Rio de Janeiro
A morte de Lacraia e a Vida de Esther Tarsitano
Lacraia e Mc Serginho
É preciso dizer que o brasileiro é generoso e recebe abertamente seus artistas.
Lacraia, codinome de Marco Aurélio da Silva Rosa, foi prova disto. O Mc SErginho, cantor de funk, a apresentou a massa funkeira como sua dançarina, em ato de coragem, e foi surpreendentemente bem recebida. Sabemos que Lacraia era um travesti e se apresentava para um público machista, que paga para ver a mulher melancia lá no palco rebolando até o cháo. Chão Chão Chão.
Lamentavelmente, homenageiam a marginalidade e seu poder amado. O Estado é inútil ou adversário. A mulher é para uso e descarte. O trabalho os remunera no mínimo indispensável e é no bailes que encontram o que lhes parece diversão. Ou estão pelos bailes ou pelos cultos evangëlicos, jamais em ambos.
Dentro deste contexto, de fato foi surpreendente que aceitassem a pink Lacraia e sua alegria rebolativa. Aceitaram, aplaudiam e prestigiaram. Muito bem.
Lacraia faleceu dia 10 de Maio. Sua família náo revela o motivo e não sou eu quem o fará. Tive pena de uma vida que se encerra aos 33 anos; tive pena de que seu talento artistico não tenha se desenvolvido além da Eguinha Pocotó.
É mais um caso em que o local de nascimento determina sua históra - nascesse e vivesse em outro habitat teria estudado dança, teatro, ballet, música. Teria sido, talvez, uma Dzi Croquete dos anos 2000. Nào foi. Vamos reconhecer.
O que fica de Lacraia para o cenário cultural brasileiro? Para a arte? Para os homossexuais? O que conquistou de dignidade e respeito? Nada. No entanto, sua morte e seu enterrro receberam grande espaço nos jornais, tv, virtuais. Ampla visibilidade.
Na véspera, morre Esther Tarsitano. Não fosse um pássaro, imenso e lindo, a meu contar, eu não saberia nem de seu falecimento, e para ser sincera, nem quem ela foi. Pensei que era uma cantora da época do rádio.
Já disse que respeito os pássaros, sábios e livres, e fui pesquisar.
Esther Tarsitano merece toda a pesquisa. Farto e luxuoso material à disposição. Páginas e páginas escritas sobre ela.
Foi uma revolucionária da própria história. Inicia sua carreira como vedete em 1940. Brilha. Deslumbrante. Cassinos, teatros de revista.
Exímia sapateadora, habilidade rara na ocasiao. Canta, dança, atreve-se a protagonizar o primeiro strip tease do Brasil em grande estilo.
Poderia ter sido estigmatizada para todo o sempre.
Não foi. Reescreve, prossegue, e é consagrada como atriz em musicais sob a direção da mestra Bibi Ferreira. Grava compactos em vinil com os sucessos da rádio Bandeirantes. Sua beleza jovem e radiante passa, como em todas as demais mulheres belas, e antes disso, ela passa para os bastidores. Junta-se a Escola de Teatro de São Paulo. Dedicadíssima.
Produz espetáculos, monta, dirige. Multiplica o que aprendeu.
Produz, produz, produz. Incentiva iniciantes, investe em montagens nacionais.
Uma máquina feminina de gestão de talentos.
Viveu em Las Vegas por anos, casada com um americano. Acomodou-se? Nào. Nunca. Apresentava programas de rádio, sua paixão, em português e espanhol.
Esther Tarcitano é esta deusa loura em sua época de vedete. Ousadíssima. Barriga de fora era caso de polícia
De volta ao Brasil, não pára. Figurinos de luxo para Carnavais.
Radialista. Apresentadora da TV Comunitária do Rio de Janeiro.
Comanda por cinco anos o programa de rádio "Sábado é Gigante na Rádio Carioca", de larga audiência, convidando famoosos, aos sábados, com três horas de duração.
Envergonho-me de náo tê-la ouvido. Estava presa aos meus programas de FM, e a prisão sempre traz perdas. Perdi mais essa.
Falece também no dia 10 de Maio.
Deixa um legado de páginas para a cultura brasileira. Aquela que começa explorando o físico encontrou seu reconhecimento explorando o talento.
Para ela não houve notas significativas. Não houve homenagens públicas. Pouca ou nenhuma reportagem.
Os olhos choravam por Lacraia. Não houve lágrimas para Tarcitano.
Vale a reflexão: não conhecemos muitos dos nossos artistas. Não conhecemos o que não é divulgado na telinha quadrada, e o que não está ali não está no mundo.
O funk teve ou tem, sei lá, um programa televisivo chamado Furacao 2000. Divulgam - e bem - seu próprio negócio. São milhões no Brasil. Esta é a Escolha de Sofia dos editorees dos noticiários. Divulgarão o evento com maior alcance de telespectadores.
Funk não é cultura. É um sintoma. É um pedido de socorro. Mas o funk paga bem, e como.
Esther Tarsitano não daria ibope. Hoje minhas condolências são por ela. Tento aqui fazer-lhe a justiça que a mídia não fez.
Vitoriosa, pioneira, construtora.
Professora para estas moças que ficam perdidas em meio a tanto silicone: estudem. Busquem. Eduquem-se. Cresçam.
Aplausos calorosos e longos, como a pedir a artista que fique mais um pouco no palco.
Lacraia, descanse e dance em paz. E que em outra encarnação, o planeta ofereça-lhe melhores oportunidades.
Nossos aplausos para a estrela Esther
Apenas uma correção: Esther Tarsitano faleceu no dia 09 de maio de 2011 as 16h30m.
ResponderExcluirFoi enterrada no dia 10 de maio de 2011 as 14h45m.
DEYSEH LÚCIDE MARTINS (ASSESSORA E PRODUTORA DE ESTHER TARSITANO)
Corrigido, com respeitosas desculpas
ResponderExcluirBela reflexão. Duas artistas fazendo o seu melhor pela Arte.
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