domingo, 19 de junho de 2011

A Casa Assassinada

Na Primeiro de Março,
estamos a um passo da Ouvidor
E aqui vimos a casa e a mulher
morrerem de amor



Maison de France, Maison du Thèatre
Xuxa Lopes e Pedro Henrique Moutinho, rasgando a linha do equilíbrio


Abre o veludo.

Uma mulher, ricamente vestida, jaz sobre um catre de madeira.

Sobre ela um rapaz nu, jovem e musculoso.

Vemos seu dorso.

Costas, glúteos.

Ele a chama de mãe. Chora e geme de desejo.

Afasta-se da mulher inerte, e põe-se de pé.

Nu frontal. Nu masculino. Choca, mas o que seguirá chocará também.

Incesto, traições, manipulações da verdade - e só ao fim entenderemos. O diretor nos manteve engasgados por hora e meia. O texto genial guarda para a última cena a verdade, e a anuncia pela garganta da atriz: "a verdade é uma ciência solitária".

A arte imita a vida. A Solidão eterna dos segredos do desejo.

A imposição do silêncio face aos fatos, face às regras, face às imutáveis regras da tradicional aristocracia mineira, e das regras que impomos cruelmente a nós mesmos em quaisquer sociedades....

Por quê?

Porque nao amar o jovem jardineiro e suas violetas?

É possível proibir o amor?

O texto de Lucio Cardoso foi escrito em 1959. Montado e remontado por nomes imortais do teatro, agora em cartaz no Maison. Xuxa Lopes como protagonista, papel vivido por Norma Bengel em outras épocas. Sua Nina encanta e revolta. Do alto de seus seus sessenta anos é mais sedutora que muitas jovens de quinze; consumida pelo desejo e pela impossibilidade de assumí-lo, age com crueldade. Odiada. Amada. Seduziu, assim, a todos nós. Outro sedutor deslavado é seu cunhado travestido, caricatura homossexual, mantido pela família Menezes como um exilado, uma vergonha, trancado em seu quarto como um leproso. Rejeitado por todos, é o ombro amigo de Nina. Magistral interpretaçao de Sergio Rufino; seu travesti exerce seu efeminismo (palavras do patriarca Menezes) com extravâgancia e transborda sentimentos. É talvez o único amigo de Nina - toda mulher precisa de um confidente, e quem melhor que ele? Ele, o travesti. Submete-se ao cárcere, mas nào ao pulso forte do irmão mais velho. Veste-se de mulher, rica, opulenta, louca. Como a Mulher, submete-se à aparência da regra, mas jamais à regra em si.

E a casa cai, dia a dia, sob o peso de amores e mortes. Toneladas de lembranças, sonhos, delírios. A casa ruindo sob peso insuportável de revelaçoes, pontuadas por tangos e anunciadas por óperas. Fantasmagóricas óperas.

Drama, drama, tragédia. Do vermelho sangrento do vestido de Nina ao negro traje de luto luxuoso, da mesma forma os personagens passeiam entre a Paixão e a Morte. Tortuoso passeio.
Sofrido como a figura da cunhada Ana, tão sombria, ventríloqua, boneca feia e sem vida. Não se iludam. Essa mulher calada traz em si a revolta dos mal amados, e com dedos de ódio modificou o destino dos Menezes.

Para quem entende o drama de amar o proibido, o espetáculo é fascinante.

Para quem conhece o potencial repressor do Homem, é assustador.

Fascinante texto, o autor brasileiro parte da característica tradicionalista da zona rural de Minas Gerais - "lugar horrível para se morrer", como disse a protagonista Nina - e constrói uma trama universal; devia ser obrigatória a leitura do livro que o originou.

Fascinantes a montagem e a direçao de Gabriel Vilella. Maliciosa, manipuladora, prepara flagras e alívios. Sem flagrantes haveria sombras somente. E dolorosas dúvidas. Como propiciar o alívio sem oferecer, primeiro, a dor?

O espectador teme, sinceramente, que as dúvidas sejam certezas. Reais.

Seria por demais possível: reconheceríamos que a saudade e o desespero coabitam no casarão da Solidão... e que o casarão não fica em Minas; o endereço é o seu, do seu peito, caríssimo leitor, bem aí no meio do seu coração ...

Sergio Rufino, estrela, estrela, estrela mil vezes

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