de impaciência. Sua governanta é sua cúmplice, um Cecil Thiré impagável vestido como uma serva européia. Sua Marie oculta os cadáveres com naturalidade e prossegue normalmente sua rotina após tais atrocidades.
Incomum? Abra o jornal.
Na "Cantora Careca", uma família abastada farta-se no jantar, e esquece que havia convidado um casal para a refeição. Quando chegam os visitantes, não há mais como servi-los e recebem-nos com flagrante fingimento de supresa.
Incomum? Absurdo? Ibrahim Sued, se vivo, poderia dizer melhor que eu.
Os visitantes, Sr. e Sra Smith, são cônjuges elegantes que não se reconhecem. Precisarão checar os fatos para confirmar o casamento. Surpreendem-se quando constatam quem são.
Conhecem algum casal assim? Tem certeza?
Os diálogos sào conversas longas e sem nexo. Para dizer que está tudo bem, eu faço de conta que não vejo que você é maluco, e você reconhece que é um ótimo contador. O que falamos não faz sentido, e seguimos concordando um com o outro. Utilizar-se de um vazio linguistico para retratar o vazio existencial.
Aparentar. Representar. Ocultar. Finjir-se de morto para não morrer, ou melhor, para não matar.
Discorrer com propriedade onde há só, e somente só, falta do que dizer.
Há algo de Absurdo nisso?
Perigosíssimo. Assistir com consciência uma peça destas é reconhecer: estamos nos desprendendo de nossa essência. Temos intenções de neutralidade social, e assim nos comportamos. Disfarçamos nossas péssimas intenções.
Adotamos uma atitude contrária à natural. Podados, adestrados, temerosos, descrentes de que a sinceridade e a originalidade podem ser suportáveis, perdemos de vista nossa essencialidade. Tentaremos justificar toda esse encenação e nos convenceremos, também falsamente.
Eugene Ionesco, romeno, criado em França.
1906 - 1994.
Um dos principais autores do Teatro do Absurdo,
Premiado por atuar em Ligas de Ajuda Internacional,
Membro da Academia Francesa em 1970, entre outros prêmios de Literatura e Dramaturgia.
Amiga! Vi hj com nossa amiga Lu! E falei imediatamente após o término: - Isso me lembra Nelson Rodrigues!
ResponderExcluirAdoro ler o que tu escreves nega!
Beijos e ótima semana.
E viva o absurdo!
E o teatro também!