quinta-feira, 26 de maio de 2011

Baby

Rio de Janeiro
Praça Tirandentes,

Eu até queria um baby seu


Foto: Divulgação
Elenco de Baby, em cartaz no Teatro João Caetano
de Sybille Pearson ,música de David Shire,versão brasileira assinada por Flávio Marinho e Tadeu Aguiar, direção de Fred Hanson, regência de Liliane Secco



Difícil para mim. Tendo muito ao SIM. É sonoro, é suave, é sintonia.

Meu lado A gosta do elogio e da positividade, com a condição essencial que sejam sinceros.
Meu lado B teme ser descortês ou injusto.

Não tenho lado C, mas se tivesse votaria em ser direto.

Portanto: Não gostei.

Um musical sobre as apreensões da gestação e seus reflexos na vida de três casais, em idades e condições econômicas diferentes.

As apreensões estão no ramo dos sentimentos. O palco precisa mostrar fatos, ações, substantivos concretos, ainda que ficticios. Os sentimentos são etéreos, são fluidos, são abstratos, podem ser cantados e decantados em prosa, verso, em música, mas só um talentoso roteirista os materializará em diálogos e cenários. Faltou essa ponte, firme e sólida, que atravessará o espectador do abstrato para o concreto.

Ficou ralo, inconsistente, fugidio. Ficou hesitante.

Sabe um doce lindo, colorido, e que não tem sabor? Sabe um homem másculo que não tem pegada?

Ah sabe, sabe sim. Baby não tem sabor, nem gosto, nem pegada. Não te faz refletir, nem rir, nem cantar, nem chorar. Não tem pegada.

A despeito do talento de Silvia Massari, do esforço de Tadeu Aguiar, e da voz magnífica de André Dias, barítono possante, e da monumental regência da maestrina Liliane Secco, a peça não empolga.

Datada de 1983, tem outros códigos. Gravidez, maridinhos bonzinhos e esposas confusas não dão mais caldo. É coisa para terapia. De lá para cá, o mundo mudou. Quer engravidar, não consegue? Tratamento. Inseminação. Adoção.
O marido não quer? Separe. Parta para a produção independente.
Arrependeu-se da ousadia? Não está segurando a onda? DNA nele.

Temos uma lista de homens públicos que tiveram filhos fora do casamento; tenho cá comigo uma lista de conhecidos também. O único que fizeram foi espalhar mais amor, por mais crianças. Há filhos e enteados todos misturados, a carne da minha carne misturou-se à carne do meu amado. A sociedade se reestruturou para permitir novas realidades familiares, e gestar, dar à luz, ainda são atos sagrados, mas substituíveis.

O musical reflete a visão de sua década, e uma visão muito míope.
De que é preciso ter filhos para ser feliz. É preciso papai e mamãe para conceber e amar a cria. Que é preciso que papai e mamãe se compreendam e se amem muito.
Passou tudo isso. Hoje os humanos procriam, criam, e amam sua prole de outras formas. Hoje os humanos se amam mais levemente, mais possivelmente.
Há mais aceitação e menos fantasias.

Sendo ainda mais direta, não há eco ou refrão que nos levem ao clímax.
O momento do parto, disfarçado em cena, poderia justificar os momentos que o antecederam, repetindo a vida real; subitamente se entenderia porque chegamos até ali. Para parir aquele ser vivo que estava igualmente vivo dentro da mãe.
Não aconteceu.
Eu queria um choro de bebê mesmo, um grito visceral de vida, com o sangue, com a dor, com o susto, com o pavor. Rompendo, apaixonando e apavorando.

Mas não. Também o nascimento é superficial. Como as letras, que não rimam, e nem intrigam, que não combinam com a melodia.

E assim, sem o encantamento, substância essencial ao teatro, não criou-se a ilusâo de ótica, aquela que induz à hipnose e ao arrebatamento. Substância essencial à vida.

Assim, o espetáculo passa, e você sai João Caetano afora. Praça Tiradentes afora. Sem Baby, sem colo, sem choro. Sem lenço e sem documento.


Sylvia Massari, perfeita, aplaudida em cena.

André Dias, poderoso e afinadíssimo trovão

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