domingo, 17 de abril de 2011

Anticlássico - é, ou são, questões

Humaitá,
Embaixo da Lua,
e do Cristo.
Vi uma doida bailarina

Alessandra Colasanti, Foto: Divulgação

Noite de sexta. Eu a amiga querida seguimos, depois de trabalho árduo, para um pouco de lazer. Teatro no Sergio Porto. Descemos no lugar errado. Caminhar, caminhar, caminhar. Botecos lotados, somos cariocas, e de uma forma geral reservamos as noites de sexta para barzinho e samba; as noites de quinta e domingo para cultura. Sábado? Bem, melhor nào comentar.

Em frente ao teatro, na verdade por cima, brilha o Cristo.
Minha amiga faz uma prece, pede proteção, e agradece.
Ela também é bailarina, mas náo de vermelho, de preto, le rouge et le noir n'épousent-il pas ( o vermelho e o negro náo se misturam), mas estarão juntas pela próxima hora e meia.

É impossível náo se juntar a esta doida que nos falará em monólogo. Já disse e repito: adoro as doidas. São elas que movem o mundo, e nesta noite, a doida é Alessandra Colasanti, a atriz e diretora do ANTICLÁSSICO.

Assume, ao vivo, a cores, e ao meu humilde ver, duas personagens: uma conferencista, uma bailarina, e de novo a palestrante em postura mais relaxada depois de um drink e uma música ambiente. A diferença entre ambas não é clara, misturam-se, parecem o presente e o passado fora da ordem cronológica.

O que segue é uma sátira, uma provocação, uma ridicularização dos pretensiosíssimos personagens do mundo acadêmico; os que inventam jargões, filosofam o tempo inteiro, egolátras, repetitivos, enfáticos, e porque não dizer, charlatões.
Todos conhecemos algum. Já tivemos aula com algum deles, assistimos entrevistas deles, e principalmente, nos envergonhamos por eles, e pela sua platéia, que finge entender e concordar, só para náo parecer menor em cultura.

O texto é rico, riquíssimo, refere a filósofos e pensadores de diversas nacionalidades e crenças, e deve ter estudado muito para elaborar uma crítica tão bem ilustrada e vasta. Penso em Caetano Veloso, a quem idolatro, que náo foi citado e que não é charlatão, e que inaugurou a expressão "ou não" ao fim de cada afirmativa, para dizer que ambas as posições - contra e a favor - são possíveis, são opcões, ou como diz a bailarina conferencista, em tom grave, são questões. Eis, portanto, a questão. Se tudo é possível, e aceitável, fica mais difícil escolher uma opçãozinha só.

Lembrei-me de uma mulher inteligentíssima que conheço. Disse-me, não esquecerei, que a multiplicidade de opções enlouquece. Sim, é uma questão. Optar por menos opções, simplificar. A sua escolha e a do outro. Muitas opções confundem qualquer convicto, porque se todos os caminhos levam a Paris, por qual afinal, irei? Há criaturas que fazem isso com a gente, mostram mil itens, todos viáveis, e quase nos convencem que somos nós os que não tem o necessário poder de decisão. Na verdade, são elas que estão perdidas.

A linha seguida pela Bailarina Palestrante, a chamo assim porque não revela seu nome, para engambelar sua audiência, é a seguinte: muita conversa, muita demonstração de cultura, muito elogio a seus feitos e sua irresistível personalidade. Quero ver quem sabe mais que eu, mas por ora vamosarrebitar esse bumbum para cima, e lamber ascintosamente os próprios lábios. Ela quer também o prazer que a vulgaridade permite. Talvez use sua suposta cultura como a teia da aranha: cai ali e ela te come. (tive um amigo que usava como arma de sedução sua coleçao de direito romano. Onze volumes comentados por ele, à mão, em letrinhas pequenas, a lápis. A moça abre a blusa no quarto volume.)

Bem, adorei. Adorei a ironia, a fortaleza e a fraqueza da coisa.
É a talentosa elaboração de uma audaciosa idéia. Como detalhe, delicioso, subjuga a figura masculina, reduziu seu Hamlet, mais jovem e menos culto, a um nada, um mordomo mudo, um objeto cênico, um abatjour. Vingança para as mulheres presentes. Metafórica, paradoxal, dialética, dicotômica. Ou simplesmente, dúbia; o lado A é verdadeiro, o lado B, Falso, e os dois tocam em alto volume.

É uma falsa intelectual, uma falsa bailarina, uma falsa sedutora. Fanfarrona e presepeira, óculos de professorinha de filme pornô e balelas sobre romances com toda - TODA - a academia de Belas Artes européia.

Uma verdadeira atriz, uma verdadeira diretora, um verdadeiro espetáculo. Sem enganação.

Bravo.

Bravo, bailarina. Bravo.

Um comentário:

  1. Perfeito minha querida! Obrigada pela delicadeza da referência, elogiosa e adocicada pelas suas bem colocadas palavras.
    Bravo minha linda amiga Bettina!

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