segunda-feira, 11 de julho de 2011

A sandalinha branca

Rio de Janeiro

Infâncias

Que lindas eram as sandalinhas...

Ai, lá vou eu e as histórias das minhas amigas.
Mas essa é especial. A mulher é um baú de raras qualidades. Educada, sincera, delicada, engraçada.

Espantei-me, quando em conversa mais particular, confessou-me que sua infância foi marcada por agressões. Emocionada, mencionou que em um foto do colégio aparece com o olho fechado, machucado por um sapato, sim, um sapato, que o pai usou para atingí-la.

Assustei-me. Acrescentou, com voz doce e mansa, que seu pai era alcóolatra, batia nela, no irmão e na mãe.

Admirada pelo equilíbrio e serenidade de seu temperamento adulto, espantei-me, pois acredito que tais violências deixem marcas insuperáveis, talhando com agressividade o comportamento humano. Nada disso. A moça mantém-se gentil, e firme, sob pressão e provocação. Não porta traço algum de vinganças e revoltas. E mais, cuidou com carinho deste pai até o último de seus dias.

Sei que o único elemento possível de cura das mágoas reside no afeto. Mais que educação, terapias e tudo o mais, para uma criança que foi tratada a pancada, um carinho vale ouro. Um beijo e um abraço para essas vitimazinhas vale mais que um remédio.

Indaguei:
"- Amiga, o que guarda de bom de teu pai?"
Seu semblante iluminou-se.
" - Ah, amiga, o dia em que ele me deu uma sandalinha branca. Eu estava de mãos dadas com ele, em Madureira, tínhamos ido resolver alguma pendência ali, sei lá, e eu vi a sandalinha em uma loja. Ele entrou, comprou e me deu. Fiquei tão feliz. Calcei-as imediatamente, e usei até que ficassem muito pequenas. Guardei-as anos a fio" - e ela repetiu, suspirando: " - Como eu gostava das minhas sandalinhas brancas..."

Nào estou aqui para afirmar, sequer de longe, que um presentinho compense a agressão. Especificamente há uma particularidade, a ser estudada aí pelos psicológos. Ela lembra da agressão com um sapato e de uma sandália presenteada, objetos de uso equivalente. Curioso. O que fere, consola.

Estou aqui para afirmar, caríssimos, que uma ação sincera e despretensiosa (talvez apressada) pode ter efeitos balsâmicos para uma criança. O inocente coraçãozinho infantil enxerga carinho e afeição em gestos simples e espontâneos.

É mais fácil do que parece e faz toda a diferença.

Se nós, burros velhos, castigados, surrados, e céticos, nos consolamos com um sorriso e uma palavra de carinho, e nisto muitas vezes nos agarramos para seguir adiante, imaginemos o que o mesmo sorriso pode significar para uma criança. Pode significar que é amada. Pode fazer desta criança um adulto melhor.

Para minha amiga, fica o beijo especial.

Com os demais compartilho o que aprendi com suas sandalinhas brancas - no campo do sentimento não há irrelevâncias.

Nào há presentes caros e baratos; escolhidos a dedo ou na correria. Não há gestos a subestimar. Do mínimo ao máximo, tudo é muito bem vindo, e tudo, tudo tudo conta no balanço final da nossa vida.

Um comentário:

  1. Amiga querida, como vc capta com propriedade o sentimento alheio! Isto é raro...um dom. Mil vezes parabéns! Este é um perfeito olhar sobre uma história singela, comum e até corriqueira, mas especial para quem a carrega.
    Um beijo muitooo carinhoso também no seu coração!

    ResponderExcluir